quarta-feira, 21 de março de 2018

Crítica: Projeto Flórida (The Florida Project, 2017)

Muito além do mundo mágico. 

Por Fernando Labanca

Esnobado pela Academia, "Projeto Flórida" é apenas o segundo longa-metragem do diretor Sean Baker. É um indivíduo intrigante, que merece atenção e que continua a realizar um cinema inovador. Seu primeiro trabalho, "Tangerine", foi filmado por um iPhone e mostrava a dura realidade de uma transexual. Agora, ele volta a falar sobre minorias, sobre um universo a parte, sobre histórias e pessoas que não costumam ter voz. Sob a perspectiva de uma criança, Baker visita os terrenos fora do mundo mágico da Disney e toda a triste realidade existente além dos muros do parque, local que acolhe tantos turistas e dono de uma riqueza que não se vê fora dali. 

A pequena Moonee (Brooklynn Prince) vive com sua mãe (Bria Vinaite) em uma hospedagem à beira de estrada e ocupa seu tempo fazendo novas amizades, brincando pelos espaços do local e inventando, constantemente, um mundo de possibilidades, nem que para isso ela prejudique a vida dos outros, como cuspir em carros ou desligar a corrente de energia por pura diversão. Os conflitos começam quando os outros moradores passam a se incomodar com a criação que Moonee recebe de sua jovem mãe.


"Projeto Flórida" é um daqueles raros filmes que quebram paradigmas do cinema. É libertador, experimental e provoca o público ao sair do lugar comum. Sean Baker é um diretor corajoso, que foge dos padrões e entrega um produto revigorante e deliciosamente espontâneo. Nos dá a sensação que ele colocou sua câmera ali e deixou que seus personagens andassem sozinhos, livres para fazer o que quisessem, perambulando pelos corredores de um hotel, falando besteiras, agindo normalmente como se não houvesse qualquer tipo de registro ou censura. Neste sentido, o diretor ganha pontos por conseguir deixar seus atores - que em grande parte são inexperientes - completamente a vontade em cena e quase como um longo improviso, seus personagens, que extremamente reais, nos carregam para dentro da tela e vivenciamos aquele show de realidade com grande prazer. Ele é honesto em cada ato e por isso nos faz rir de situações simples do cotidiano, mas também dos arrebata com a dor daquelas vidas, mesmo que sem intenção, mesmo que sem forçar um drama. Sua história é naturalmente sensível e emociona.

Apesar de cru e Sean Baker trazer um olhar muito realista sobre tudo, o diretor consegue imprimir em cada imagem uma beleza única. Suas cores saturadas e o constante uso do roxo, traz uma suavidade às cenas, tornando seus cenários quase que lúdicos. É irônico a aplicação desta estética e justamente por isso, tão coerente com sua proposta. Este embate constante entre o que a realidade é e como a menina enxerga. Aliás, é muito interessante como Sean Baker posiciona sua câmera sempre abaixo, na mesma altura que as crianças. Mais do que nos dizer que o que vemos é pela perspectiva dos pequenos, mas também para nos lembrar que naquele peculiar universo, eles são os reis e aquele é o reino deles. 

Brooklyn Prince é uma princesa! Incrível o que esta pequena atriz conseguiu fazer aqui. Presente na tela quase que 100% do filme, é nítido a confiança do diretor nela.  Extremamente talentosa, ela age com espontaneidade e encanta, brilha e nos cativa logo nos primeiros minutos e nos destrói ao seu fim. Bria Vinaite, que foi encontrada pelo diretor no Instagram, se entrega com força a uma personagem difícil e intensa. Willem Dafoe, indicado ao Oscar por sua performance, traz naturalidade a trama e mesmo que ele seja o único rosto conhecido ali, ele convence ao fazer um indivíduo tão comum, tão possível dentro daquela trama. É interessante como muitos dos acontecimentos acontecem sob o olhar dele, como se aquelas vidas miseráveis da hospedagem estivessem sempre de passagem e ele sempre acompanhando, sempre distante. Apenas cumprindo o papel dele de ser gerente e nada mais. 

"Projeto Flórida" peca, infelizmente, em seu instante final. Há uma ruptura estranha de tom que parece ignorar todo o conceito do filme até ali. A intenção é nobre e, de certa forma, encanta, principalmente pelas reflexões e dúvidas que nos deixa, no entanto, Baker erra na execução e deixa risível o que, de fato, não era para ser. No mais, um belo exemplar do cinema norte-americano, que nos faz pensar nessas tantas divisões existentes em nossa sociedade, nas tantas Moonees que existem por aí, que vivem bem distante dos portões do Mickey, criando com o pouco que tem, o mundo tão mágico quanto ele pode ser. É, também, um retrato doce sobre a infância, glorioso, cheio de bons momentos. daqueles que trazem o riso fácil mas também partem o coração. 


NOTA: 8,5


País de origem: EUA
Duração: 115 minutos
Distribuidor: Diamond Films
Diretor: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Bria Vinaite, Willem Dafoe, Caleb Landry Jones





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