quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Crítica: O Mestre (The Master, 2012)

Vencedor do Leão de Prata de Melhor Diretor no último Festival de Veneza e indicado ao Oscar 2013 nas categorias de Melhor Ator, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante, para Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams, respectivamente. Já era polêmica muito antes de ser lançado por ter sua trama inspirada na Cientologia, o que acabou decepcionando alguns que esperavam maiores conclusões sobre o controverso assunto. "O Mestre" marca o retorno de Paul Thomas Anderson, um dos melhores diretores da atualidade, além de ter a memorável interpretação de Joaquin Phoenix, sem sombra de dúvida, a melhor atuação masculina dos últimos anos.

por Fernando Labanca

Assim que a Segunda Guerra Mundial termina, o marinheiro Freddie Quell (Phoenix) tenta voltar a vida normal trabalhando como fotógrafo. Um homem com sérios problemas emocionais, conturbado pelos acontecimentos da Guerra, atordoado pela própria vida, onde nunca encontrou um verdadeiro sentido para ela, tem uma incontrolável ansiedade sexual e surtos de ira e violência. Perambulando pelas ruas da cidade, como de costume, alcoolizado, Quell se depara com Lancaster Dodd (Hoffman), um homem inteligente e carismático que lhe oferece abrigo. Mais do que um lugar para ficar, Dodd ao perceber o quão problemático é o misterioso homem, o usa como cobaia de seu novo estudo, ele que escreveu "A Causa", livro que guia uma doutrina religiosa e que tem milhares de fervorosos seguidores, tenta salvá-lo, dominando sua mente, numa ideologia que acredita que a procura de vidas passadas é a cura para doenças atuais, é o caminho para o controle e libertação da alma.


"Se descobrir um modo de viver sem servir a um mestre, qualquer mestre, então nos conte como conseguiu. Você seria a primeira pessoa na história do mundo". Frase dita por Dodd a seu pupilo, Freddie, ao perceber que ele já estava muito distante de seus ensinamentos. "O Mestre", que tem seu roteiro assinado também por Paul Thomas Anderson, trás grandes reflexões sobre como uma sociedade parece não conseguir progredir sem seguir uma ordem superior, sem ter alguém guiando seus passos, como é tão mais fácil sentir ter a permissão de uma doutrina, usá-la como desculpa para suas ações. A trama acompanha uma época onde seus personagens enfrentam o vazio deixado pela Guerra, mais do que isso, o declínio daquele tão sonhado "american way of life", onde "A Causa", claramente inspirada na Cientologia, revela ensinamentos tão absurdos mas que de alguma forma preenche o vazio daquelas almas. Freddie Quell, que demonstra ter por Dodd um sentimento fraternal, permite ser moldado às normas de "A Causa", deixando ter sua mente controlada, pois seus vícios e sua loucura eram vistos como doença, algo a ser curado. 
  
Ao ver "O Mestre", muitos poderão encontrar razões para odiá-lo, o filme tem um formato diferente do que geralmente vemos, Paul Thomas Anderson não se preocupa em criar uma obra para ser agradável, é, assim como todos os seus trabalhos anteriores, um projeto pessoal, que foge do casual, ele cria um universo novo incapaz de ser comparado a qualquer outra coisa, por isso é tão difícil descrevê-lo, encontrar um sentido, uma razão para todas aquelas cenas. Se para muitos, sua trama se aprofundaria nos primórdios da Cientologia, PTA logo nos prova que sua intenção era bem outra, longe de querer ser polêmico ou ofender alguém, longe de querer encontrar lógica para a religião, "O Mestre" é uma obra extremamente complexa, subjetiva, que poderá ter inúmeras definições e interpretações. Para algumas pessoas, certamente, será um longo filme sobre absolutamente nada. Vi algo a mais, vi um belo filme sobre a jornada deste memorável personagem, Freddie Quell, sobre o vazio da sua vida, sobre sua busca insistente de querer encontrar um sentido para ela. Seja pelo o que ele viu da Guerra, seja por um amor não concluído, nunca conseguimos encontrar as razões para sua loucura, sua raiva, seu alcoolismo. É então que surge esta relação dele com Lancaster, que de início parece ser uma relação de interesses, logo se mostra uma amizade de grande intensidade, ambos acabam revelando a verdade sobre um ao outro, parece que conhecemos a fragilidade de Quell quando este está com Dodd, ao mesmo tempo em que podemos observar o lado mais sombrio e monstruoso do tal mestre. É simplesmente belo o olhar de Freddie para seu amigo, um olhar que pede ajuda, compaixão, um homem que não se adequa a sua religião, mas permanece pois acredita que seu mentor e amigo poderá encontrar a razão para suas dores, poderá preencher o vazio de sua vida fracassada. 

São raras as vezes que nos deparamos com obras como esta, Paul Thomas Anderson que já havia feito trabalhos fantásticos como "Megnólia" de 1999 e "Sangue Negro" de 2007, já não havia nada para provar, ele é um dos melhores diretores do cinema atual e percebemos isso a cada cena, a cada minuto sentimos um grande prazer, prazer porque são por filmes como este que se vale a pena admirar a sétima arte, ser cinéfilo, por ter a certeza de que há alguém, ainda, capaz de realizar um trabalho tão primoroso e tão completo quanto "O Mestre". A maneira como captura cada imagem é única, há beleza em todas as sequências, seja sua direção com os atores que consegue expor o melhor de cada um, seja nas belíssimas paisagens, com fotografia impecável, o jeito único de PTA de reúnir todos estes elementos e construir algo hipnotizante, mesmo quando nada acontece. Vale citar a incrível trilha sonora composta por Jonny Greenwood, músico da banda "Radiohead", que conversa bem com as cenas, conseguindo transmitir toda a confusão daquele universo, revelando com competência o lado enigmático e doentio dos personagens. 

Joaquin Phoenix. O que dizer deste ator? Simplesmente fiquei arrepiado com seu desempenho, desde a interpretação de Daniel Day-Lewis em "Sangue Negro",  não via nada tão magnífico no cinema, é digno de palmas, tem poucas chances no Oscar, no entanto, não só é a melhor atuação do ano, como a melhor atuação masculina em anos. Phoenix faz de Freddie Quell um personagem único, memorável, surge com sua forma física tão monstruosa quanto seu interior, seu olhar é tão profundo, seu sorriso que revela seu lado mais inocente, quase que de uma criança, que pede por ajuda. Enfim, foram poucas as vezes que vi uma atuação tão incrível quanto a deste ator. Os coadjuvantes também são de peso, Philip Seymour Hoffman surge magnífico, realiza cenas antológicas ao lado de Phoenix, mesmo que cenas simples como o jogo de perguntas e respostas, provam o quão grandiosos são estes dois atores. Amy Adams, que mesmo sem perder sua doçura, aparece como nunca a vimos antes, com um olhar forte e uma voz mais segura, domina o texto, e prova seu talento ao conseguir atuar ao lado de dois monstros do cinema sem ser ofuscada. 

Ver e apreciar "O Mestre" é uma experiência única, é uma verdadeira aula de como se fazer um bom filme. Paul Thomas Anderson é um gênio. Uma direção que se atenta aos detalhes, construindo cenas que permanecem na memória muito tempo depois de ter terminado. Com seu roteiro, vemos na tela o desenvolver de grandes personagens, complexos, que transitam entre o medo e a loucura, do sensível ao violento, agressivo. Há um sentimento muito forte preso na trama, por vezes sentia que havia uma bomba prestes a explodir, há algo de monstruoso e enigmático presente em cada sequência, parece que vamos adentrando um universo sombrio e nos sentimos tão atordoados quanto os personagens ali retratados, por fim, me senti vendo um verdadeiro terror psicológico. Intrigante, assustador, belo e inspirador, "O Mestre" é a mais nova obra-prima de Paul Thomas Anderson. Provavelmente não levará nenhum Oscar este ano, mas é nitidamente superior a muitos dos indicados. Recomendo. 

NOTA: 9



2 comentários:

  1. Ótima critica!
    PTA indiscutivelmente um dos melhores diretores!

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    1. Opa! Valeu ae Fernando, pelo comentário!!
      E sim, concordo com vc, PTA é um dos melhores diretores, depois dos filmes que vi dele, não tive mais dúvidas!

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