segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Crítica: Corpo Elétrico (2017)

Premiado filme nacional e estreia do diretor Marcelo Caetano, "Corpo Elétrico" segue com uma trama despretensiosa, no entanto, se torna um filme obrigatório ao trazer uma visão inovadora sobre sexualidade, identidade e relacionamentos.

por Fernando Labanca

"Corpo Elétrico" parece não ter um roteiro definido. É feito de intenções, de encontros, de rotina. Um recorte de uma vida como qualquer uma, como a nossa, como a de um amigo querido. Apesar de focar na trajetória de Elias (Kelner Macêdo), um jovem paraibano de vinte e três anos que trabalha em uma loja de confecção de roupas em São Paulo, não podemos afirmar ser um estudo de personagem. O belo texto não está interessado em aprofundá-lo, mas sim em nos mostrar seu contato com outros indivíduos, pessoas que esbarram em seu dia-a-dia. É sobre um personagem encontrando outros personagens. É sobre este adorável ser vivendo na grande cidade, perdido a tantas opções, preso na rotina do trabalho, constantemente aberto a novas relações, aberto a ouvir o que os outros tem a lhe dizer, sempre assistindo de perto a evolução de cada um, mesmo que ele continue sem grandes planos, apenas aceitando como tudo segue.


Em uma das cenas mais bonitas e interessantes do longa, Elias caminha em uma rua ao lado de seus colegas de trabalho. Eles estão saindo do cansativo expediente e seguindo rumo a uma festa. O plano sequência vai revelando aos poucos essas pessoas que o acompanham e tagarelam em uma rua silenciosa, jogando palavras soltas, felizes porque mais um dia chegou ao fim. Este brilhante momento sintetiza bem o que "Corpo Elétrico" veio dizer e como veio dizer. Com um texto espontâneo beirando o improviso, o filme mostra de forma delicada esses encontros corriqueiros, mais do que isso, essa brecha na rotina que abrimos para recuperar as energias gastas dentro do trabalho. Parece que a trama questiona o tempo inteiro se ainda temos tempo para isso, se temos tempo para respirar quando tão focados na vida profissional, se temos tempo para olhar ao lado e ver de perto aqueles que nos acompanham. É, também, um olhar doce sobre São Paulo, sobre essas vidas simples que circulam por ali. É humano em cada gesto, em cada discurso, em cada festa improvisada e em cada samba anunciado. É fácil se identificar com o que nos é mostrado, nos humildes cenários das casas, na bagunça de um escritório fechado. Emociona e nos cativa por isso, porque não romantiza nada, é cru, natural e ainda assim, gostoso de acompanhar. Compartilhamos daquela felicidade momentânea de uma noite de quarta-feira agitada e daquela tristeza quando dizem "tenho que ir embora porque amanhã acordo cedo". "Corpo Elétrico" parece uma homenagem a essas pessoas, como nós, que somos escravos de um sistema sem saída mas que buscamos em algo, seja em uma bebida em um bar, seja em uma festa, em uma dança, em uma cama, uma fuga de tudo isso. Um momento para respirar e ter forças para começar de novo na segunda-feira. 

Confesso que assistir ao filme se torna ainda mais prazeroso quando temos um protagonista como Elias. Kelner Macêdo é extremamente cativante e nos convence ao ser esta persona tão agradável, que sorri para todo mundo e não enxerga as separações hierárquicas de seu trabalho. Que não vê beleza como critério para se aproximar. Homossexual, Elias vive livre pelas ruas da cidade e o longa ganha ao trazer uma visão sem estereótipos sobre sexualidade e sem perder tempo questionando o papel do personagem no mundo de hoje. Ele já está inserido e é como todos os outros, vivendo as mesmas desilusões e dilemas de qualquer outra pessoa. O diretor também acerta em seu teor sensual, guiando com naturalidade as cenas de sexo, que são provocativas e nunca gratuitas. Marcelo Caetano surpreende em sua estreia, trazendo cor, movimento e muito sentimento em uma obra que tem muito a expressar. É vibrante, é inspirador.

Há uma outra cena em que o chefe de Elias lhe questiona sobre o futuro e os planos que ele tem profissionalmente. Sem hesitar, ele nega, com desinteresse sobre o que está por vir, mesmo sendo tão promissor em sua área. É fácil julgar sua posição, no entanto, a grande verdade é que Elias é um retrato preciso sobre todos nós que acabamos de entrar na fase adulta. Existe uma cobrança grande sobre o que vamos ser, o que vamos ter. Às vezes não queremos, às vezes só estamos cansados, desmotivados, só querendo voltar para casa e esperar. Mas estamos todos bem. Só queremos deitar ali no mar e recarregar a bateria deste nosso corpo elétrico, que é despertado por obrigações mas é movido por paixões.

NOTA: 8,5




País de origem: Brasil
Duração: 94 minutos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Diretor: Marcelo Caetano
Roteiro: Marcelo Caetano, Hilton Lacerda, Gabriel Domingues
Elenco: Kelner Macêdo




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