A obra marca o retorno do diretor e roteirista Noah Baumbach, que realizou há dois anos atrás o hit cult "Frances Ha". Mais comercial e menos cool, "Enquanto Somos Jovens" até poderia ser considerado um trabalho menor do cineasta, se não fosse sua capacidade em transformar uma trama simples em algo surpreendente, construindo uma comédia refinada, inteligente e muito acima do que o gênero costuma trazer. E ele vai além, oferecendo um estudo complexo e bastante original sobre a sociedade atual.
por Fernando Labanca
Digo te antemão: se trata de um filme diferente, longe de ser convencional. Talvez isso afaste boa parte do público, ao se dar conta de que a trama trilha por outros caminhos, longe daqueles que ofereceu nos trailers e em suas sinopses. Por outro lado, "Enquanto Somos Jovens" se destaca, justamente por sua ousadia em fugir do comum, e poderá ganhar alguns admiradores por isso. É mais uma daquelas comédias que não faz rir, que faz piada da tragédia humana sem intenção de agradar ou ser divertido, pelo contrário, é sutilmente devastador, que ao final, deixa um vazio e algumas reflexões em nossa mente.
Conhecemos Josh (Ben Stiller) e Cornelia (Naomi Watts), de quarenta e poucos anos. Casados há muito tempo, eles se sentem desconfortáveis com o fato de viverem uma relação mais conservadora do que antes e principalmente com o fato de que, mesmo envelhecidos, não se sentem partes de suas gerações por não terem tido um filho, como todos os outros. Eis que, eles acabam fazendo amizade com um casal vinte anos mais jovem que eles, Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried). Duas pessoas descolados, que criam uma rotina sem regras, cheio de planos e projetos guiados por uma espontaneidade inspiradora. Fascinados pelo modo como os dois vivem, Josh e Cornelia passam a criar novos interesses, buscando a jovialidade que perderam e encontraram no casal de estranhos. Este encantamento, porém, vai sendo destruído quando Josh resolve trabalhar ao lado de Jamie na realização de um documentário, percebendo, então, que há algo por trás desta inocente relação construída por todos eles.
De longe, "Enquanto Somos Jovens" até parece mais do mesmo, o casal mais velho que passa a refletir sobre o tempo quando se encontra com um casal mais novo. O roteiro de Baumbach surpreende no momento em que ele distorce esta pequena ideia, desenvolvendo seus personagens com uma originalidade ímpar, e como consequência disso, colocando sua trama em caminhos sempre improváveis e de difíceis soluções. Enquanto que Josh e Cornelia, os mais velhos, são completamente ligados à tecnologia e modernidade, a obra nos apresenta o casal mais jovem como aqueles admiradores de tudo aquilo que é retrô, de discos de vinil à jogos de tabuleiro. Ao mesmo tempo em que essa inversão dá um toque curioso à história, ela não deixa de ser completamente verossímil aos tempos de hoje. Um relato interessante sobre essa geração X, viciada em smartphones, que vive bem nesta cultura digital, que está envelhecendo, mas assim como o casal de protagonistas, acredita ter compreendido "as novas regras", no entanto, vivem reféns de seus fracassos pessoais, que agem como se buscassem uma liberdade individual, mas no fundo, optam sempre pela estabilidade e conforto. É então que este modo de vida se depara com a geração Y, vivida pelos hipsters Jamie e Derby, analógicos e descolados. E me admira e muito a coragem de um suposto filme "indie", geralmente composto por personagens hipsters, criticar de forma tão inovadora esta "cultura", de jovens que tentam vender uma vida, que de fato, não existe, deste despojamento fabricado, desta versão falsa e mais cool de si mesmo.
Protagonizada por Ben Stiller, a obra é mais um bom momento em sua carreira, que ganha pontos a cada vez que foge de papéis mais óbvios. O restante do elenco está ótimo também, Adam Driver, Amanda Seyfried e a sempre surpreendente Naomi Watts. Peca um pouco por seu ritmo, onde algumas sequências duram mais do que deveriam, como no momento dos "vômitos", que me pareceu interminável e desnecessário. Por outro lado, além da ótima direção de Noah Baumbach, a produção acerta também na trilha sonora, composta por James Murphy, Acredito que o que mais difere "Enquanto Somos Jovens" das demais comédias lançadas nos cinemas, é que esta, mais do que trazer reflexões sobre a sociedade atual, traz a possibilidade de diversas interpretações. É um filme que poderá representar algo diferente para cada um que assiste e essa é uma qualidade que o gênero quase nunca proporciona. Pode até, inclusive, ser encarado como um simples "bromance", logo que a trama destaca bastante a divertida relação de amor e ódio entre os personagens de Stiller e Driver. Por fim, vi uma trama bastante existencialista, sobre personagens angustiados, que vivem sob o peso de nenhuma realização pessoal. Acredito que a obra seja, também, um pouco sobre esses limites invisíveis que separam gerações e como cada idade atingida pelo ser humano requer certas conquistas, como a idade para ser bem sucedido ou a idade para se ter um filho. Isso não existe, mas vivemos numa sociedade que acaba criando expectativas sobre essas "metas". E nada é mais frustrante do que expectativas não cumpridas. Simples, original e extremamente inteligente.
NOTA: 8,5
País de origem: EUA
Duração: 97 minutos
Distribuidor: Mares Filmes
Diretor: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach
Elenco: Ben Stiller, Naomi Watts, Adam Driver, Amanda Seyfried, Dree Hemingway, Charles Grodin
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