terça-feira, 25 de setembro de 2012

Crítica: Intocáveis (Intouchables, 2012)

Filme francês de maior sucesso (e bilheteria) da história e que teve recentemente a missão de representar o país no Oscar 2013, tem tudo para levar para casa grandes prêmios e a cada cena que vemos dele entendemos a razão de seu sucesso entre o público, não só por ser divertido e ter uma trama de fácil compreensão, mas também por simplesmente ser bom e assim como sua trama, que é sobre opostos, tem tudo para agradar dos mais aos menos exigentes.

por Fernando Labanca

Baseado em fatos reais, conhecemos o empresário aristocrata e tetraplégico Philippe (François Cluzet) que em busca de um assistente para ser responsável por seu cuidado se vê diante de diversos engomadinhos dispostos a um novo emprego, mas decide contratar justamente aquele que menos se esforçou em conseguir a vaga, Driss (Omar Sy), negro, imigrante senegalês que tudo o que queria era um seguro desemprego para se manter após sair da prisão, no qual ficou por seis meses. Driss que pouco se importa com a deficiência de Philippe, passa a se divertir na mansão que agora tem por direito, além de dar em cima da bela secretária e assim, nasce uma inusitada amizade e simplesmente por um não colocar rótulos no outro, é nesta relação que eles se prendem para fugir da triste realidade que ambos enfrentam.

Apesar do que possa parecer de início, "Intocáveis" foge bastante do drama e acaba se firmando como comédia, quase que pastelão, por vezes. E assim, acaba surpreendendo. Quando esperávamos moralismos, discussões sociais e um final dramático, encontramos, na verdade, muito humor, tudo que poderia ter uma grande densidade é convertido em piada, mesmo quando se trata de assuntos que de fato, quase nunca são vistos como piada, é então que o roteiro encontra sua grande arma, o politicamente incorreto. É hilário o descaso de Driss para com o amigo ou também quando se surpreende pelo preço pago do empresário em uma obra de arte, entrando diálogos que todos tiverem vontade de um dia dizer, mas que tiveram medo de se mostraram "não cultos", o roteiro não veta nada nem ninguém, nem música clássica, nem mesmo programas televisivos destinados a deficiência infantil, tudo vira piada, de forma direta e sem receios.


É um filme sobre opostos, do real à fantasia, onde o roteiro se mostra livre em romantizar a trajetória dos amigos, forçando às vezes, mas tudo ocorre de forma agradável. Da comédia ao drama, onde também sabe lidar com a emoção. Colocando em cena, negro e branco, rico e pobre, a deficiência e a saúde em pessoa, dois pontos extremamente opostos mas que surgem de forma harmoniosa e o roteiro não perde tempo em refletir sobre eles e este, acredito eu, é seu maior trunfo, pois não há maneira mais digna de se falar sobre as diferenças as colocando no mesmo patamar, evitando discussões, não de forma alienada, afim de não de ser polêmico, mas de forma a compreender que as diferenças podem coexistir.

"Intocáveis" usa estas diferenças para seu bem, através de um roteiro bastante correto, é capaz de fazer grande parte do público se identificar com a trama, porque no fundo, o filme é bastante comercial, feito na medida para agradar, mas também agrada os mais exigentes, a dupla de diretores, Olivier Nakache e Eric Toledano realizam um belíssimo trabalho, fazendo bom uso das câmeras, além da incrível fotografia e sensível trilha sonora. Sabem, também, tirar bom proveito de seu elenco, Omar Sy tem tudo para o grande estrelato, carismático e excelente ator, rouba a cena na maior parte do tempo, é extremamente engraçado, suas falas parecem um grande improviso de tão naturais. François Cluzet tem seus momentos, convence e ao lado de Omar, a dupla parece se divertir na tela, e quem sai ganhando somos nós, pois as cenas cômicas, foram, com certeza, as que mais me fizeram rir este ano.

É sobre estes dois homens intocáveis, um com a sua deficiência, seja social ou física, mas que aprenderam uma das mais valiosas lições, a rir da própria desgraça. De trama fácil e bem resolvida, o cinema francês nunca esteve tão aberto a tantos públicos e isso de forma alguma é algo negativo, não deixa de ser bom, inteligente, que leva diversão e reflexão na mesma medida. Tocante e engraçado. Simplesmente imperdível.

NOTA: 9



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Crítica: 360 (2012)

Baseado na peça de Arthur Schnitzler, novo filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, é uma produção requintada filmada em seis países diferentes. Com roteiro de Peter Morgan, o mesmo de "Frost/Nixon" e "A Rainha", conhecemos nove histórias envolvendo casais de diversas partes do planeta e como suas ações e escolhas interferem na vida de outros, mesmo que estes estejam à quilômetros de distância.

por Fernando Labanca

A vida de um indivíduo é como um ciclo, mas que depende, indiretamente, das ação de outros para seu movimento. A premissa de "360" é justamente essa, vidas que são alteradas pela escolha de terceiros. Mirka (Lucia Siposová) é uma jovem tcheca que passa a se prostituir por dinheiro numa agência de "luxo" e um de seus primeiros clientes é o empresário Michael (Jude Law), que por sua vez é casado com Rose (Rachel Weisz), que o aguarda em casa, em Londres, enquanto isso mantém uma relação com o jovem fotógrafo Rui (Juliano Cazarré) lhe prometendo uma carreira de sucesso, este que saiu do Brasil ao lado de sua namorada Laura (Maria Flor). Laura, que ao descobrir a traição de Rui, decide voltar para casa, mas no caminho se depara com um senhor (Anthony Hopkins) que ainda sofre pela perda da filha e um misterioso rapaz (Ben Foster), recém liberado da prisão. Um dentista muçulmano (Jamel Debbouze) perdidamente apaixonado por sua assistente (Dinara Drukarova), mas que é casada com o motorista Sergei (Vladimir Vdovichenkov), mas são infelizes juntos e ele toma uma grande decisão em sua última viagem, quando sua vida se cruza com a de Mirka, a prostituta.


"360" é uma interessante mistura de Alejandro González Iñárritu/ Guillermo Arriaga e suas histórias entrelaçadas como em "Babel" com o romance "Closer- Perto Demais" de Mike Nichols. Se para Arriaga, que apostava nas coincidências do destino e construía suas tramas com um fundo político, Fernando Meirelles foca em outro aspecto, o dos relacionamentos amorosos, ainda nos fazendo refletir sobre o quão a nossa trajetória pode ser irônica. O filme vai costurando tramas que envolvem traição, novas descobertas, desilusões amorosas, pessoas que amam quem não podem, pessoas que abandonam quem amam, que retornam a quem um dia amou mas acabou esquecendo. Muitos acusaram o roteiro de não se aprofundar nas histórias contadas, essa sensação não me ocorreu, achei extremamente competente a maneira com que Peter Morgan guiou as tramas, todas possuem seus espaços, não havendo protagonistas, cada um se destaca a sua maneira, o bom roteiro consegue ainda colocar profundidade a cada personagem, onde cada indivíduo mostrado, tem sua importância, nenhuma história está ali a toa, tem sua função no conjunto e contribui para o resultado final.

O filme se inicia com uma narração em off, uma voz nos dizendo sobre bifurcações. A vida é como uma estrada de duas vias, onde a cada instante precisamos decidir sobre qual caminho queremos seguir, o problema que cada escolha implica numa consequência e não temos controle sobre ela, podendo afetar alguém que não conhecemos, construindo nossa vida, estamos, indiretamente, alterando a de outra pessoa. É interessante como o roteiro consegue traduzir esta idéia simples de forma tão agradável e inteligente, como aquela brasileira, interpretada por Maria Flor altera a vida de tanta gente sem ter a intenção e como para chegar aonde chegou precisou ser traída, precisou daquela esposa abandonada e infeliz em Londres. A vida é realmente muito irônica, complexa, onde cada vírgula tem sua razão de existir, nada é por acaso, tudo nos leva para um plano maior. O interessante também é que o roteiro desenvolve histórias simples, sem grandes revelações, sem muitos obstáculos, um momento do cotidiano de cada ser, exemplificando o fato de como as mais simples escolhas de nossa rotina podem alterar tanta coisa. A trajetória de várias pessoas, em diversos cantos do planeta, no momento da vida em que decidem fazer algo a mais por elas mesmas, é quando o filme questiona, temos escolhas a cada instante, mas vivemos apenas uma vez, quando é que teremos a oportunidade de escolher aquele caminho novamente?

Os personagens são realmente interessantes, mérito do grandioso roteiro e do elenco, estrelado por nomes conhecidos do público e por atores de outros países, que parecem enriquecer ainda mais o projeto. Jude Law e Rachel Weisz estão lá entre os conhecidos, corretos, mas não surpreendem, mas são personagens interessantes. Entre as histórias mais bem desenvolvidas está a do ator russo Vladimir Vdovichenkov, que se destaca, assim como o francês Jamel Debbouze, numa trama que emociona pela simplicidade. O brasileiro Juliano Cazarré aparece bem pouco, mas não decepciona. Mas quem rouba a cena mesmo é o trio Maria Flor, Ben Foster e o veterano Anthony Hopkins. O personagem de Foster é com certeza, o mais intrigante de todo o filme, se entrega e realiza alguns dos melhores momentos, assim como a bela e brasileira Maria Flor, que de todas as histórias contadas, é a dela a mais marcante. E Hopkins que surge renovado, parecia que ao longo dos anos ele havia elaborado uma fórmula para atuar, seu "método Hannibal", é então, que em pouco mais de três cenas na tela, ele fez muito mais que atores fazem num longa inteiro, é belo, humano, muito convincente seu olhar triste e vazio, ao mesmo tempo esperançoso. É realmente complicado desenvolver uma história com tantas tramas, tantos personagens, ainda mais envolvendo países diferentes, idiomas diferentes, culturas diferentes, é admirável o que Meirelles e Morgan realizam aqui, o resultado é bastante positivo, pois tudo de fato, agrada e consegue se manter no bom nível suas duas horas de duração, são história simples, fáceis até de compreender, no entanto, é tudo tão bem feito, tão bem construído, que tudo passa a ser mais grandioso do que realmente é, histórias que cativam e nos prendem até seu final. 

Trilha sonora conveniente, buscando em diversos idiomas ilustrar os diversos cenários e situações. Destaque também para a fotografia de Adriano Goldman e a excelente edição realizada por Daniel Rezende. Fernando Meirelles é um excelente diretor, podem dizer que se vendeu para Hollywood, o que for, mas é inegável seu talento, depois de grandes obras que realizou lá fora como "O Jardineiro Fiel" e "Ensaio Sobre a Cegueira", "360" entra para a lista, um filme incrível, grandioso, repleto de bons momentos, bons diálogos e atuações marcantes de um elenco competente. Um roteiro bem pensado, inteligente, que por mais simples que seja, não deixa de ser envolvente, emocionante e não deixa de trazer boas reflexões ao seu final. Recomendo. 

NOTA: 9,5



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Crítica: Um Divã Para Dois (Hope Springs, 2012)

Do diretor David Frankel, o mesmo de "O Diabo Veste Prada" e "Marley e Eu", trás Meryl Streep e Tommy Lee Jones, em atuações marcantes, uma das melhores que o cinema viu este ano, na pele de um casal tentando reascender a chama depois de três décadas juntos.

por Fernando Labanca

Kay (Streep) está casada há 31 anos com Arnold (Jones), mas diferente dele, ela cansou da rotina. Enquanto o marido vive a monotonia da sua vida como se nada pudesse melhorar, assistindo programa reprisado na TV e trabalhando todas as manhãs, Kay chegou ao seu limite, já não suportando o fato de não conversar mais com ele, de dormirem em quartos separados. Para resolver seu problema, ela se inscreve num famoso programa de aconselhamento de casais com o Dr.Feld (Steve Carell), numa pequena cidade bucólica. Mesmo irritado com a situação, Arnold aceita fazer a viagem, com medo de perder sua mulher, entretanto, alcança o ápice do constrangimento quando precisa, como exercício da terapia, se reaproximar de Kay, falar sobre sexo e sobre tudo o que evitou todos esses anos. 

Comédias românticas surgem e desaparecem nos cinemas, algumas merecem o simples desprezo e esquecimento, outras, merecem a atenção, que infelizmente por serem deste gênero chegam nas salas com um certo preconceito e logo são subestimadas pelo público. "Um Divã Para Dois" é dessas que merece atenção. Para começar tem dois grandes atores a frente da trama, Meryl Streep que conseguiu mais um Oscar de Melhor Atriz este ano e Tommy Lee Jones. Ver esses grandes atores dividindo a mesma cena não é para qualquer filme e a maneira como os dois se jogam em seus personagens é algo raro, ainda para Streep, que aparentemente já havia feito de tudo no cinema, ela surge novamente e ainda consegue surpreender. Ainda temos David Frankel como diretor e prova aqui sua grande habilidade, conseguiu transformar "O Diabo Veste Prada" e "Marley e Eu" em grandes obras mesmo que tendo tudo para ser mais uma para a sessão da tarde e aqui ele consegue provar ainda mais maturidade. E um roteiro bastante inteligente, que surpreende pelas situações mostradas, indo muito além que qualquer outra comédia romântica tenha ido, vai fundo na alma de seus personagens, onde poucos dramas ousaram chegar.


"Um Divã Para Dois" consegue entreter, isso porque ver o casal conservador ter que falar sobre assuntos tabus e ter que fazer alguns exercícios para não mais temerem o sexo é realmente divertido, melhor ainda é ver os dois atores passando os maiores vexames com a maior naturalidade, aliás, é este um de seus grandes méritos, encarar toda essa situação como algo naturalmente engraçado, não força em nenhum momento para arrancar risos do público e ganha pontos também por não seguir tanto para a comédia, sem temer uma edição mais lenta que filmes do gênero, onde os diálogos são extensos, deixando espaço para o roteiro mostrar quem realmente são esses personagens, deixando espaço para o público compreender a mente deles e o quão complexo a vida de casado pode ser e passa a assustar justamente quando alcança um nível de humanismo alto, nos fazendo parar para pensar sobre o quanto tudo aquilo é real e quão triste isso é. É então que o longa começa a emocionar por mostrar este lado que os filmes nunca mostram, aquele lado que nunca vimos na vida íntima daquelas pessoas que conhecemos, é engraçado como o amor morre, como a intimidade morre, é belo quando Kay passa a se questionar do porquê ser tão difícil tocar alguém que se ama, porque o sexo que deveria ser uma prova de amor passa a ser algo constrangedor, ou um simples beijo que parece ser um ato absurdo para duas pessoas mais velhas. O bom roteiro assinado por Vanessa Taylor consegue caminhar por diversos caminhos, mostrando todas as possibilidades, todos os conflitos possíveis dessa situação, consegue ser rico por tentar entender a mente humana, de forma cômica mas sem deixar de ser complexo e caminhando sempre de forma bastante madura. 

Dentre tantas qualidades do roteiro ainda temos o privilégio de ver Meryl Streep, mesmo com três Oscar em sua prateleira se entregando em uma personagem, ela trás verdade a Kay, seus dramas passam a fazer sentido com seus tristes olhares e seu constrangimento ganham forma com a divertida maneira com que ela as encara, uma grande atriz de comédia, uma das melhores em drama. Melhor ainda é quando ela divide as falas com Tommy Lee Jones, que há muito não o via tão a vontade em um filme, uma grande atuação, consegue transmitir tanto sentimento, tanta verdade, sua aceitação da rotina, seu rancor diário, é belo ver também toda sua transformação durante a trama. Steve Carell surge mais tímido, mas é aceitável, não era seu momento, mas não desaponta, faz sua parte. Ainda vemos participações rápidas de nomes como a sumida Elizabeth Shue e Jean Smart.

Surpreendentemente bom, "Hope Springs" pode pegar muita gente de surpresa, quando se espera mais uma comédia romântica, David Frankel nos oferece uma trama completa, repleto de bons momentos e diálogos bem pensados, numa trama bastante real, sem a superficialidade hollywoodiana, que consegue tocar em assuntos pouco discutidos e assim se torna um dos poucos filmes do gênero a ser realmente eficiente. E justamente por seu realismo consegue nos fazer rir sem grandes esforços e da mesma forma, nos emociona em momentos que não esperávamos nos comover. Também não vem com moralismos baratos sobre "não deixe sua vida de casado cair na rotina", consegue ser bem mais profundo que isso. E ainda...Meryl Streep e Tommy Lee Jones, que já valem o ingresso. Recomendo.

NOTA: 9



domingo, 16 de setembro de 2012

Crítica: À Beira do Caminho (2012)

Novo trabalho do diretor Breno Silveira, conhecido por realizar "2 Filhos de Francisco", e mais uma vez ele tem a música como a base de sua trama. Tem roteiro inspirado nas canções de Roberto Carlos e as usa para ilustrar a emoção de seus personagens, apostando não só numa forte cultura nacional, como também na emoção do público ao tratar de temas como a morte, a perda de alguém que se ama e as lembranças constantes de um passado que ainda não se foi. Temas que um dia Roberto cantou e hoje são resgatadas de forma sensível neste grande filme nacional.

por Fernando Labanca

Conhecemos João (João Miguel) um caminhoneiro amargo e nada sociável, viaja pelo Brasil ao lado de sua única companheira, a solidão e tem na estrada a fuga perfeita para seu trágico passado. Eis que certa noite se depara com um garoto, Duda (Vinicius Nascimento), que diz órfão recente de mãe e que decidiu ir para São Paulo em busca de seu pai, seguindo um endereço escrito numa foto antiga. João, então, decide levá-lo para uma cidade próxima, seu destino de trabalho, entretanto neste trajeto, com a presença de Duda, seu passado vem a tona em suas lembranças e começa a ter forças para enfim, encarar o que aconteceu, mais do que isso, passa a compreender seus erros e a repará-los.

Confesso que nunca gostei de Roberto Carlos e fiquei bastante receoso ao assistir esse filme. Porém, o que o roteiro, assinado por Patricia Andrade (a mesma de 2 Filhos de Francisco), nos proporciona é muito mais do que uma homenagem ao "rei", a história em si é muito mais importante e o drama vivido pelos personagens recebem seu devido valor sem serem ofuscados pelas canções, estas, que em cena, servem para ilustrar muito dos sentimentos não falados o que acaba enriquecendo muito este projeto. É simplesmente belo como essas músicas chegam e é interessante a relação que ela tem com seu protagonista. Conseguir músicas de Roberto para trilha sonora nunca foi fácil, dizem que ele é bastante rigoroso ao liberar suas canções, aliás, só liberou quatro para o filme, "O portão", "Outra Vez", A Distância" e "Como vai você", além de outras cantadas por Vanessa da Mata e Nina Becker. São, no entanto, suficiente para preencher toda a trama, e são através delas que descobrimos as dores de João, seu amor não acabado, sua saudade do passado e também sua amizade que se inicia com Duda. Vale notar também que o roteiro faz bom proveito não só das músicas de Roberto, como também de outros elementos, como as frases de para-choque, bastante conhecidas por nossa cultura e surgem sempre querendo dizer algo a mais, chega até ser engraçado o quanto que essas simples frases revelam o que a obra queria passar, frases como "Viver é como desenhar sem borracha" e "Quando a saudade não cabe no peito, ela transborda pelos olhos". Ou seja, não precisa ser fã do cantor para apreciar o filme, Breno Silveira nos oferece muito mais para nos encantar. 


"Á Beira do Caminho" é um delicioso road movie, com direito a muitas paisagens e muitas auto descobertas. E nessas estradas nos afeiçoamos rapidamente a seus protagonistas, vamos descobrindo aos poucos o misterioso passado de João e o bom roteiro nos faz querer saber o que fez deste homem tão amargo, além de termos a curiosidade de saber o que acontecerá com o pequeno garoto. Dois caminhos opostos, um correndo atrás de seu futuro, outro, de seu passado. A maneira como João e Duda nos são apresentados é um dos grandes méritos do longa, torcemos por eles, nos apegamos, é belo a trajetória dos dois e a a amizade entre eles é construída de maneira bastante humana, simples, seguindo sempre por momentos de grande emoção. Aliás, tudo acontece de forma bastante natural, verossímil e este é outro grande ponto positivo, desde as viagens de João, a câmera parece conseguir captar toda a solidão daquela vida, os restaurantes em que come, as mesas em que senta, os caminhos que percorre, acreditamos naquela vida, pois cada pequeno detalhe é feito de forma muito bem pensada, é real. A naturalidade com que Breno conduz sua trama e o realismo de cada situação enaltece sua proposta. A atuação de elenco ajuda ainda mais essa verossimidade, João Miguel é um ator extremamente talentoso e consegue demonstrar inúmeros sentimentos ao decorrer do filme, tudo de forma convincente e seu parceiro de cena, por mais novato que seja, conquista espaço e realiza grandes cenas, Vinícius Nascimento, um nome a anotar. Dentre os coadjuvantes, Dira Paes, surge mais uma vez ótima, além de Ângelo Antônio e Denise Weinberg.

Além das canções de Roberto Carlos, o filme conta com uma belíssima trilha instrumental, de Berna Ceppas, minimalista e que consegue trazer emoção nos momentos certos. Ainda vemos na tela uma incrível fotografia, de Lula Carvalho. Enfim, um longa nacional repleto de elementos positivos, de um roteiro bem elaborado e uma direção cuidadosa. Seu único grande defeito, acredito eu, foi seu final, com medo de deixar pontas soltas, acaba que deixando tudo muito resolvido, muito redondinho, um típico final que o público gosta de ver, mas que acaba não sendo muito condizente com o resto da trama. Com certeza, "À Beira do Caminho" será mais um daqueles filmes que usarei em defesa do cinema nacional, realmente me conquistou, por sua simplicidade, por seu humanismo, por conseguir emocionar sem ser piegas, clichê, algo que merece ser visto, apreciado. Recomendo.

NOTA: 8,5





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