Crítica: O Ódio Que Você Semeia

Nada vai te preparar para o que esse filme tem a mostrar.

por Fernando Labanca

"O Ódio Que Você Semeia" não é somente baseado em um livro de Angie Thomas, é baseado nas vidas de muitas pessoas, em muitas histórias e relatos reais. E essa é a parte que nos quebra, por ouvir seus discursos e saber que tudo aquilo aconteceu com alguém e que ainda acontece nos dias atuais. Inclusive, a autora teve inspiração para sua ideia justamente por sentir a necessidade de expor esses cruéis eventos onde negros são assassinados nos Estados Unidos e que, numa sucessão de protestos, movimentos como o Black Lives Matter foram criados. Agora, com a cuidadosa direção de George Tillman Jr., ele cria na tela  alguns instantes de catarse, nos lembrando com honestidade o mundo sem lógica em que vivemos. Esse filme é poderoso porque ele dá voz ao que antes era apenas silêncio. É milagroso porque faz isso em alto e bom som. 

Na trama, a jovem Starr Carter (Amandla Stenberg) sempre se viu dividida entre duas vidas. Na vida em que divide com sua família no perigoso bairro periférico dos Estados Unidos e na vida confortável que vive no colégio particular, rodeado de adolescentes brancos que não fazem ideia de sua realidade. O momento de ruptura acontece quando ela presencia um antigo amigo sendo baleado e assassinado por um policial branco e todos ao seu redor esperam que ela seja testemunha do ocorrido e a voz de uma revolução que está a prestes a acontecer. 

O filme demora um pouco a mostrar a que veio. Em seu início, apresenta com cuidado seu cenário e os personagens que farão parte dessa jornada, e tudo isso em um estranho clima "sessão da tarde para toda a família". Inclusive, é até interessante saber pouco sobre a trama para que o proveito seja grande. Quando suas intenções são reveladas, a obra mostra sua verdadeira face e passa a ser guiada com bastante ousadia, tratando seus temas de forma madura mas sem nunca perder esse seu tom juvenil. Por isso digo que nada vai te preparar para o que será mostrado, pois não há como imaginar no começo as proporções altas que o longa atinge. São vários momentos de explosão que o tiram da zona de conforto que anunciava lá no início e provam uma grandeza inesperada e uma emoção que coração nenhum estará pronto para receber. É um choque, um soco lento na alma. Em seus minutos finais, senti uma angústia que acredito que nenhum outro filme me fez sentir este ano. Fui tomado por minhas lágrimas e pelos tantos sentimentos que são entregues ali. 

Amandla Stenberg é muito mais que uma atriz revelação, ela entrega aqui uma das atuações mais potentes de 2018. Há garra, há força e sua evolução na tela é grandiosa. O elenco todo é muito bom e ganham quando o texto guia cada personagem com cuidado. Aliás, tudo aqui é muito bem executado, como a montagem, a fotografia e excelente trilha sonora composta por Dustin O'Halloran. Não é a primeira vez que racismo é pauta de um filme, mas não lembro quando o tema foi mostrado com tamanha agressividade e há uma necessidade de ser mostrado nesse tom. Seu roteiro é um verdadeiro manifesto, escrito com honestidade, sensibilidade e boa dose de rancor. A obra fala sobre preconceito e como esse ciclo de ódio criado afeta os mais novos e como, justamente por isso, o ódio que você semeia fode com todo mundo. No meio de tantos discursos relevantes e de instantes de comoção intensa, a obra deixa em nós uma marca, uma inspiração, uma vontade de acreditar na solidariedade e na justiça, de acreditar que estamos progredindo. É um passo lento, mas ele precisa existir nas ruas e precisa existir em nós, porque o amor que semeamos pode transformar tudo. 

NOTA: 9

País de origem: EUA
Título original: The Hate U Give
Ano: 2018

Duração: 132 minutos

Distribuidor: Fox Film do Brasil
Diretor: George Tillman Jr. 

Roteiro: Audrey Wells
Elenco: Amandla Stenberg, Russell Hornsby, Regina Hall, Common, KJ Apa, Issa Rae, Anthony Mackie