quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Crítica: O Filme da Minha Vida (2017)

Nem toda estética é funcional.

por Fernando Labanca

Baseado no livro "Um Pai de Cinema" de Antonio Skármeta, "O Filme da Minha Vida" traz o ator Selton Mello de volta a direção. É uma empreitada que tem dado bem certo, precisamos ressaltar. "Feliz Natal" (2008) conquistou a crítica em seu ano de lançamento e "O Palhaço" (2011) chamou a atenção por sua belíssima produção. Aqui, ele retorna com um cinema ainda mais refinado, de bom gosto, belo em muitos sentidos. Cada frame capturado por sua câmera pode ser emoldurado e admirado facilmente. A direção de fotografia de Walter Carvalho se faz presente em cada sequência e é um trabalho notável do veterano. A iluminação, as cores e seus enquadramentos são um espetáculo visual e enchem nossos olhos. É tudo muito sensível também, feito com esmero e uma delicadeza visível em todos os instantes. Porém, apesar de tamanha qualidade estética, o filme da minha vida não pode ser feito apenas de beleza, é preciso conteúdo e isso, infelizmente, falta e muito aqui.


O filme é um amontoado de situações que nem sempre se conversam e funcionam como um todo. A trama central é focada no desencontro de pai e filho. Quando o jovem Tony (Johnny Massaro) retornou da cidade grande para casa, assistiu seu pai (Vincent Cassel), francês, pegar o mesmo trem e partir dali, sem deixar respostas. O mistério que fica é o porquê de tal atitude e o que teria acontecido com aquele homem, que abandonou tudo. O que vemos, então, são aquelas vidas um tanto quanto miseráveis que ficaram depois de sua partida. A esposa abalada e o filho, que tenta de todas as formas, seguir sua vida. No meio disso, o roteiro tenta inserir alguns escapes. Um amor adolescente possível, um amor não correspondido, uma amizade quase paterna e sua inusitada relação com um aluno e uma prostituta. Nada disso parece fazer parte de um único filme e é aqui que mora seu grande pecado. Tudo soa disperso, sem um grande intuito. O roteiro até parece saber seu propósito, mas nunca sabe como chegar lá, se perdendo, assim, das mais variadas formas.

Selton Mello consegue criar algumas sequências de pura contemplação, não só por seu talento como diretor, mas pelo bom gosto visual de toda a equipe. Entretanto, tamanho deslumbre perde o sentido quando mal aproveitado. Muitas vezes, ele parece ter pensado antes na estética da cena para depois compreender sua função dentro do filme, como quando o protagonista assiste um ensaio de uma apresentação com belas garotas. Ele se encanta, ele flutua. Ok. É bonito de ver, mas funciona isoladamente, apenas. Dentro do todo, é descartável, assim como suas subtramas e suas cenas de humor, que divertem, mas nunca somam, nunca se provam necessárias.

Se trata de um filme altamente pretensioso. Uma pretensão que nasce já em seu título e morre quando não há um bom texto para sustentar tamanha ambição. Selton Mello é ótimo no que faz e não quero diminuir seu trabalho, no entanto, existe uma necessidade tão grande de fazer algo artístico, refinado, evocando de forma equivocada um cinema mais europeu, com trilha sonora pesada e mais clássica e atuações calculadas. Não funciona e acaba virando uma caricatura de si mesmo, que tenta ser expressivo mas a falta de identidade é tanta que ele só se camufla. Existe referência só não há a destreza de usá-las de forma mais correta.


Falha, também, na condução de seu protagonista. Johnny Massaro é até esforçado e possui um certo carisma, mas seu desenvolvimento é mal planejado, surgindo distinto em diferentes partes do filme sem que houvesse uma evolução, podendo ser tanto o jovem bobo apaixonado e inocente como o rapaz revoltado que tem muita atitude, de uma cena para outra. Peca ainda na presença das mulheres, que aqui não possuem outra função a não ser dar aquilo que os homens querem e isso não só é um grande retrocesso narrativo como triste de ver. Dos coadjuvantes, ainda que seja muito bom ouvir Vincent Cassel falando português, apenas o próprio Selton Mello funciona e seu enigmático personagem. E eles fumam muito. Muito mesmo. E isso se torna extremamente irritante.

"O Filme da Minha Vida" é a prova que nem toda estética é, também, funcional. Falta conteúdo para justificar sua beleza, que está ali para ser bonito e nada mais. Sou um grande admirador de "O Palhaço" e sei que Selton Mello tem chances de construir uma belíssima carreira como diretor. Espero seus próximos trabalhos. Dessa vez não rolou.

NOTA: 5




País de origem: Brasil
Duração: 113 minutos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Diretor: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicato
Elenco: Johnny Massaro, Selton Mello, Bruna Linzmeyer, Bia Arantes, Martha Nowill, Vincent Cassel







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