quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crítica: Hereditário

O demônio fez um filme e o resultado é esse. 

por Fernando Labanca

"Hereditário" se une a nova safra de filmes de terror que se deu início nos últimos anos. Mas vai além. Definitivamente, é o mais marcante de todos eles. Segue a mesma linha de "A Bruxa" (2016) e além de alcançar o mesmo alvoroço da crítica especializada, também pode decepcionar uma boa parte do público, que poderá tanto odiá-lo quanto amá-lo. Não se trata de uma obra fácil, de resoluções óbvias e caminhos previsíveis. O diretor estreante Ari Aster é corajoso o suficiente para criar algo surpreendentemente novo, que vai contra os clichês do gênero e entrega um produto grandioso, que tem potencial para ser um clássico cult e de servir de referência para o que vier posteriormente. 

A trama se inicia com a morte da matriarca de uma família. Misteriosa em vida, ela deixa para trás sua filha Annie Graham (Toni Collette), seu genro (Gabriel Byrne) e seus dois netos, Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro). Esta família, por sua vez, tenta seguir em frente, no entanto, eles são atingidos por um novo evento trágico, que os desestabiliza de vez. No ápice de seu descontrole emocional, Annie acaba conhecendo uma mulher (Ann Dowd) que lhe ensina como entrar em contato com os mortos, fazendo com que forças sobrenaturais tomem conta de sua casa. Tomados pelo mal, eles descobrem que a herança que receberam é um destino pavoroso e sem saída.



O medo ganha outra forma em "Hereditário". Está no peso que seus personagens carregam, na culpa que sentem pelos erros que cometeram. Está no medo do abandono e nas palavras cruéis que um ataca o outro. O filme, que não está interessado em jump scare e nem de aumentar o som de sua trilha sonora para causar tensão, encontra caminhos novos para trazer o medo para dentro de cada sequência. A montagem, a iluminação e principalmente, as atuações, nos ensinam um novo jeito de encarar o terror. Um medo real. É sufocante tudo o que acontece dentro daquela casa e ficamos, constantemente, receosos sobre os próximos atos. Sobre o que está por vir. Sobre o desconhecido. É bizarro pensar que este é apenas o primeiro longa-metragem do diretor Ari Aster, que conduz tudo com tamanha perfeição e tamanha consciência. Ele entrega algumas cenas tão perversas, que ecoam na mente como um trauma que queremos esquecer. Seu produto é denso e causa um imenso desconforto e angústia a cada passo que avança. 

Penso que deve ser muito difícil atuar em um filme de terror. São papéis que exigem muito mais do que uma atuação dramática. Tem algo a mais, algo ainda mais profundo e em "Hereditário" há uma entrega excepcional que chama a atenção. A presença de Toni Collette é forte. Ainda me recordo do que ela fez há vinte anos atrás com "O Sexto Sentido" e volta a realizar aqui. Sua expressão é horripilante, mas ao mesmo tempo, encanta por conseguir encontrar tantas camadas dentro de uma única personagem. Seus monólogos aqui são de arrepiar. Me surpreende a atuação do jovem Alex Wolff, que em alguns momentos, diz muita coisa sem precisar dizer, apenas com a fúria e pavor de seu olhar. A jovem Milly Shapiro também se destaca ao entregar um papel icônico.

É impossível sair ileso de "Hereditário". Em certos momentos eu não me sentia preparado para assistir o que o filme estava me mostrando. É uma obra de passos lentos, que vai aos poucos revelando suas perigosas intenções. Cheia de simbolismos e detalhes que não ficam claros na primeira visita, temos aqui um produto que nasce como muitos clássicos nasceram. É bonito como cinema e relevante demais dentro do gênero para não ser estudado e lembrado daqui há muitos anos. Sua sequência final, aliás, é extremamente perturbadora. É o inferno em forma de filme. É um pesadelo dos mais cruéis ganhando vida na tela grande. Se o demônio tivesse a chance de filmar algo..."Hereditário" seria seu registro, sua obra-prima. 

NOTA: 9



País de origem: EUA
Título original: Hereditary
Ano: 2018
Duração: 126 minutos
Distribuidor: Diamond Films
Diretor: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Toni Collette, Alex Wolff, Milly Shapiro, Ann Dowd, Gabriel Byrne




3 comentários:

  1. A Toni Collette e o Alex Wolff estão simplesmente sensacionais né?
    Aquela cena do jantar e o diálogo entre eles vai demorar pra sair da minha memória. Eles expressavam muito mais do que falavam, é um poder incrível de atuação.
    No geral eu gostei muito do filme, mas acredito que ele ficaria ainda melhor se houvesse um uso menor de "coisas flutuando" e outros efeitos que seriam spoilers grandes demais para se comentar. Eu senti que esses momentos enfraqueceram um pouco o filme, que já tinha ganhado a minha atenção completa muito antes de qualquer um deles, e acabou me desconectando um pouco quando começaram a ser usados com mais frequência.
    Mas a simbologia e os detalhes escondidos do filme são realmente muito interessantes, e é bacana como a percepção deles muda quando se vê o filme pela segunda vez.
    Achei um ótimo filme, mas pra mim ainda fica abaixo de A Bruxa.

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    1. Eu amo a Toni Collette e ela foi uma das razões por eu querer ver. Ela tá sensacional e o Alex Wolff me surpreendeu bastante! A cena do "acidente" é pesadíssima e a expressão dele me atingiu demais! A cena do jantar também é incrível...a discussão entre eles é muito bem escrita e interpretada.

      Eu senti que esses momentos mais "fantasiosos" me distanciaram um pouco também, acho que foge um pouco da proposta do filme. Mas, no geral, eu gostei muito...inclusive, gosto até mais q de A Bruxa, que já acho fantástico.

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    2. Nossa, a cena do acidente é pesadíssima mesmo, e a reação dele é muito verdadeira, ao chegar em casa e ir dormir, por não saber o que fazer.
      Esse foi um momento que eu fiquei me colocando no lugar dele, e pensando em como eu reagiria a uma situação dessas. É muito, muito difícil. Não conhecia esse ator, ou pelo menos não era memorável pra mim. Depois desse filme, vou passar a notá-lo em outras produções.

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