quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Crítica: Coringa

 Alegria e riso neste mundo sombrio

por Fernando Labanca

Coringa é um dos personagens mais aclamados do universo das HQs e muito se esperou por este filme. Desde que a mídia oficializou a presença do ator Joaquin Phoenix para dar vida ao papel, o hype só aumentou. O filme, não só nos recompensa e alcança nossas altas expectativas, como vai muito além dos filmes que exploram o universo dos heróis. Inclusive, é até difícil comparará-lo com outros já feitos. O diretor Todd Phillips, que veio de comédias como "Se Beber Não Case", entrega um produto fascinante, complexo e assustadoramente hipnotizante. Sua condução em muito me lembrou o cinema de Scorsese e de Lynne Ramsay, a forma como ele captura a cidade em ruínas ou a personalidade macabra de seu protagonista. 

Temos aqui um profundo estudo de personagem. O roteiro nos permite mergulhar a fundo em sua psiquê. Neste sentido, é incrível toda sua evolução na tela, em como, no início, vamos ganhando pistas da mente doentia deste solitário homem, como ele age diante de tanta indiferença e descaso. Todd Phillips constrói quase que um terror psicológico aqui, um produto denso, imersivo e desconfortavelmente realista, violento. Acompanhamos a construção de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), sua busca por um espaço nesta sociedade que o rejeita e sua relação com as pessoas ao seu redor. É interessante analisar como cada um desses encontros revelam sobre sua personalidade mórbida, machucada. Chega a ser triste esta sua inocente crença de que veio para trazer alegria a um mundo tão sombrio e toda a humilhação que recebe em troca. Se no começo do filme, descobrimos que sua risada nada mais é que um ato involuntário, um efeito de seus transtornos, ao fim, vemos Coringa abraçando quem realmente é e o que se tornou diante de tanto caos. Seu riso, que antes era uma doença, vira provocação. Um ato assustador de quem renasceu e não tem mais nada a perder. 


"Coringa" se torna obrigatório quando o que ele conta diz muito sobre nosso mundo. É brilhante em como eles usam da história da origem de um personagem fictício para denunciar nossa realidade. E se a obra alcança um nível alto de perturbação é porque assumimos nosso miserável reflexo ali. Acredito que a obra diga muito sobre individualismo, sobre essa indiferença para com o próximo e o quanto isso afeta as minorias. É quase como uma súplica por mais empatia, por olhar ao lado e perceber quem precisa de ajuda. Súplica por mais afeto. Por vezes até esquecemos que estamos falando das ruas podres de Gotham. Poderia ser qualquer cidade. Poderia ser a solidão e tristeza de qualquer outra pessoa. Arthur Fleck é invisível e sua luta é por reconhecimento, ser visto além de seus transtornos. Há quem diga que seja um produto irresponsável, que glorifica a violência. De fato, "Coringa" é filme extremamente violento - e confesso que me senti desconfortável vendo algumas cenas,  que são explicitamente gráficas -, mas acredito que seus atos sejam conscientes e sua mensagem foi dada. De forma agressiva e impactante sim, mas ao menos será ouvida e é importante que seja. 

Joaquin Phoenix é um monstro da atuação e um dos maiores profissionais do cinema atual. Ele se entrega ao personagem e espanta pela perfeição. É lindo ver o ator renascer ali em cena. Sua postura, sua transformação física, seus olhares e sua arrepiante risada. Me faltam palavras para descrever a grandiosidade de seu trabalho. Claro, temos um grande personagem e um fantástico roteiro também, que engrandece cada ato de sua jornada. Existem várias cenas memoráveis aqui, como a cena do trem e a catártica sequência do programa de TV. São instantes sufocantes, densos e provam não apenas a ousadia de sua realização como provam que estamos diante de um cinema raro, fascinante. Pouquíssimas vezes uma obra baseada em uma HQ conseguiu ser tão incrível como aqui. "Coringa" é um evento. É melhor do que esperávamos e à altura do que o personagem desde sempre mereceu.

NOTA: 9,5


País de origem: EUA
Título original: Joker
Ano: 2019
Duração: 122 minutos
Distribuidor: Warner Bros.
Diretor: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Frances Conroy, Zazie Beetz

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