segunda-feira, 26 de março de 2018

Crítica: Aniquilação

Depois de "Ex Machina", o roteirista e diretor Alex Garland volta a entregar uma ficção científica complexa, abusando de bons argumentos e questões existencialistas.

por Fernando Labanca

Apesar de veterano no cinema, este é apenas o segundo longa-metragem de Alex Garland como diretor, onde consegue, mais uma vez, criar uma ficção científica diferenciada, com algumas sequências perturbadoras que ficarão ecoando na mente do público, além das tantas questões que deixa em aberto com seu enigmático fim. Baseado no livro de Jeff VanderMeer, a trama é centrada em Lena (Natalie Portman), uma bióloga especialista em células, que sofre pela recente perda do marido, que desapareceu depois de fazer parte de um misterioso experimento. Eis que, para a surpresa dela, ele ressurge, mas com sérios problemas de saúde. Em uma tentativa de ajudá-lo, ambos são capturados e levados para a Área X, onde ela terá conhecimento sobre o verdadeiro paradeiro de seu marido e onde acaba se envolvendo com um grupo de outras cientistas que farão parte de uma expedição secreta. A missão é descobrir a origem e os efeitos do "brilho", uma misteriosa contaminação que está  tomando conta de uma região e se alimentando de tudo o que encontra, provocando uma eminente aniquilação da Terra.


"Aniquilação" traz ideias um tanto quanto complexas, capaz de nos dar um verdadeiro nó no cérebro. O que é bom. Seus argumentos não são facilmente digeridos e nos deixa atordoados com suas inúmeras possibilidades de leitura. Ficamos reflexivos ao seu final, tentando juntar as peças e seus misteriosos significados. Neste sentido, Alex Garland alcança momentos de genialidade ao provocar este choque no público e nos deixar curiosos sobre suas invenções. Há uma atmosfera densa aqui e uma sensação de desproteção que nos acompanha por todo o filme. Assim, mais do que uma ficção científica, ele acaba criando um terror psicológico dos bons, que por vezes trilha para um caminho mais gore como o ataque do "urso", por vezes uma linha mais poética como quando uma de suas personagens se funde com a natureza.

Sua obra remete ao clássico de John Carpenter, "O Enigma de Outro Mundo" e este fascínio pelo desconhecido e principalmente ao colocar em ação um grupo de pessoas unidas por um único propósito mas que acabam, ao serem introduzidas a um novo universo, enclausuradas dentro de si mesmas, mentalmente afetadas por seus receios e traumas. Uma das grandes sacadas do filme é justamente analisar como as descobertas do brilho afetam aqueles que o adentram, onde cada indivíduo retratado possui uma fraqueza, uma razão para estar ali, quase que como uma fuga da realidade e uma busca por aquilo que aquele mundo poderia lhes oferecer, um fim, a aniquilação de suas dores. Por outro lado, o roteiro falha ao deixar muito claro as fraquezas das cientistas apresentadas, sendo que poderíamos ter descoberto ao decorrer na trama, sutilmente através de diálogos e não da forma apressada e didática como foi. O texto não se aprofunda na personalidade delas e nem perde tempo em desenvolvê-las com mais cuidado. Infelizmente, é muito raso essa evolução de cada personagem, tornando pouco crível as dificuldades e crises que enfrentam.

Alex Garland tem um olhar pessimista sobre a humanidade e aqui traça um interessante debate sobre a relação do homem com o mundo em que vive e esta consciência sobre si mesmo. Neste sentido, é curioso como a protagonista é uma estudiosa em células. Em certo momento ela questiona o fato de que a senescência nada mais é que um erro genético. Erro que nos torna cientes sobre nosso fim e saber nosso fim nos deixa próximos de uma verdade inquietante e no caso das personagens, lhes torna fracas, ansiosas por acelerar um processo que nada mais é que uma falha de nosso corpo, de nossa natureza. Desta forma, a obra discute criação, evolução e aquilo que tanto caracteriza os seres humanos, a autodestruição. A ideia da refração - e como tudo se altera quando adentra o brilho - também é bem guiada aqui e o diretor brinca de forma eficaz, não só pelas bizarras possibilidades que surgem ao seu decorrer, mas pelas dicas que deixa no caminho, provocando e convidando, mais uma vez, seu público a observar cada pequeno detalhe, pois estão neles algumas de suas tantas possíveis respostas.


Apesar de possuir grandiosas ideias, o diretor erra na hora de ilustrar o que tinha em mente. Não sei se por questão de tempo ou pouco orçamento, mas sua execução é pobre. Há um apelo estético e sonoro muito grande no universo do brilho e, nitidamente, exigia muito mais do que foi proposto aqui. O cenário que ele cria é monótono, pouco inspirado e explorado. O visual era uma chave importante e infelizmente não foi dada a devida atenção, assim como a própria direção de Garland, que, tecnicamente, não inova em basicamente nada. A trilha sonora também soa inconstante, acertando apenas no fim quando encontra os sintetizadores. Foi lindo de ouvir, mas foi uma escolha tardia. Por outro lado, o diretor acerta na construção de algumas cenas específicas como o duelo com o clone perto de seu desfecho. Apesar de causar um certo incômodo, se trata de uma sequência brilhante e hipnotizante.

É válido ressaltar, claro, a presença de um elenco basicamente composto por mulheres. Estamos falando de um gênero e um tipo de história que sempre foi contada por homens. Então é muito bom ver Natalie Portman, Tessa Thompson, Gina Rodriguez, Jennifer Jason Leigh e Tuva Novotny em cena. São pouco aproveitadas sim, mas realizam um bom trabalho. Portman, por sua vez, entrega mais uma excelente performance, assim como o sempre incrível Oscar Isaac. "Aniquilação" merece uma conferida. Mais do que isso, inúmeras revisitas. Há muito o que cavar na obra que não entrega respostas fáceis e nos deixa atordoados com suas inúmeras ideias e possíveis interpretações. Tinha potencial para ser cult, assim como "Ex Machina", mas não é. No entanto, não deixa de ser uma obra notável, que causa um fascínio e boa dose de encanto.

NOTA: 7,5




País de origem: EUA
Título original: Annihilation
Ano: 2018
Duração: 115 minutos
Distribuidor: Netflix
Diretor: Alex Garland
Roteiro: Alex Garland
Elenco: Natalie Portman, Tessa Thompson, Oscar Isaac, Jennifer Jason Leigh, Gina Rodriguez, Tuva Novotny

2 comentários:

  1. Fernando, como sempre ótima Crítica, gostei do filme. No final você aborda o assunto dos filmes "Cult", acho que esse talvez até tenha potencial futuramente, ja vimos vários filmes que viraram Cult muito tempo depois do lançamento. De qualquer forma, seria legal se você fizesse uma Lista de Filmes "Recentes" que você Considera CULT. Um exemplo: considero o Filme "O Diabo Veste Prada (2006)" um Cult, bem como o Citado Ex_Machina (2014).

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    1. Obrigado pelo comentário! Sim, não dá para afirmarmos com tanta certeza...talvez a obra me surpreenda e se torne sim um cult no futuro. Mas gostei da ideia da lista, já tenho alguns títulos em mente. Apesar do tom comercial de O Diabo Veste Prada, é um filme que me agrada muito.

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