Até pouco tempo atrás era raro poder ir ao cinema e se deparar com um filme de terror bom. Felizmente, este cenário tem mudado e obras como "O Homem nas Trevas" prova o quanto ainda há a ser explorado no gênero e prova que existe um novo cara em cena, corajoso e talentoso o suficiente para recriar as fórmulas, Fede Alvarez.
por Fernando Labanca
Já podemos afirmar que 2016 foi o ano do terror ou ano em que ele renasceu. Foi uma onda inciada ano passado, quando "Corrente do Mal", com baixo orçamento, conseguiu trazer um novo fôlego, uma nova saída para o gênero. "A Bruxa", que ainda conquistou prêmios importantes, mostrou que existe cinema e existe arte quando bem realizado. "Invocação do Mal 2" e "Rua Cloverfield, 10" quebraram a sina das continuações ruins e entregaram filmes de grande qualidade. "O Homem nas Trevas" entra para este seleto grupo, com baixo orçamento, sem pretensões, que faz sucesso pelo boca-a-boca e nem tanto por uma boa campanha de marketing. Fede Alvarez, diretor uruguaiano, que apadrinhado pelo mestre Sam Raimi - que aqui produz -, retorna depois do bem sucedido remake de "A Morte do Demônio" (2013) e consegue trazer um produto ainda melhor, mais refinado e ainda mais poderoso, mais marcante. Temos aqui uma aula de cinema em uma das obras mais surpreendentes do ano.
A trama acompanha três adolescentes, Rocky (Jane Levy), Alex (Dylan Minnette) e Money (Daniel Zovatto), que buscam uma saída para suas vidas miseráveis em Detroit através de roubos muito bem arquitetados. Decididos a encarar o último furto, descobrem a vítima perfeita: um ex-militar cego, que vive sozinho e acaba de ganhar uma indenização milionária devido ao acidente que matou sua filha. Entretanto, assim que entram na casa, o jogo muda e aquele que deveria ser a grande vítima se mostra muito mais preparado do que parecia, revelando ser um psicopata sádico disposto a manter seus tantos segredos muito bem guardados.
Todo o desenvolver de "O Homem nas Trevas" é extremamente interessante. É fácil ser hipnotizado, ficar preso na poltrona e respirar tranquilamente só depois que ele termina. Um filme tenso e muito bem pensado, bem montado, que prende não somente por ótimas ideias mas também pelas habilidades de Fede Alvarez, que entrega sequências primorosas e de extremo bom gosto. Com belos planos sequências e uma edição que valoriza suas boas tomadas, o longa ainda acerta no som que passa a ser um dos grandes destaques, ainda mais quando temos um protagonista cego que é guiado apenas por aquilo que ouve. Ao trabalhar com tantas cenas escuras, acaba sendo evidente, também, a qualidade da bela fotografia. Todo o cenário é assombroso e acaba por revelar ainda mais sobre este misterioso homem. É de dar calafrios a maneira como ele vive, sua postura e sua relação com aquele lugar, aquelas paredes e objetos. Muito interessante, também, analisar aonde esta casa se situa. Se dentro, aquele local escuro é reflexo de uma vida decadente, de fora, as ruas abandonadas revelam uma Detroit sem futuro, sem razão para manter seus habitantes. Desta forma, as motivações de seus personagens são construídas, dando motivo para toda sua trama acontecer e de maneira convincente. Faz toda a diferença saber o que os motiva, saber o porquê de estarem ali, naquele instante de suas vidas. Neste sentido, Rocky e Alex se mostram grandes protagonistas, longe de serem meras peças manipuláveis que buscam sair daquela casa, mas pessoas com histórias e razões para continuar lutando.
Existe uma reconstrução de uma lógica antiga no terror aqui. Se em todo filme, o que faz os personagens temerem é aquilo que eles não veem, em "O Homem nas Trevas", o medo ganha uma nova forma. São os protagonistas que veem, que possuem as armas, que possuem todas as respostas, enquanto que o medo vem daquele que não enxerga, que teoricamente, estaria a um passo atrás. E dentro de uma trama "gato e rato", ver faz toda a diferença. É curioso, então, quando acontece não somente uma inversão de paradigmas, mas uma inversão de status, porque dentro daquele universo em que vive, ser cego faz dele um rei. Esta ideia acaba sendo a justificativa para algumas sequências fantásticas, como quando o Homem Cego apaga as luzes de seu porão e somente ele sabe como reagir ali dentro. Ainda existe a interessante questão de não haver vilões e mocinhos e uma constante reflexão sobre quem realmente serão os lesados de toda esta história. Quem vence? Quem perde? Existe mesmo algo a ganhar? O longa acerta nestas questões e nesta dúvida moral que cerca seus personagens.
"Don't Breathe" se torna ainda melhor pela presença de seus excelentes atores. Dylan Minnette defende bem seu Alex e consegue transmitir bem o desespero de estar ali. Jane Levy, que repete a parceria com diretor, no qual também havia protagonizado o "Evil Dead", surpreende mais uma vez, entregando uma grande atuação, trabalhando muito bem todas as nuances de Rocky e causando uma empatia fácil naquele que assiste. E Stephen Lang, mostra um talento desconhecido, é de arrepiar algumas de suas cenas, a força e, ao mesmo tempo, frieza com que pronuncia cada palavra. É preciso ressaltar, porém, que seu único pecado é em seus instantes finais, quando opta por algumas soluções absurdas demais, mas nada que atrapalhe o filme como um todo. E por fim, que bom que o trailer revelou tão pouco do que vemos na tela, por que de fato, há inúmeras reviravoltas imprevisíveis e saídas criativas ao seu decorrer. Um thriller surpreendente, empolgante e tenso. Uma experiência fantástica que merece ser vivenciada dentro de uma boa sala de cinema.
NOTA: 9
País de origem: EUA
Duração: 88 minutos
Distribuidor: Sony Pictures
Diretor: Fede Alvarez
Roteiro: Fede Alvarez, Rodo Sayagues
Elenco: Jane Levy, Dylan Minnette, Stephen Lang, Daniel Zovatto
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