O reencontro entre Jason Reitman e Diablo Cody, que vieram dessa vez falar sobre depressão pós-parto, é tão bom que nem sabíamos que precisávamos.
por Fernando Labanca
Tudo começou com "Juno", aquela dramédia que chegou ao Oscar em 2008. Primeiro roteiro escrito por Diablo Cody que chamou a atenção do público e crítica. Alguns acharam que era sorte de iniciante. "Tully" vem justamente para mostrar, dez anos depois, que não, Cody sabe o que faz e continua a fazer com maestria. Sua parceria com o diretor Jason Reitman também sempre funcionou ao longo desses anos, onde marcam aqui, a terceira colaboração (a segunda foi com o ótimo "Jovens Adultos", também protagonizado por Charlize Theron). Quase como uma trilogia não anunciada, de cinco em cinco anos eles retornam para falar sobre um tema em comum: as dificuldades da mulher em diferentes fases da vida. E há algo de muito encantador no cinema que eles fazem juntos. Uma pureza e uma sensibilidade que não vemos com tanta frequência na tela grande.
Mais uma vez eles tratam com humor um assunto difícil e delicado. É a tragédia da vida, que de tão dolorosa, é quase que impossível ver graça. Apesar da simplicidade da trama, há um choque grande aqui e nos atinge com força. Charlize Theron interpreta Marlo, uma mulher casada, com dois filhos pequenos e grávida de um terceiro. O filme se inicia quando ela ganha sua licença para desfrutar de sua gravidez, no entanto, este momento de paz nunca chega. Entre lidar com os problemas comportamentais de seu filho mais velho e as transformações do corpo, sua vida se transforma em um interminável caos. Até que seu irmão (Mark Duplass), preocupado com sua saúde mental, contrata uma babá noturna que lhe ajudará a ter novamente suas noites de sono. É então que entra em cena Tully (Mackenzie Davis), uma espécie de Mary Poppins 2.0, que mais do que ajudá-la com os afazeres de casa, a fará recuperar seu controle emocional e trazer de volta a inspiração que lhe faltava para ser mulher, esposa e mãe.
Os primeiros minutos de "Tully" são claustrofóbicos. A montagem acelerada, os gritos, os choros e toda a sensação de urgência e desespero que é viver no corpo de Marlo e toda a experiência traumática de se tornar mãe pela terceira vez. O filme tira todo o glamour da maternidade e revela, com precisão, as dificuldades enfrentadas pela mulher e este sentimento de fracasso que se sente ao chegar na fase adulta. Perto de um surto psicótico, vemos no olhar da personagem uma necessidade de ajuda. Neste sentido, Reitman e Cody acertam, não só por mostrar uma outra visão sobre esta passagem de vida, como por discutir esse dilema da super mulher que está inserida nesta cultura que precisam ter forças para enfrentar tudo isso sozinha e com elegância e tranquilidade. É compreensível, então, essa depressão vivida pela protagonista, porque é fácil olhar para ela e ver a história de tantas outras mulheres. Ser mãe não é fácil e é fantástico como a obra consegue dizer isso em alto e bom som, mas sem menosprezar a beleza de tudo isso, sem menosprezar o que se recebe em troca.
Charlize Theron surge fascinante em tela em uma de suas melhores performances dos últimos anos. Há uma enorme desconstrução da atriz que traz honestidade em cada instante, que nos faz sentir o peso que é estar em seu corpo, a dor que é viver sua rotina. Seu olhar diz tanta coisa, seu cansaço, sua postura. Fiquei realmente maravilhado com sua entrega. Muito bom, também, os momentos em que divide a tela com a jovem Mackenzie Davis, que ilumina a obra, Desde a primeira vez que vi Davis no cinema senti que havia algo a mais ali. E, de fato, há. Ela é cativante, radiante e estranhamente, nos hipnotiza quando está diante da câmera. É gostoso demais ver as duas atrizes contracenando. As discussões que passam a ter sobre passado, desejos até às conversas mais corriqueiras como música ou programas de TV. O texto é tão natural, flui de forma leve e despretensiosa e como consequência, nos afeiçoamos a esses momentos tão bem interpretados.
Espero que esta parceria entre Diablo Cody e Jason Reitman volte a acontecer, Enquanto eu assistia "Tully" eu senti que fazia tempo que não via um filme como esse. Gosto de ver essas tragicomédias, mas infelizmente, não é sempre que surgem umas boas como esta. Que diverte, encanta, mas ao mesmo tempo, traz uma reflexão profunda sobre os assuntos que aborda. O final ainda reserva um inesperado plot twist, que prova a eficiência da escrita de Cody, que retorna da maneira como começou sua carreira, com um texto maduro, original e inteligente. Em uma das últimas cenas do filme, senti minhas lágrimas e compreendi, enfim, o poder desta história. Em um ritual diário e sem muita explicação para acontecer, Marlo escova o corpo de seu filho, fechando um curioso ciclo iniciado na primeira cena da obra. Podia ser só mais uma simples sequência, mas há uma analogia interessante sobre família ali. Uma repetição de atos que muitas vezes não fazem sentido para acontecer, que entendia, que cansa e temos inúmeras razões para pararmos, no entanto, em um esforço diário, encontramos força para fazer. E a única razão porque não desistimos é porque amamos com que fazemos, simples assim.
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