Vendido como um dos melhores filmes de terror dos últimos anos, "A Bruxa", que venceu o prêmio de melhor direção em Sundance, pode pegar muita gente desprevenida, e ainda que seja muito bem realizado e que redefina todas as fórmulas do gênero, poderá frustrar grande parte de seu público.
por Fernando Labanca
Existe uma discrepância enorme entre o que o filme prometia ser, com seu marketing nos fazendo acreditar que estávamos prestes a encontrar o novo nome do terror contemporâneo, com o que ele realmente oferece. Fazia tempo em que não via um público tão decepcionado, até mesmo irritado com o que acabara de ver. "A Bruxa" é aquele tipo de produto que ou se ama ou se odeia. Terminei de assisti-lo com a sensação de que o longa não é tão bom quanto os críticos querem que ele seja, no entanto, está bem longe de ser tão ruim quanto aqueles que tiveram suas altas expectativas destruídas querem que ele seja.
"A Bruxa" oferece tudo aquilo que o gênero deixou de oferecer há muitos anos e talvez esta seja uma das razões de tanta revolta, pois a identificação com seu universo não vem fácil. Não há a câmera trêmula, os sustos, a violência, a correria e nem uma trama que se prenda a uma surpreendente reviravolta. Um filme lento, de poucas ações, onde é necessário se desprender daquilo que ele vendeu e tentar apreciar sua proposta, muito clara, aliás, desde o começo. Vemos aqui um terror psicológico muito raro, que busca conversar com seu público através de um cinema mais antigo, é subjetivo, cheio de simbolismos e que poderá significar algo diferente para cada um, de acordo com a experiência vivida daquele que assiste. O terror criado pelo estreante diretor Robert Eggers não é óbvio, o terror está em sua atmosfera, está nos diálogos e em tudo aquilo que os personagens representam. O terror vem de dentro da alma. Vem de uma sociedade que segrega aquilo apontado como diferente, vem da voz feminina silenciada por uma comunidade guiada por patriarcas, vem da religião que cega, do legado deixado por um Deus cruel, impiedoso e no peso que o pecado exerce na consciência de cada um.
Em "A Bruxa", acompanhamos uma família, que deserdada da Igreja, passa a viver isolada em um vilarejo cercado por uma floresta. É então que o filho recém-nascido desaparece e após outros acontecimentos incomuns, cresce a suspeita de que Thomasin (Anya Taylor-Joy), a filha mais velha, trouxe uma poderosa maldição para o local. São personagens muito bem defendidos por seus atores, que tão entregues ao texto e a força daquelas palavras, tornam a experiência de vê-lo ainda mais impactante. São seres angustiados, que travam uma batalha interna contra seus piores medos e tudo aquilo que os tornam condenáveis. Baseado em relatos reais, não me lembrava de ter visto um filme sobre bruxaria ser tão sério quanto este e o fato dele reproduzir este passado medieval, o faz ser ainda mais obscuro, mais realista. É então que a boa mão na direção de Eggers se faz presente, não apenas por ele ter conseguido construir todo um clima, mas por realizar sequências cruas e ao mesmo tempo tão fortes, que não surgem no intuito de assustar, apenas de ilustrar suas intenções, criando, no meio do caminho, algumas belíssimas composições, como o primeiro ato da bruxa na floresta ou sua perturbadora sequência final. Somando com seu fantástico trabalho de iluminação e seus ruídos perturbadores que compõem a trilha sonora, entendi que o longa é mais do que "um filme de terror" - e talvez alguns se recusem a classificá-lo desta forma - entendi que "A Bruxa" é um filme de arte, é uma aula de cinema.
As atuações, que chegam perto do teatral, com todos os seus exageros e diálogos literários. é um dos pontos altos da produção, ainda que nossos olhos fiquem presos nesta jovem atriz chamada Anya Taylor-Joy, que surpreende na tela, que cresce junto com sua forte protagonista. Digo, porém, que apesar de ser uma obra incrível, visto todas as suas qualidades, não pretendo vê-la de novo, é um filme massante, exaustivo e que mesmo com sua beleza, não nos impede de querer saber quantos minutos restam para que chegue enfim seu término. No entanto, merece ao menos uma conferida, é muito raro, nos dias de hoje, um produto do gênero nos oferecer algo além do que já vimos e por isso, também digo que assisti-lo é uma experiência muito válida. Não, não fará você tremer de medo e nem entregará imagens que farão você ficar sem dormir. Porém, para aqueles que se permitirem absorver aquilo que a produção propõe, conhecerá algo novo, uma nova possibilidade, "A Bruxa" vem para nos dizer, em pleno 2016, que o terror pode ser muito mais do que conhecemos, mais do que a sétima arte nos acostumou.
NOTA: 8
Duração: 92 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw
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