terça-feira, 23 de julho de 2019

Crítica: A Professora do Jardim de Infância

Aqueles que vivem na sombra. 


por Fernando Labanca

Produzido pela Netflix (que por alguma razão que desconheço, não chegou no catálogo brasileiro), "A Professora do Jardim de Infância" é um remake de um filme israelense e se trata de um produto raro da gigante do streaming. Inteligente, nada convencional e desconfortavelmente profundo. É bom quando nos deparamos com longas como este, que nos faz refletir sobre sentimentos e situações quase nunca debatidos no cinema. Melhor ainda quando é colocada, no centro de tudo isso, uma personagem feminina grandiosa, talvez uma das mais fortes deste ano. 

A professora Lisa Spinelli (Maggie Gyllenhaal) é uma mulher cansada. Mãe de filhos que não mais controla e estagnada em uma carreira que não a leva para nenhum outro ponto. Todos os dias leciona para diversas crianças e vê, naqueles rostos inocentes, uma vida inteira pela frente e cheia de oportunidades. É assim que algo, de repente, se torna sua maior motivação e, posteriormente, sua obsessão: um de seus alunos se desponta como prodígio, recitando belos poemas com uma naturalidade surpreendente. Deste talento improvável, Lisa decide apostar suas fichas no garoto, explorando sua criatividade e o fazendo acender no mundo de tantas luzes apagadas. 


"Talento é uma coisa tão frágil e rara e nossa cultura faz de tudo para acabar com ele. Mesmo aos quatro ou cinco anos, eles vem para a escola vidrados nos celulares, falando apenas de TV e vídeo games. É uma cultura materialista que não favorece a arte, ou a linguagem ou a observação."


"The Kindergarten Teacher" é um filme inquietante. Toda cena parece revelar algo e nos faz sentir inúmeras sensações diferentes a cada passo que avança. Seu início é, de certa forma, tocante. Ver aquela mulher ali, exercendo aquele papel tão singelo e único na vida daquelas crianças é realmente belo de se ver. Por isso, tudo o que acontece a partir dali é estranhamente desconcertante, porque nunca estamos preparados para o que vem adiante. É assim que a obra consegue, de forma brilhante, ser doce e perturbadora ao mesmo tempo. Há algo de incômodo na relação obsessiva entre a professora e o aluno e nunca sabemos exatamente o que é mas sempre evitamos pensar o pior. Durante toda a trama, estamos julgando as ações daquela solitária mulher e tentando compreender exatamente onde ela pretende chegar. Até que ponto os desejos pessoais dela são saudáveis ou prejudiciais àquela criança é a reflexão que nos vem a todo tempo e o que torna a história tão profunda, complexa e inesperadamente tensa. 

Maggie Gyllenhaal torna o filme ainda mais especial, ainda mais grandioso. É uma performance potente e ela entrega um de seus melhores momentos no cinema. A sequência final é soberba e a atriz traz tanta alma à sua personagem que, por alguns instantes, esquecemos que aquilo é ficção, tamanha a verdade com que ela se entrega. A obra termina no grande clímax e nos deixa ali, desolados, silenciados por sua força. É triste, é real e nos faz pensar e sentir tantas coisas ao mesmo tempo, que se torna difícil digerir ou de chegar a uma conclusão imediata. Este é o poder dos grandes filmes e este é um grande filme.

NOTA: 8,5


País de origem: EUA
Ano: 2018
Duração: 96 minutos
Distribuidor: -
Diretor: Sara Colangelo
Roteiro: Sara Colangelo
Elenco: Maggie Gyllenhaal, Gael García Bernal, Parker Sevak, Rosa Salazar



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