A fé que julga.
por Fernando Labanca
"Boy Erased" é o segundo filme dirigido pelo ator Joel Edgerton, que estreou no excelente suspense "O Presente". A obra fez um certo burburinho aqui no Brasil quando veio a notícia de que o governo havia censurado sua exibição, pois sua trama debatia sobre a cura gay. Não muito tempo depois, a Universal Pictures, distribuidora que tinha os direitos de lançamento nacional, revelou que seria um prejuízo lançá-lo no cinema devido a decepcionante performance que teve lá fora e por ter sido esnobado nas grandes premiações. De fato, desde que fora anunciado, o longa tinha grande potencial para levar alguns troféus, principalmente por causa de seu forte elenco. Talvez esta alta expectativa que acabou nascendo o diminuiu. É menor do que parecia ser. É ainda bastante relevante, no entanto, pequeno demais perto do que prometia.
Baseado em fatos, encontramos aqui um relato doloroso de acompanhar, justamente porque sabemos o quão real ele é e o quão presente ele está em tantas histórias e famílias. Após revelar seu desejo por homens, o jovem Garrard (Lucas Hedges) é obrigado por seus pais, extremamente conservadores, a frequentar um programa de terapia que cura homossexualidade. É desconfortável ver o protagonista tendo seus desejos anulados, sendo forçado a assumir uma coisa que não é. Sendo confrontado por pessoas que mal conhece a reconhecer que sua existência é um pecado. É triste porque todo o absurdo revelado aqui não é só ficção. É triste porque ainda vivemos em uma sociedade que usa da fé para julgar e não para acolher. Garrard representa a jornada de muitas pessoas e "Boy Erased" acaba tendo um papel social extremamente atual e necessário, porque nos lembra de quantas vozes e sentimentos estão sendo silenciados.
O que enfraquece seus poderosos discursos é o ar novelesco que obra abraça em momentos cruciais. Em nenhum momento é melodramática, o que é um ponto positivo, no entanto, é difícil se conectar quando nada parece muito verdadeiro ou verossímil o suficiente para nos emocionar. Gosto do tom sóbrio e de poucos excessos que o filme tem, porém, falta coragem para expor mais. O desenvolvimento dos personagens é, por muitas vezes, sem profundidade. Queria ter visto mais sobre os pais e sobre como eles enfrentaram esse processo também. No fim, as transformações e evolução de todos eles é pouco crível justamente porque o roteiro não nos permite conhecê-los a fundo. Entretanto, há seus bons momentos, como a delicada relação que existe entre Garrard e sua mãe. Dela que se omite o tempo todo mas não esconde esse medo de perdê-lo. A última conversa deles é um dos mais belos instantes da obra. A forma como o programa de terapia é mostrado também é interessante. Joel Edgerton recria um local naturalmente assustador sem a necessidade de gritarias ou discursos sensacionalistas. Por vezes é um local acolhedor, o que torna tudo ainda mais aterrorizante. Porque os vilões usam terno, são calmos, andam com a bíblia na mão e se dizem cidadãos de bem.
Lucas Hedges é o novo queridinho do cinema independente e aqui ele justifica essa aclamação em torno dele. Há uma naturalidade cativante nele e uma sensibilidade enorme para encarar os dramas do personagem. Foi bom reencontrar com Russel Crowe, que apesar de apagado, se sai bem na tela, assim como Edgerton, que além de dirigir, acerta na composição de seu "vilão". No entanto, quem brilha mesmo é Nicole Kidman. A veterana dá um rápido show em cena e comove. No elenco ainda há participações bem curiosas como Xavier Dolan, Troye Sivan e Flea, o baixista do Red Hot Chilli Peppers.
"Boy Erased" termina com gosto amargo, porque nos faz lembrar desses discursos religiosos que até hoje excluem e matam. É estranhamente atual ver um filme sobre "cura gay" ainda mais para nós, brasileiros, que vivemos sob um governo conservador e que usa Deus como justificativa para suas ações. Como cinema pode não ser tão bom quanto prometia, mas ainda assim é um tema necessário e que jamais deixará de ser relevante.
NOTA: 7
Título original: Boy Erased
Ano: 2018
Ano: 2018
Duração: 104 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Joel EdgertonRoteiro: Joel Edgerton
Elenco: Lucas Hedges, Nicole Kidman, Joel Edgerton, Russell Crowe, Troye Sivan, Xavier Dolan, Joe Alwyn
Quero muito ver esse filme
ResponderExcluirVeja sim!!!
ExcluirCertamente concordo com você Fernando. Ótimo filme e muito reflexivo, principalmente para uma sociedade decadente como a brasileira.
ResponderExcluirComo dizem os canadenses cultos, modernos e humanos "nenhuma religião está acima da boa e positiva índole e caráter humano, como tal qual sobre suas orientações sexuais". #NÃOAOPRECONCEITO
Respeito acima de tudo.
Parabéns pela publicação. Abraço !
Fabiano/Cinemateca Carvalho.