sexta-feira, 27 de abril de 2012

Crítica: Shame (Shame, 2011)

"Shame" entrou para a lista dos ignorados no Oscar 2012. Trás para as telas, pela direção de Steve McQueen, a conturbada rotina de um homem viciado em sexo. Acredito que a temática o tenha afastado das grandes premiações, logo que vemos um grande filme, ousado em sua proposta e se mostra para o público sem medo de assustar ou criar polêmicas, além de ter em cena dois grandes atores em belíssimas performances, Michael Fassbender e Carey Mulligan.

por Fernando Labanca

Conhecemos Brandon (Fassbender), aparentemente um homem comum, trabalhador que vive em Nova York e mora sozinho em seu apartamento. Entretanto, por de trás desta fachada, existe seu segredo. O seu vício. O sexo. A louca obsessão que ele tem por sexo. Faz por prazer e nunca por amor, tem uma eterna sede de se relacionar com alguém, não importa quem e nem quando. Tem problemas em seu computador pelos virus recebido ao entrar em sites pornográficos, não perde tempo em se masturbar nas horas vagas e em sua vida noturna, vai atrás de sua caça.

Tudo muda com a chegada de sua irmã, Sissy (Carey Mulligan). Ela é suicida, sente um eterno vazio em sua vida e nunca encontra algo para preencher. Passa a conviver diariamente no mesmo apartamento que Brandon, sem planos para ir embora e assim, ele se depara com a invasão de sua suja privacidade, Sissy passa a interferir em sua rotina e abala completamente seu mundo de sexo, pornografia e estranhas obsessões, o fazendo ir ainda mais fundo em sua loucura, se tornando vítima de seu próprio vício.

"Shame" é provocador. É agressivo. É ousado. É o típico filme para se ver sozinho, admirar em sua privacidade. É quase que constrangedor dividí-lo com alguém. Há inúmeras cenas de nudez e sexo e isso pode incomodar os mais conservadores. Por outro lado, elas aparecem com intuito, com propósito, não é obsceno e muito menos apelativo, faz parte da proposta, que aliás, o roteiro, também assinado por McQueen, consegue com competência nos mostrar este universo de Brandon, entramos neste mundo sujo, vivenciamos naqueles minutos a intensidade daquela rotina. A nudez, por sua vez, surge naturalmente, sem querer ser sensual, apenas abre a porta daquele simples apartamento e vemos aquelas personagens em seus cotidianos. E assim, "Shame", foge completamente do convencional, além da trama um tanto quanto inovadora, a maneira como McQueen guia este roteiro é tão fascinante, prende a atenção mesmo quando nada acontece. E apesar da tal agressividade, o longa também consegue ser sensível, de forma sempre madura, há cenas deliciosas de puro diálogo, por vezes cômicas, outras, dramáticas. Como por exemplo, o divertido relacionamento entre os irmãos, que ocorre de forma simples e extremamente espontânea. 

Por outro lado, este roteiro apresenta suas falhas. O filme despe suas personagens, mas isso, infelizmente, não ocorre de forma literal. Apesar de conhecermos a privacidade de Sissy e Brandon, nunca sabemos ao certo quem eles são. O que a irmã faz no apartamento dele, qual a causa de sua depressão e talvez o mais intrigante, o que realmente existia entre os dois. A relação dos irmãos causa um certo estranhamento, a liberdade que um tem com o outro, a raiva que sentem entre eles, e por vezes há algo que remete a uma relação incestuosa, desde a aproximação quase que carnal e o ciúmes que surge em uma das cenas, além do repentino momento de choro de Brandon ao ver Sissy cantar, mesmo ele sendo tão insensível. Enfim, acontece que a história ocorre e ficamos que a parte de tudo, nunca sabemos o que de fato está acontecendo, justamente por não termos a chance de conhecermos as personagens ali retratadas. O filme nos faz acreditar que entramos na mais intima privacidade de Brandon, que conhecemos seus mais profundos segredos, mas não, em nenhum momento isso ocorre e quando acaba fica um certo sentimento de vazio. 

O grande destaque de "Shame", sem sombra de dúvida, é sua dupla de atores. Michael Fassbender é novo queridinho de Hollywood e a cada filme que faz prova o porquê. É um ótimo ator, dá um show na tela, se mostra confortável num papel difícil que exige muito mais que uma grande atuação. Seu momento mais marcante é exatamente no clímax do filme, ao transar com mais de uma mulher, numa cena cheia de cortes e desfoques, e é no olhar de Fassbender que nos prendemos, há um certo pedido de desculpas pela vergonha de sua vida, há um olhar desesperado que pede por ajuda, é simplesmente impactante. Carey Mulligan é uma coadjuvante de ouro, brilha de forma intensa, tem carisma e consegue criar uma personagem bem diferente do que a atriz já fez no cinema, desde suas expressões, seu jeito de agir e de falar, é uma outra mulher. Acredito que Muligan tenha conseguido com Sissy chegar a um outro patamar, é, definitivamente, uma atriz completa, que se entrega de forma ousada e espanta por sua incrível performance. E acredito que Steve McQueen tenha exposto no filme o melhor dos dois.

"Shame" apesar de ser um belo e ousado projeto, não chega a ser uma obra tão inesquecível e importante no cinema. Ser ignorado no Oscar, pode ter sido por esta tal ousadia, por não ser convencional, por ser completamente diferente do que a Academia está acostumada a premiar, entretanto, houve filmes muito mais completos entre os indicados. Porque "Shame" não é um filme completo, tem inúmeras qualidades, mas faltou alguns elementos para ter se tornado excelente. Acredito também que o roteiro tenha se esquivado de conflitos mais intensos, como seu final que acreditamos que enfim algo extremamente chocante aconteceria e não acontece, continua na mesma. Acaba que o filme dá uma volta, cheia de idéias, de cenas ousadas, de pura originalidade, mas volta ao ponto zero e termina da mesma forma que começou. Pois nada é revelado, nada é alterado, nada é concluído. Destaque para os grande atores, pela direção de McQueen e pela belíssima trilha sonora que eleva a qualidade da obra. No geral, um filme interessante e atraente, que possui seus erros, mas ainda assim prende a atenção, hipnotiza, que consegue provocar em seu público, sentimentos fortes que muitas vezes geram a emoção. Vale a pena conferir.

NOTA: 7,5


2 comentários:

  1. O FILME POSSUI CENAS FORTES. TAMBÉM DEIXA MUITAS PERGUNTAS NÃO RESPONDIDAS.

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  2. As questões aparentemente não abordadas no filme são os pontos em que de fato as mais relevantes lições são apresentadas. A não justificativa sobre o que levou os irmãos a possuírem tais comportamentos somente serve para explicar que isso realmente não é importante. O inferno que os compulsivos passam são, em si, complexos demais para se procurar essas justificativas. Conviver com a compulsão é que é o verdadeiro desafio. Quanto ao filme dá uma volta e acabar da mesma forma que começou, isso, pelo menos no meu ponto de vista, é um desfecho mais do que chocante e inesperado. Como é que mesmo depois de tantos fatos e de se passar por tantas desventuras alguém simplesmente faria tudo novamente ? Do ponto de vista das pessoas normais isso é sem graça, mas para um compulsivo essa é a triste realidade. Esse ciclo de sofrimento, dor, angustia se repete indefinidamente. Precisava de algo mais chocante do que isso para finalizar o filme ?

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