Baseado no livro de Laura Kasischke, o longa fora lançado no Festival de Sundance no ano passado. Com direção do sempre polêmico Gregg Araki, "Pássaro Branco na Nevasca" é mais uma trama que ele usa para falar sobre a juventude, realizando, como de costume, um cinema muito único, estranho e bizarro, mas ainda assim, fascinante.
por Fernando Labanca
Escrevo "estranho e bizarro" no melhor dos sentidos. Este é o cinema independente de Gregg Araki, que ele realiza ainda com muita competência. Para quem já dirigiu obras como "Mistérios da Carne" (2004) e "Kaboom" (2010), "Pássaro Branco" poderá até soar um trabalho mais contido do diretor, entretanto, é um filme que se encaixa perfeitamente em sua filmografia e mesmo que sendo uma adaptação de um livro, Araki não perde a chance de assinar o que faz, é um cinema ainda autoral, ele deixa muito claro sua visão sobre a trama. O interessante é que não deixa de ser um filme "teen", feito para os jovens, os diálogos, as conversas descontraídas, as festas, o mistério um tanto quanto bobinho e a presença da atriz-sensação do momento, Shailene Woodley . Apesar de ser diferente e por trilhar um caminho não muito usual em toda sua construção, espero que o longa encontre este público.
"Pássaro Branco na Nevasca" marca este embate entre mãe e filha. É sobre esta jovem, Kat Connors (Woodley) e como ela lidou com o desaparecimento repentino de sua mãe, Eve (Eva Green). Quando era criança, as duas eram melhores amigas e todo o clima amoroso entre elas prometia durar a eternidade, entretanto, as duas, aos poucos, foram se separando, devido as loucuras de Eve e seu comportamento cada vez mais estranho, até o momento em que sumiu, sem deixar pistas. Brock (Chris Meloni), seu marido, devastado pelo ocorrido, tenta de todas as formas solucionar o mistério, enquanto que Kat não se importa, usando o caso, inclusive para dormir com o detetive (Thomas Jane), já que seu namorado (Shiloh Fernandez) tem se afastado, não saciando as vontades desta jovem, pronta para viver coisas novas, descobrir novos rumos, mesmo que atormentada pelo fantasma de sua mãe, não o fantasma da morte, mas o fantasma da dúvida.
O filme caminha com um constante clima de suspense e nos prende por este mistério do desaparecimento. Há, também, uma vibe bem fantasiosa, tanto pelas alucinações da protagonista como pela atmosfera criada por Araki, que aliás, sempre conseguiu falar, com extrema naturalidade, sobre eventos paranormais e alienígenas, então, qualquer tema é possível em suas obras, logo, confesso, estava preparado para qualquer coisa. E é preciso estar para encarar e aproveitar esta viagem oferecida pelo diretor, que apesar de trazer uma trama e um desfecho simples, ele consegue surpreender, tanto pelo final quanto por este olhar, no mínimo, bastante interessante sobre tudo. É interessante o modo como ele retrata a juventude, destes seres entediados que frequentam as mesmas festas e desta protagonista que não vislumbra o futuro e não vê sentido nele, que usa seu walkman para ter a trilha instantânea de sua própria vida, que usa o drama do desaparecimento para seu próprio bem, que se entrega à fantasia como forma de não compreender sua realidade. Podemos dizer que é um pouco sobre amadurecimento também, do instante em que Kat compreende que a vida de todos congelaram no tempo e que ela precisava se desvincular de tudo aquilo, inclusive encontrar uma resposta para o que houve com sua mãe, para finalmente seguir em frente.
Em certo momento, Kat Connors nos revela que vê sua psicóloga (Angela Bassett) como uma atriz interpretando uma psicóloga e vê a si mesma como sendo uma atriz ruim interpretando a paciente. Enquanto assistia ao filme, senti que toda a construção dos personagens se baseiam nessa ideia, é tudo bem forçado, exagerado, às vezes até bem cômico, parece mesmo um novelão que brinca com os estereótipos, aquela representação antiga da dona-de-casa - ironicamente interpretada pelo símbolo sexual que é Eva Green -, os amigos da protagonista e seus diálogos que seguem uma fórmula boba de filme teen, com a presença, inclusive, do melhor amigo gay (Mark Indelicato). O roteiro brinca até mesmo com o mistério, dando pistas, nada sutis, sobre o que teria acontecido. E seu instante final não deixa de fazer parte de toda esta piada. E nada disso teria funcionado tão bem se não fosse o grande elenco que tem em mãos. Os surtos de Eva Green, que sabe ser uma louca como ninguém, os olhares desmotivados de Chris Meloni, que surpreende em um grande desempenho. Os jovens atores se saem bem também, como Shiloh Fernandez e Gabourey Sidibe, divertidíssima.
"Pássaro Branco da Nevasca" é um filme fascinante, muito bem conduzido por Gregg Araki, que prende a atenção com seu suspense, que diverte com todos os seus exageros e com seu bom humor e que me fez ficar pensando um bom tempo depois que terminou. É uma obra que foge bastante do que estamos acostumados, apesar da trama simples, tudo é contado de uma forma muito única. A trilha sonora - que remete e muito a de seus trabalhos anteriores - ajuda a construir esta atmosfera misteriosa, assim como a bela fotografia que faz tudo parecer como algo antigo, como sonhos ou lembranças distantes. Aliás, a produção é excelente, o longa consegue nos transportar facilmente aos anos 80/90, como seus figurinos, cenários e todo seu clima, que vai muito além do que resgatar uma época, Gregg faz um filme digno dos anos 80, seus cortes e toda sua composição remetem a produções mais antigas e acho que é justamente isso que faz a experiência de vê-lo algo tão gostoso, pela nostalgia que traz. Termino meu texto falando, então, do grande acerto da obra, colocar Shailene Woodley como protagonista, que definitivamente, é um achado do cinema atual, uma jovem atriz com um potencial enorme, que se destaca e faz produções como esta, serem possíveis.
NOTA: 8,5
País de origem: EUA, França
Duração: 91 minutos
Distribuidor: Imovision
Elenco: Shailene Woodley, Christopher Meloni, Eva Green, Shiloh Fernandez, Thomas Jane, Gabourey Sidibe, Angela Bassett, Mark Indelicato
Diretor: Gregg Araki
Roteiro: Gregg Araki
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