terça-feira, 16 de julho de 2019

Crítica: Divino Amor


Brasil neon.

Fernando Labanca

É sempre bom ver o cinema nacional se arriscando. "Divino Amor" é um desses casos, em que surpreende ao buscar caminhos não muito comuns no nosso cinema. Gabriel Mascaro, que já havia chamado a atenção da crítica há três anos atrás quando lançou o belo "Boi Neon", retorna com um produto ainda mais corajoso e inovador (nem por isso melhor). Ele cria aqui uma trama bem curiosa e que se aproxima da ficção científica ao revelar o Brasil do futuro. É, também, uma obra erótica, que expõe a nudez de seus personagens sem nenhum tipo de censura. Não é gratuito e choca pela ousadia das filmagens.

A obra nos apresenta um Brasil distópico de 2022. Tomado pelos evangélicos, a função dessa nova sociedade é servir a Deus (o que é uma ironia bastante bem-vinda diante do que vivemos com nosso atual governo). É neste cenário em que vive Joana (Dira Paes), uma mulher devota que ajuda casais em processo de divórcio e está em busca de ter seu primeiro filho, no entanto, se sente falha nesta missão, logo que apesar de inúmeras tentativas, o fruto nunca vem.


Há grandes ideias aqui mas, infelizmente, todas elas são desperdiçadas em um filme pobre, que nunca está a altura do material que possui. O que na sinopse parece incrível a intenção de mostrar o Brasil do futuro, na prática é decepcionante. Há, claro, um cuidado admirável com o visual das cenas, com bom uso de cores e iluminação. No entanto, aquilo que deveria dar sustento para tudo isso é raso demais. A premissa da distopia se perde quando a única coisa em que vemos é a vida insossa de um único casal em uma repetição cansativa dos mesmos eventos. A obra não está interessada em mostrar como vive a nova sociedade além dos protagonistas e isso enfraquece seu discurso como um todo. É um roteiro preguiçoso, que torna cada grande ideia em um momento vergonhoso. Os diálogos são péssimos e é triste assistir cenas que poderiam render tantas discussões interessantes serem reveladas através de um texto novelesco (e não estou falando de Lícia Manzo, estou falando de Walcyr Carrasco mesmo), sem a profundidade necessária e sem, em nenhum momento, conseguir desenvolver um clímax que pedia. Aliás, a narração em off é um item desnecessário na obra e completamente anticlimático. Sempre que a trama parece alçar um voo maior, a narração irritante de uma criança vem e nos puxa para baixo novamente.

Dira Paes e Júlio Machado são dois grandes atores brasileiros, no entanto, além da falta de química existente neles, há uma nítida má direção dos dois. Eles estão perdidos em cena e soam fracos diante dos diálogos que recebem. É desconfortável vê-los porque eles mereciam mais. A todo o tempo ficamos na espera de uma grande sequência ou de um choque maior entre os personagens, mas o roteiro barra qualquer chance de um discurso mais profundo ou realista. Falta humanidade na construção dos dois, desespero real quando a situação deles se torna mais tensa. É estável mesmo quando se pede impulso. Joana carrega um grande dilema consigo e enfrenta uma jornada que necessitava uma carga dramática muito maior, porém, o pobre texto a diminui o máximo que pode. O final é interessante, assim como toda a ideia do filme, mas perde a força e a complexidade por ter um texto que é incapaz de compreender sua grandiosidade. 

Apesar dos erros, digo que vale a pena conhecer "Divino Amor". É o cinema nacional de arriscando e provando que pode pensar mais fora da caixa. Ainda que o roteiro e atuações sejam fracas, a direção segura de Mascaro consegue manter nossa atenção e nosso interesse até o fim. O Brasil do futuro é neon. Um país ultra conservador, burocrático, fanático e governado por dogmas religiosos. Neste sentido, suas criações são absurdas e assustam por não serem tão impossíveis assim ou tão distantes de nossa atual realidade. Termino de vê-lo empolgado por ver um produto ousado, mas incomodado com o fraco tratamento que recebeu. Decepciona porque a grande ideia que traz merecia um filme maior, um filme melhor.

NOTA: 6



País de origem: Brasil
Ano: 2019
Duração: 100 minutos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Diretor: Gabriel Mascaro
Roteiro: Gabriel Mascaro, Lucas Paraizo, Rachel Daisy Ellis, Esdras Bezerra
Elenco: Dira Paes, Júlio Machado, Emílio de Mello, Thalita Carauta

Um comentário:

  1. “Divino Amor” é uma pequena obra contestadora e que experimenta contestar sobre o caminho em que o Brasil pode chegar. Saiba mais no meu blog de cinema
    https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2019/07/cine-dica-em-cartaz-divino-amor-o.html

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