quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Crítica: A Forma da Água (The Shape of Water, 2017)

A belíssima fábula de Guillermo del Toro e um dos filmes mais relevantes de sua carreira.

por Fernando Labanca

"Desde a infância eu tenho sido fiel aos monstros. Eu tenho sido salvo e absolvido por eles, porque os monstros em que eu acredito são os santos padroeiros da nossa feliz imperfeição e eles permitem e incorporam a possibilidade de falhar e de viver". Foi com esse discurso que o diretor mexicano recebeu seu prêmio no último Globo de Ouro e são com essas falas que nos deixa claro o quanto esses "monstros" que Del Toro criou durante sua carreira o salvaram. Ele sempre foi outsider em Hollywood, assim como suas bizarras criações que nunca receberam devida atenção da crítica, até agora. Quase nunca uma fantasia seguiu como favorito absoluto de uma importante premiação de cinema e é ótimo que isso, finalmente, tenha acontecido. "A Forma da Água" é um filme especial, tem algo a mais, longe de ser uma ficção vazia, parece dizer muito sobre tanta gente e justamente por isso pode causa uma identificação fácil. Parece um conto sobre esses outsiders, sobre aqueles que vivem à margem, sobre aquelas criaturas sem voz e que o mundo precisa ouvir.


O filme se inicia com um narrador e mesmo que não comece com um clássico "era uma vez", bem que poderia. A trama contada parece tirada de livros antigos, com aquelas fábulas impossíveis e que possuem uma moral escondida em cada pequeno detalhe. Pouco sabemos sobre a protagonista Elisa (Sally Hawkins), a não ser que ela é muda e vive sozinha. Conta sempre com a companhia de seu melhor amigo Giles (Richard Jenkins) e trabalha, ao lado de Zelda (Octavia Spencer), como faxineira no período noturno de uma laboratório secreto do governo norte-americano em tempos da Guerra Fria. A trama se inicia quando chega uma criatura no local, um anfíbio que acaba sendo vítima de maus tratos devido aos misteriosos experimentos. Ao se ver apaixonada por aquele ser, Elisa começa a planejar um arriscado plano de resgate, contando com a ajuda daqueles que a cercam e travando uma batalha contra o violento Coronel Strickland (Michael Shannon).

Sempre admirei este fantástico universo de Guillermo Del Toro. É um lugar único, peculiar e sinto um enorme prazer dele, como realizador, nos dar a chance de visitar. Ele tem uma mente extremamente criativa e é lindo poder ver todas as suas estranhas criações ganharem forma na tela grande. Soa bizarro a fábula da mulher solitária e muda que se apaixona por um anfíbio. Del Toro cria a própria lógica e dentro daquele universo tudo é possível, tudo faz sentido e nos cativa. O roteiro é interessante e trilha com perfeição entre o romance, a comédia e o suspense - e ainda não teme um inesperado momento musical - e ganha ainda mais força por ter em sua trama personagens tão bem construídos, onde cada um tem seu instante de brilhar e todos ajudam, de certa forma, o desenvolver da história. O alto nível da produção é um elemento que sempre acompanhou a trajetória do diretor e aqui sua equipe entrega o melhor. Apesar do design de sua criatura lembrar algumas de suas criações antigas, é muito bem feito o trabalho de figurino e maquiagem que lhe cobre, assim como as locações e objetos de cena que enriquecem a veracidade de tudo aquilo. A fotografia também é linda, com cores fortes e esverdeadas, assim como a trilha sonora composta pelo premiado Alexandre Desplat. Se trata de um produto muito redondo, extremamente bem finalizado, que merece, sem dúvidas, o reconhecimento que está tendo.

O que falta, porém, em "A Forma da Água" é uma ousadia em fugir de tantas fórmulas já muito bem construídas pelo cinema. O filme tem sim sua dose de originalidade, afinal se trata de um romance bastante inusitado, no entanto há muitos elementos em cena que tornam toda sua trama em algo previsível. Culpa do trailer que revelou demais, mas principalmente culpa de um roteiro que não se esforça em fugir do lugar comum, que não surpreende em nenhum momento com alguma saída inovadora. A paixão iminente, a amiga confidente, o vilão que fará de tudo para destruir aquilo fere suas crenças. E tudo segue assim, passo a passo, uma cartilha que já fora escrita tantas e tantas outras vezes. Isso, em momento algum significa que é mal escrito, muito pelo contrário. O roteiro sabe muito bem trabalhar com esses clichês e por isso não ofende seu público. Existe o fato, também, de que o longa se revela muito mais "adulto" do que o esperado, entregando alguns instantes que eram impossíveis de prever, e devido a isso chocam, como suas sequências de sexo e nudez e sua violência bastante gráfica

O elenco todo é poderoso. Michael Shannon é sempre ótimo como vilão e mais uma vez não decepciona. O ótimo Michael Stuhlbarg é um camaleão desvalorizado e Richard Jenkins se mostra um coadjuvante de ouro. Octavia Spencer está incrível e surge não só como um excelente alívio cômico, como traz força para a história. Penso que fazer o papel de uma mulher muda seja um desafio grandioso e Sally Hawkins se entregou por inteira à personagem, sendo este um dos mais belos momentos de sua carreira. Toda sua expressão está em seu olhar e em seu doce sorriso. Eles falam por ela e nós não só compreendemos como sentimos uma enorme afeição a sua inspiradora jornada.


Há uma cena em que Elisa revela o porquê de sua paixão. É uma questão de identificação, dela enxergar naquela criatura maltratada, que não fala, que não se adapta, um espelho de toda sua real existência. Mais do que um dos melhores momentos do filme - que arrepia pela excelente performance de Hawkins - como, também, sintetiza as belas intenções de "A Forma da Água". Guillermo del Toro sempre teve simpatia pelos monstros e em um movimento contrário a xenofobia, sua história fala sobre integração, sobre se ver no próximo, sobre ouvir aqueles que são vistos como estranhos e não possuem voz. É um discurso bonito e poético, o que o torna muito mais do que um mero "favorito ao Oscar", o torna em uma obra muito especial.

NOTA: 8,5





País de origem: EUA
Duração: 123 minutos
Distribuidor: Fox Film do Brasil
Diretor: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro, Vanessa Taylor
Elenco: Sally Hawkins, Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Shannon, Michael Stuhlbarg, Doug Jones



2 comentários:

  1. Adorei como fizeram a historia por que não tem nenhuma cena entediante. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes lançamentos em 2018 acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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