"(...)Nunca me senti tão profundo e ao mesmo tempo tão alheio de mim e tão presente no mundo."
Do diretor Tony Kaye, o mesmo de "A Outra História Americana", nos traz mais uma vez uma trama forte e intensa capaz de gerar grandes discussões. Muito mais do que um importante papel social, mais do que nos fazer refletir sobre a atual situação nas escolas, "O Substituto" nos faz pensar na vida e nas relações que temos com as pessoas ao nosso redor, é, acima de tudo, um relato duro, cruel e realista sobre a complexidade humana.
por Fernando Labanca
Conheci este filme por acaso, pesquisando sobre a filmografia de Tony Kaye, no qual nunca compreendi o porquê dele ter sumido mesmo depois de uma obra-prima como "A Outra História Americana", foi quando que me deparei com este que estava prestes a ser lançado, até então sem título em português e isso já era 2011. Até que depois de muito tempo, as pessoas começaram a assistir e me recomendaram e foi quando que me dei conta que sua passagem pelo Brasil foi praticamente nula, onde a última notícia que tive foi que a obra fora lançada diretamente nas locadoras, no qual chegara no começo deste ano, o que é uma pena, pois a meu ver, "O Substituto" é um filme raro e obrigatório.
Henry Bates (Adrien Brody) é este professor substituto que dá nome à obra, sempre optou por nunca se envolver com as pessoas com que trabalha, inclusive seus alunos, por isso, sempre preferiu ser este indivíduo temporário, que chega do nada e logo vai embora. Sua nova missão é trabalhar ocupando as responsabilidades de outro professor em uma escola pública, lugar onde passa a refletir sobre sua relação com aquele universo alheio a tudo, alheio ao mundo, onde nada lhe toca, nada lhe comove, onde vê alunos totalmente perdidos, jovens indiferentes. É neste mesmo lugar onde Henry se vê cercado por outros profissionais, que no íntimo de cada um, se sentem tão vazios quanto ele, seres tão miseráveis, vivendo numa obrigação contínua, sem razão, apenas pelo costume de viver. Eis que ele se depara com três mulheres que o farão ver sua trajetória de forma diferente, uma professora (Christina Hendricks), uma aluna (Betty Kaye) e principalmente uma jovem garota de programa (Sami Gayle) que passa a abrigar em seu apartamento, a resgatando de sua vida suja. São elas que farão Henry compreender sua importância e o quanto seu envolvimento pode salvar vidas.
"Temos a responsabilidade de guiar nossos jovens para que eles não terminem se desintegrando. Caindo no esquecimento. Tornando-se insignificante."
Um soco na cara. É isso o que "O Substituto" é. Poucos filmes tem este milagre da reflexão, não aquela reflexão bobinha de uma bela lição de moral que vem ao final, uma reflexão densa, que ao seu término nos faz perguntar: "e agora?". A escola como cenário nunca foi tão melancólica quanto neste filme, que funciona quase que uma extenção do longa-metragem francês "Entre os Muros da Escola". Em tom documental, vemos os relatos de Henry e dos outros professores enquanto trabalham numa escola pública, tão abandonada e tão real quanto qualquer escola que já tenhamos frequentado ou lido nos jornais. Tony Kaye denuncia a ruína do sistema educacional, de forma realista, impactante e com uma linguagem universal. Uma dura realidade, que ganha proporções ainda maiores quando são inseridos personagens tão miseráveis, tão distantes de si, sentindo o vazio diário, vazio que vem em resposta de um mundo que não os vê. "O Substituto" é um flagra do ponto limite desta situação, o limite de cada personagem, é como se em cada cena algo gritasse, "este é o mundo em que vivemos", podre, devastado e sem lógica.
"Independentemente do que tenha em mente, digo que há sentimento. Estou sendo honesto comigo mesmo. Sou jovem e estou velho. Tenho sido comprado e vendido tantas vezes. Sou difícil de encarar. Estou sumido. Sou simplesmente como você."
Henry Bates é como aquele homem cansado que vemos diariamente sentado no ônibus, prestes a viver sua rotina vazia, tão presente no mundo, tão distante de si. Se colocado em outro contexto, ele teria potencial para ser um herói, mas no universo em que vive só lhe resta tempo para suas crises existenciais, questionamentos de uma vida que não mais caminha, permanece. Ainda atordoado com seu passado que o impede de ver o futuro com mais clareza, mais esperança. Para transmitir toda essa mente confusa, colocaram Adrien Brody que se entrega ao personagem por inteiro, que comove com cada olhar, cada diálogo, onde tudo se torna ainda mais real quando os sentimentos de Henry passam a ser a sua verdade. O filme ainda nos presenteia com coadjuvantes de ouro, nomes pesados que me fazem entender ainda menos o porquê de não ter tido chance nos cinemas, todos sensacionais: Marcia Gay Harden, Christina Hendricks, Lucy Liu, Blythe Danner, James Caan, Bryan Cranston, Tim Blake Nelson e a novata Betty Kaye, a mais fraca do elenco. Entretanto, a grande surpresa fica para a belíssima e comovente atuação de Sami Gayle, também nova no cinema, mas que certamente tem um futuro promissor, realiza um trabalho admirável.
"O Substituto" já inicia de forma densa, é preciso estar preparado psicologicamente para enfrentar seus minutos, é do tipo que não funciona com os amigos em um divertido final de semana. Em suma, um filme único, belo, edificante, onde o diretor Tony Kaye se utiliza de uma linguagem poética para debater os problemas sociais e revelar os conflitos existenciais de seus personagens, havendo beleza em cada cena, em cada diálogo, auxiliado por sua constante e emotiva trilha sonora. Um mergulho na alma desses indivíduos, que como consequência, nos faz questionar sobre nossa própria existência. Recomendo.
"Acreditar deliberadamente em mentiras. (...)'preciso estar linda para ser feliz'; 'preciso de uma cirurgia para ficar bonita'. (...) Trata-se de um holocausto. 24 horas por dia, para o resto de nossas vidas. A energia que movimenta trabalha arduamente no nosso emburrecimento até a morte. Então, para nos defendermos e pelejarmos contra esse processo de emburrecimento de nosso pensamento precisamos aprender a ler, para estimular nossa própria imaginação, cultivar nossa própria consciência, nosso próprio sistema de crenças. Todos nós precisamos desta habilidade para defender, preservar nossas vontades próprias."
NOTA: 9
Nesta semana tive o prazer de conhecer o filme. Minha professora de português, uma mulher jovem e realmente sábia, fez-nos assistir o tal "O Substituto", no início, pensei ser um daqueles filmes tediantes que alguns professores costumam passar, um daqueles que muitas vezes ficamos sem levar nada para o dia-a-dia. Todavia, o filme seguiu e eu me vi prendida naquele universo de drama. Por ter tido e ter problemas psicológicos, pela primeira vez em muito tempo, senti que estava sendo entendida ao me identificar com a personagem da Betty Kaye, excelente atuação, inclusive. O Adrien Brody como sempre deu um show de atuação! Ah, que ator magnífico. As emoções refletidas em seus olhos, nada melhor do que assistir algo que te faça sentir na alma o quê o filme quer passar para nós. Um dos melhores filmes que já assisti, e, provavelmente, o quê mais me marcou e mudou minha visão sobre coisas que às vezes fechamos os olhos e fingimos não enxergar.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
ExcluirEsse filme é realmente magnífico. Acho que muitas pessoas, assim como você, começaram a ver sem esperar nada. Porém, não há como não se surpreender, é uma obra muito marcante mesmo. Concordo com você, ele me fez ver diversas coisas de formas diferentes, encarar o mundo com outro olhar.
Parabéns pelo texto sobre o filme. Realmente um dos melhores filmes que assisti nos últimos anos. É difícil expressar em palavras o que estou sentindo. Passo por um dos momentos mais difíceis da minha vida, onde parece que não terei força para continuar neste mundo cruel e tão difícil de se lhe dar. O filme expressa a realidade que o mundo sofre no momento. Sem falsos happy posts no Facebook, onde todos são tão felizes.
ResponderExcluirdevem então ter sublinhado estas legendas deste excelente filme....
ResponderExcluir"...os poderes instituídos esforçam-se por nos embrutecer até à morte. (por exemplo, pagando-nos para ser soldados de guerra.) Então, para nos defendermos de assimilar essa estupidez nos nossos processos de pensamento temos de aprender a ler, a estimular a nossa própria imaginação, a cultivar a nossa própria consciência os nossos próprios sistemas de crença. Precisamos de todas estas competências para defender, para preservar as nossas mentes." e corpos.... Se gostaram do filme, podem até adorar o meu blog! ;)!
Há muito tenho refletido sobre a forma de domínio de massa. Nesse filme vi o quão é importante formar a opinião sem interferência "midiáticas" ou sensacionalista. Devemos nos lembrar, sempre e a toda instante, daquilo que nos diferencia dos outros animais, nossa consciência. Belo filme!
ResponderExcluirO filme é uma obra de arte e sinceramente, faz muito tempo que não assisto um filme tão chocante e que tenha me emocionado tanto! É um filme que não rendeu nos cinemas porque não tem explosões, não tem besteirol, não tem putaria... Esse é o tipo de filme que só consegue despertar o interesse em assistir nas pessoas que realmente não têm preguiça de pensar. O tipo do filme que não é nem um pouco comercial no Brasil.
ResponderExcluirConcordo, certamente podemos afirmar de que se trata de um dos filmes mais chocantes e mais emocionante que tivemos nos últimos anos. Valeu pelo comentário!
ExcluirFilme sensacional! Passei para meus alunos de pedagogia para que eles possam ver além do final feliz de "Escritores da liberdade". Precisamos refletir sobre esse sistema social e escolar excludente. Este filme merece ser visto por ser justamente aquilo que necessitamos para despertar deste torpor. Um sistema que reproduz marginalidades, já diria o grande Demerval Saviani.
ResponderExcluirParabéns pelo texto nos dá ainda mais a condição de uma análise perfeita do que acontece no nosso dia a dia como professores e alunos. Passei esse filme para minhas salas e tive de assistir com eles pelo menos uns 6 vezes. Seu comentário só nos faz adentrar ainda mais nesse universo filosófico que é a relação professor aluno.
ResponderExcluirPiorou a realidade dos professores lá e cá, depois do governo que coloca como ministro da educação alguém "sem educação", que xinga alunos e professores, usa palavrão, evoca frases e ideias nazifascistas, enfim, só contribui para o DESALENTO ser professor tanto nos Estados Unidos como no Brasil. E ainda temos que ensinar que terra é plana? Que nazismo é de esquerda? Que vacina faz mal a saúde? Que racismo é bom. De minha parte EU DESISTO depois de 44 anos de docência.
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