quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Crítica: Yesterday

Sobre os Beatles, sem os Beatles

por Fernando Labanca

Danny Boyle é um diretor inquietante. Parece incansável, sempre na vontade de entregar algo diferente, incomum. É assim que ele construiu, ao longo de sua belíssima carreira, um cinema experimental, apostando em diversos gêneros e fórmulas inesperadas. Justamente por isso é estranho vê-lo aqui, por trás de "Yesterday", que é, de longe, seu trabalho menos inventivo, ainda que sua premissa permitisse algo mais fora da caixa. Infelizmente não é. Pior, é muito menor do que poderia ter sido. Talvez por ter uma uma ideia intrigante e um trailer que o vendeu muito bem, as expectativas foram muito maiores do que seu pobre material nos entregou. Nem mesmo os fãs dos Beatles, provavelmente seu grande público-alvo, vão sair muito animados da sessão. É o tipo de produto que não vai muito além da homenagem. Um presente para os nostálgicos e belo em muitos aspectos, mas simples demais para causar algum tipo de impacto. 

O que aconteceria se, de um dia pra o outro, os Beatles deixassem de existir? Essa é a brincadeira proposta de "Yesterday", que tem como protagonista, um homem que, por algum tipo de milagre, ainda se recorda da famosa banda britânica. Tudo isso ocorreu depois que um bug mundial apagou da memória, da maioria da população, alguns itens indispensáveis da cultura pop como Harry Potter e Coca-Cola. Jack Malik (Himesh Patel) é um músico fracassado e ao perceber o que aconteceu, decide alavancar sua carreira apostando em sua lembrança, levando aos palcos as canções dos Beatles como se fossem compostas por ele. A mentira funciona e o público cai aos seus pés, no entanto, quanto maior sua fama, maiores suas responsabilidades e mais distante fica daquilo que ama, suas origens e Ellie (Lily James), aquela que sempre o apoiou. 


Ainda que a premissa de "Yesterday" seja realmente interessante, a forma como ela é desenvolvida pelo roteiro não é. Enquanto o começo é estranhamente apressado, não se aprofundando em detalhes que dariam ainda mais graça para a trama, da metade para o fim pouco há argumento que a sustente. Chega a ser triste ver uma ideia tão legal ir morrendo aos poucos, deixando claro que o roteirista não tinha muita noção de como construir seu belo insight, que se perde logo no começo. Quando não há mais o que dizer, o filme se entrega de vez aos clichês, se transformando em uma comédia romântica insossa, repetitiva e desinteressante. Nem mesmo há química entre os dois atores que justifique tal caminho. No fim, já não existem resquícios de sua breve genialidade.

Ao menos, quando tudo se perde, temos as belas canções. É curioso como eles conseguem fazer um filme sobre os Beatles sem os Beatles, que estão presentes do começo ao fim sem aparecer. Todas as músicas são bem inseridas nas cenas e tornam o filme em uma belíssima homenagem a banda britânica. Confesso que é impossível não vibrar com as sequências musicais e segurar o canto a cada vez que um clássico surge em cena. É lindo quando o protagonista canta "Yesterday" e seus amigos ouvem como se fosse a primeira vez. A expressão de espanto e de que acabaram de ouvir a coisa mais incrível do universo. Este é o poder da música na vida das pessoas e a obra diz muito sobre isso. De como as pessoas se unem como fervor diante daquilo que amam em conjunto. A cada nova geração, menos teremos de Beatles. Não os vimos de perto e jamais teremos a chance de vê-los em cima de um palco. É a lembrança que jamais teremos, mas ao menos somos privilegiados por essas belas composições terem sobrevivido ao tempo. 


Há algumas faíscas de brilhantismo que permeiam pela obra. A montagem é incrível e nos lembra, por alguns breves momentos, de que estamos vendo um filme de Danny Boyle. Algumas intervenções gráficas são interessantes e a as belas sequências de shows enriquecem o produto como um todo. As piadas são boas e o bom humor se mantém presente o tempo todo, ainda que algumas sacadas só os fãs de Beatles poderão captar. No entanto, alguns instantes cômicos se estendem mais do que deveriam como a participação de Ed Sheeran, que acaba se tornando um elemento descartável ali no meio. Inclusive, pouco entendi a relação do cantor com o tema do filme, soando aleatório e desconexo principalmente quando usam suas canções para ilustrar alguns instantes da obra. Se era para usar outra coisa além dos Beatles, porque Ed Sheeran? 

Um dos fatores que mais diminuem "Yesterday" é o fraco protagonista. Rimesh Patel até se esforça para compor Jack Malik, mas seu personagem é desinteressante e jamais nos convida a participar de sua jornada. Não há muitos conflitos ou dilemas morais. Tudo soa fácil, rápido demais e pouco nos importamos com tudo o que ocorre com ele, logo que o roteiro em nenhum momento o faz conquistar nossa torcida. Para compensar, Lily James ilumina a tela com seu carisma, mesmo quando sua personagem é extremamente tola. Kate McKinnon me incomoda bastante também. Ela é a prova de que nem toda comediante é uma boa atriz. Erra no tom e destoa de todo o resto, parecendo estar satirizando um tipo de persona e não necessariamente interpretando. 

"Yesterday" tem boas intenções. É doce, cheio de vida, sons e cores. No entanto, não vai além do que apenas uma homenagem e um mero filme simpático. Tem pouco a oferecer e pouco sabe o que fazer com o genialidade de seus minutos iniciais (que é, basicamente, tudo o que contou nos trailers). Danny Boyle é um grande diretor e ficamos no aguardo de seu real retorno, porque este é, infelizmente, um produto esquecível dentro de sua admirável carreira. 

NOTA: 6


País de origem: Reino Unido
Ano: 2019
Duração: 116 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Danny Boyle
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Himesh Patel, Lily James, Ed Sheeran, Kate McKinnon


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