quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Crítica: Elysium (2013)

O diretor sul-africano Neill Blomkamp ganhou notoriedade em 2009 ao lançar “Distrito 9”, uma ficção cientifica bastante diferenciada, que além de discutir questões sociais, trazia uma interessante e inovadora história. Não poderia ser diferente, seu mais novo filme, “Elysium” vem carregado de grandes expectativas, principalmente por trabalhar no mesmo gênero, é quase que inevitável esperar um filme tão bom ou melhor que seu anterior e justamente por isso, a obra acaba sendo tão decepcionante, não tanto por não conseguir se manter no mesmo nível, mas principalmente por não trazer nenhuma novidade, ser limitado, se prendendo sempre ao que um dia deu certo, por não conseguir, em nenhum momento, construir sua própria identidade.

Por Fernando Labanca

Ano de 2159, o Planeta Terra não é mais o mesmo, após uma superlotação o mundo foi se desestruturando, é então que constroem a estação espacial Elysium, um lugar onde a vida é perfeita, onde doenças são curadas facilmente e onde apenas aqueles com poder aquisitivo elevado poderiam se tornar habitantes, caso contrário, seriam banidos. Em Los Angeles, que se tornou uma espécie de favela, onde os indivíduos se sustentam através de roubos e se sacrificam em grandes indústrias, é neste ambiente que vive Max (Matt Damon), trabalha em uma dessas indústrias e sempre sonhou em abandonar tudo e partir para Elysium, até que ele sofre um acidente e, infectado por radiação, tem apenas cinco dias de vida restante e a única maneira de sobreviver é ser levado para a estação espacial e ser curado lá, para isso, ele precisa da ajuda de Spider (Wagner Moura), um expert em tecnologia  que almeja dias melhores para todos os habitantes, nem que para isso ele precise agir de forma ilegal, porém, ele tem um plano muito maior para Max, o que irá bater de frente com os planos de Rhodes (Jodie Foster), uma mulher capaz de tudo para manter a integridade e estilo de vida em Elysium.


A obra pode oferecer sensações diferentes para dois tipos de grupos, aqueles que assistiram “Distrito 9” e aqueles que não assistiram. Para aqueles que não viram, provavelmente se surpreenderão com muitas coisas, o contexto político, os cenários, os efeitos especiais, entretanto, para aqueles que já conhecem o trabalho anterior de Blomkamp, poderão também gostar, mas a inconsistência da obra se tornará mais nítida. Isso porque as semelhanças entre os dois filmes são claras e isso em nenhum momento faz bem a “Elysium”, longe de ser “a maneira como Neill Blomkamp trabalha”, isso em nada tem a ver com a identidade do diretor e sim, caminhar pelo caminho que já conhece, sem riscos, o filme a todo tempo nos entrega momentos que um dia já deram certo, seja em “Distrito 9”, seja em algum outro filme Hollywoodiano. É tudo muito parecido entre as duas obras, sua crítica social, seu fundo político, a construção e evolução do personagem, que foi alvo de um incidente, aqui a radiação, antes o veneno, e precisa lidar com essa situação irreversível, antes ele se torna uma espécie de alienígena, aqui ele se torna uma espécie de androide para se manter vivo. Antes eram os extraterrestres, aqui são robôs, que visualmente não se diferem muito. Os cenários são extremamente semelhantes, as locações e toda a tecnologia “criada” para o filme remete e muito a “Distrito 9”. É realmente chato fazer essas comparações, mas Neill Blomkamp não nos dá muitas escolhas, e mesmo a ideia sendo tão diferente, ele consegue fazer mais do mesmo, e quando finalmente nos deparamos com alguma novidade, como a vida em Elysium, o roteiro tão limitado não se aprofunda e nunca tira bom proveito do que tem em mãos.

O roteiro é bastante problemático. Não se aprofunda em absolutamente nada, a sensação que fica é que havia tanta coisa interessante ali na tela a ser discutida, mas é tudo mostrado e guiado de forma tão rasa que logo causa desinteresse e uma certa preguiça, confesso, em querer entender alguma coisa. Informações são jogadas a todo instante, dando sempre a impressão de que algo grandioso está por vir, a ida de Max a Elysium, os planos mirabolantes de Spider e até uma conspiração política iniciada por Rhodes, mas muito disso se perde no meio do caminho e no final percebemos que toda aquela excitação não dá em nada, pura enrolação. As personagens também decepcionam, justamente por serem tão vazias, não são pessoas, são tipos, temos os mocinhos e os vilões, e dessa forma, além de tornar tudo previsível, não consegue causar empatia e não consegue jamais gerar grandes discussões sobres suas questões sociais. A intenção era nos fazer pensar em nosso mundo real através deste universo “fantasioso”, e está é, na verdade, a maior graça da ficção científica, mas aqui, sua proposta não é alcançada, simplesmente por ser tão superficial.

Desta forma, os atores nos entregam atuações um tanto quanto caricatas. Sharlto Copley é quem rouba a cena, mas se destaca por sua grande atuação, não por seu personagem. Matt Damon está correto, me surpreende a maneira como ele consegue convencer em tantos gêneros distintos, mesmo que aqui ele esteja um pouco apagado. Alice Braga surge interessante, a atriz não faz feio lá fora, surge até mais carismática e mais a vontade em cena. Wagner Moura, apesar dos grandes elogios quanto a sua performance, eu o achei bastante forçado, é um ótimo ator, isso é inegável, mas não me convenceu dessa vez. O mesmo posso dizer da veterana Jodie Foster, exagarada, muito distante do que ela já realizou no cinema.

"Elysium" não se perde por completo, apesar dos inúmeros defeitos, vale a pena dar uma conferida, diverte com suas sequências muito bem planejadas por Neill Blomkamp, que é, nitidamente, um diretor esforçado, promissor. Fotografia e efeitos especiais chamam a atenção, o visual criado para o filme causa certo impacto e assim, presenteamos cenas belíssimas que na tela grande se tornam ainda mais interessantes. Gostei, tem até um ótimo final que me fez ter a certeza que não havia feito a escolha errada, entretanto, teria gostado muito mais se tivesse visto algo novo, assim como o trailer prometia, infelizmente se preocuparam muito em construir um filme de ação, com muitos efeitos, onde a todo instante alguém está correndo, lutando ou atirando, algo está explodindo, enfim, havia muito ali na história para ser aproveitado, muitas ideias a serem exploradas, para no fim, ser apenas um filme de ação qualquer. Para uma trama aparentemente realista, "Elysium" se perde em sua superficialidade e na construção de estereótipos.

NOTA: 6,5


País de origem: EUA
Duração: 109 minutos
Elenco: Matt Damon, Sharlto Copley, Jodie Foster, Alice Braga, Wagner Moura, Diego Luna, William Fichtner
Diretor: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp



quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Crítica: Invocação do Mal (The Conjuring, 2013)

Se em 2004, James Wan, até então desconhecido, surpreendeu com sua estreia em “Jogos Mortais”, revitalizando o gênero na época, este ano, ele prova que não fora apenas uma sorte de principiante, é um talentoso diretor e agora, com o lançamento de “Invocação do Mal” ele se firma como um dos novos mestres do terror. Com roteiro bem elaborado e com aquele velho e bom sentimento de medo e tensão, que há muito tempo não se via, o filme é, um dos melhores exemplares do gênero dos últimos anos.

Por Fernando Labanca

Com o selo “baseado em fatos reais” a trama já ganha um certo peso e uma certa expectativa também. O filme narra o que ele mesmo definiu como o caso mais assustador e mais difícil de Ed e Lorraine Warren, casal de investigadores paranormais, que na década de setenta vão parar no interior dos Estados Unidos para ajudar uma família aterrorizada com estranhos acontecimentos em uma casa de campo, onde logo comprovam a presença de uma entidade maligna. Carolyn (Lili Taylor) e Roger (Ron Livingston) são pais de cinco meninas e vão morar neste local afastado e não demoram muito até perceberem que há algo de muito errado ali, é então que sem mais o que fazer, Carolyn entra em contato com Ed e Lorraine para que os livrem do mal que estão enfrentando.


A mansão mal assombrada afastada da cidade, uma família feliz que logo descobre que não estão sozinhos. De início, “Invocação do Mal” até aparenta ser mais do mesmo, nos dando sempre a sensação de que já vimos aquele filme antes. Entretanto a direção diferenciada e o roteiro extremamente bem escrito logo nos provam o contrário, estamos diante de algo novo, mesmo que em pequenos detalhes, mas são esses detalhes que fazem da obra uma raridade, e mesmo se utilizando de uma ideia tão clichê e mesmo nunca fugindo daquilo que esperamos,  James Wan reformula o modo de trazer o medo ao expectador, reformula a maneira como tudo acontece ali na trama, facilmente se diferenciando de tudo o que tem sido feito nos últimos anos dentro do gênero.

O medo e a tensão não surgem de maneira óbvia, como nos insistentes “Atividade Paranormal”, a câmera e a trilha sonora não ficam nos entregando o que não há, não manipula, não diz ao público: “fiquem atentos porque agora vai acontecer alguma coisa assustadora!”. O terror surge naturalmente, em cada cena, em cada nova informação que surge, o medo vai se inserindo, aquele clima pesado, e logo ficamos aterrorizados com tudo o que vemos e ouvimos.  James Wan sabe muito bem como brincar com seu público, como conduzir o suspense, desde aparições aterrorizantes que até poderão ficar na cabeça dos mais fracos até um simples barulho atrás da porta que nos faz ficar de olho atento à tela. Sustos também não faltarão, a diferença é que aqui o susto não é a única arma que utilizaram para prender a atenção daquele que assiste. Além das diversas sensações que provoca em seu público, “Invocação do Mal” parece trazer ainda aquele sentimento nostálgico de como é bom ver um filme de terror no cinema, um bom filme de terror, resgata através de suas referências, desde Hitchcock à "O Exorcista" de William Friedkin, aquele jeitão antigo de se trabalhar com o medo. E por ser um filme de época, esta impressão se acentua, que aliás, belíssima composição dos anos setenta, desde os cenários, figurinos e equipamentos, que de certa forma, embelezam a obra e dão um charme a mais à sua composição.

Dentre tantos pontos positivos, o grande mérito do filme foi a construção de seus personagens. Mais um ponto para a obra, pois é o tipo de “detalhe” que nunca se preocupam em filmes de terror. Pode parecer pequeno demais, até porque quem vai assistir não está tão preocupado com isso, querem mais é se assustar. Porém, ao decorrer da trama, fica nítido que a maneira como eles nos apresentaram os personagens e a maneira como eles são construídos dentro da história faz toda a diferença. Saber que Carolyn e sua família são pessoas como nós, que se amam, que se preocupam com cada membro, saber que Ed e Lorraine são pessoas reais, não apenas ícones da investigação paranormal, que sofrem, que se incomodam com o que veem, enfim, o modo como o roteiro vai trabalhando essas relações afetivas entre os indivíduos, consegue trazer um realismo maior a trama, nos faz parar para pensar e nos colocar no lugar deles, e se fosse nossa família ali naquele lugar? Esse realismo trás em nós um medo maior, a trama se torna mais impactante, as situações se tornam mais incômodas.  E assim, James Wan consegue também, transitar muito bem para o drama, não parecendo forçado, mostrando com delicadeza essas relações, e são nessas relações que tornam a obra mais crível e de certa forma, mais adorável também. E por falar em gêneros, o filme ainda, para minha surpresa, sabe ser cômico sem ser trash, inserindo humor quando menos se espera e de forma inteligente.

O elenco é dos bons, Patrick Wilson e Vera Farmiga como o casal Warren estão ótimos, como sempre, aliás, elogiar o trabalho de Farmiga é como chover no molhado, uma atriz que sempre se supera. Ron Livingston e as meninas que interpretam as filhas trazem naturalidade e uma boa sintonia em cena e se entregam nos momentos de terror. Mas quem acaba se destacando mesmo é Lili Taylor, conhecida por sua carinha assustada em “A Casa Amaldiçoada” de 1999, ela realiza um trabalho notável aqui, oscilando bem entre a coragem e a fragilidade de sua personagem.

Por outro lado, “Invocação do Mal” não consegue fugir das armadilhas do gênero ao todo, os roteiristas souberem muito bem como trabalhar com os clichês, mas eles existem, estão lá e em grande quantidade, ora bem conduzidos ora caem na mesmice, como em seu final ingênuo. Enfim, não é perfeito, mas nos últimos anos, foi o filme que mais chegou perto de tal definição dentro do terror, não que ele seja genial, mas dentre tantos fiascos que surgem por aí, a obra se destaca. Se desejar ver um bom filme que assuste, tenso, que te faz ficar vidrado e aterrorizado com as sequências, que te faz não querer o escuro por um tempo,  escolha este, há todos os elementos clássicos em cena e conduzidos muito bem por este competente diretor. O cinema estava mesmo precisando de uma nova referência, finalmente um filme do gênero que vale a pena sentar e esperar até seu final, a boa expectativa é recompensada. Não é exagero dizer que este é o melhor terror do ano. Recomendo.

NOTA: 8,5




País de origem: EUA
Duração: 112 minutos
Elenco: Lili Taylor, Vera Farmiga, Patrick Wilson, Ron Livingston
Diretor: James Wan
Roteiro: Carey Hayes, Chad Hayes


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Crítica: Dublê de Anjo (The Fall, 2006)

Produzido por ninguém mais que Spike Jonze e David Fincher, e lançado diretamente nas locadoras aqui no Brasil, “Dublê de Anjo” é uma verdadeira obra de arte dirigida pelo indiano Tarsem Singh, que é um grande manipulador de imagens, seja de um jeito positivo (A Cela, 2002) ou de um jeito negativo (Imortais, 2012), a verdade é que seus filmes causam certo impacto e são capazes de produzir sensações diversas. E durante quatro anos, Tarsem procurou em mais de vinte países as locações perfeitas para seu mais ambicioso projeto, que por fim, acabou sendo ignorado pelo público, sorte e privilégio daquele que o encontra, pois com seu visual irretocável e sua tocante história, vemos um filme milagroso, difícil de ser esquecido.

Por Fernando Labanca

Los Angeles, anos 20. Roy (Lee Pace) é um dublê de cinema que sofreu um acidente e por isso se encontra em coma em um hospital, é onde conhece a pequena Alexandria (Cantinca Untaro) que com seu braço quebrado passa a visita-lo com frequência para que ele conte suas mirabolantes histórias. Ele começa a contar uma jornada épica, sobre cinco heróis míticos que possuem apenas uma coisa em comum, o desejo de vingança do Governador Odious. Para continuar contando, Roy decide fazer uma troca com a menina, pedindo que ela o levasse um remédio, comprimidos que o fariam morrer, e sem que ela soubesse do efeito de tudo isso, Alexandria vai tentando, através de sua história, reencontrar a luz que faltava no dublê, que tão repleto de amargura e ressentimentos já não é mais capaz descrever um final feliz.


Numa época onde o cinema somente é capaz de nos mostrar um universo fantasioso através de efeitos especiais, “The Fall” vem justamente para quebrar isso, e através do esforço e nítido talento de Tarsem Singh, vemos o que para muitos seria impossível, a criação de um universo “inexistente” através de figurinos, maquiagem, fotografia e locações, sem qualquer manipulação ou inserção de efeitos. E apesar de haver na trama essa separação de ficção/realidade, nos chocamos quando nos damos conta de que tudo é real, até mesmo aquilo que o filme sugere ser fantasioso. Cenários que espantam por sua beleza, que causam impacto pela cores saturadas, que nos faz admirar cada sequência, um visual deslumbrante que diferente de qualquer outro filme já feito, espanta por ser natural não por ter um chroma key bem aplicado. E Tarsem consegue, e merece respeito por isso, trabalhar bem o que tem em mãos, construindo uma belíssima e rara obra de arte, unindo tudo como um sonho louco, que dificilmente esquecemos.

É interessantíssimo o jogo que há entre o roteiro e seu visual, havendo sempre um choque entre realidade e fantasia, que ao decorrer da trama se fundem. Se aqui, há uma nova e diferenciada construção de um mundo irreal, ou seja, através da beleza natural das coisas, há também o paralelo que o roteiro faz com o cinema daquela época, preto e branco e mudo, mostrado ao seu final, que por ironia, a menina Alexandria que revela nunca ter visto um filme em sua vida, imagina toda aquela história muito distante do que seria o cinema ali, repleto de cores, o que acaba justificando também o não uso de efeitos. Além disso, a menina, em sua imaginação, acaba inserindo personagens que conhece da vida real para sua história, que aliás, chega um certo ponto que a aventura deixa de ser apenas de Roy, ela começa a manipular também, e assim passa a buscar a vida que o dublê ignorou, sem saber que tudo não passa de um jogo criado por ele para se suicidar. Este encontro dos dois é belo, e quanto mais sua fantasia criada se funde com a realidade vivida por eles no hospital, mais fragilizado ele fica e aos poucos vai sendo salvo pela inocência daquela criança. São nesses pontos que vejo a genialidade por trás desta obra, que provavelmente ainda encontrarei outros detalhes mesmo depois de já ter escrito esta resenha, pois há muito o que ver, analisar e admirar em “The Fall”, como eu disse anteriormente, é como um sonho, só quem viu e vivenciou aquilo entenderá, palavras não são suficientes para descrever a loucura e beleza deste filme.

Outro grande mérito da obra é a naturalidade que há entre Roy e Alexandria, acredito que sem isso, a trama não seria tão interessante e tão emocionante como foi. A pequena e talentosa Cantinca Untaro trás ainda mais beleza ao filme, a maneira como se expressa e conversa nos dá a impressão de que ela não precisou decorar texto, apenas improvisou, uma criança sendo criança, e sua sintonia com Lee Pace é tocante, graças também a excelente atuação dele que emociona com seu amargurado dublê. Um filme forte, comovente, que nos prende com seu visual magnífico e indescritível, e principalmente por sua história, que surpreende e caminha para um final belíssimo. Recomendo.

NOTA: 10









sábado, 7 de setembro de 2013

Crítica: Confiar (Trust, 2010)

Mais conhecido por seu papel na série "Friends", o eterno Ross, David Schwimmer também se arriscou por trás das câmeras, ao dirigir este drama familiar “Confiar”. Ele também é diretor de uma fundação que dá apoio a vitimas de assédio sexual, o que justifica ter escolhido este projeto, que com seu roteiro bastante didático funciona como um filme-denúncia ao relatar a trama de uma jovem que fora abusada sexualmente por um homem que conheceu pela internet. Realista e extremamente chocante, é um tipo de filme obrigatório, não tanto por sua arte, mas por sua função social.

Por Fernando Labanca

Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener) são casados e vivem com seus três filhos. Annie (Liana Liberato), a filha do meio, mantém uma relação amigável com seus pais, relatando grande parte de suas experiências, inclusive que está conversando com um garoto pela internet, Charlie, de dezesseis anos. A cada vez mais, ela se sente atraída pelas palavras deste jovem desconhecido, eis que certo dia, quando seus pais não estão em casa, decide encontra-lo em um shopping, entretanto este encontro acaba arruinando sua vida para sempre. Muito mais velho do que havia revelado, ele a convence de suas mentiras e a leva para um hotel. É este o início de seu pesadelo.


Muitas pessoas já haviam comentado da história deste filme comigo, no entanto, ainda assim consegui me surpreender com “Confiar”, isso porque, a trama envolve muito mais do que só a garota inocente sendo abusada sexualmente por um estranho que conheceu pela internet. Até aí já é bem chocante, porém, o roteiro vai muito além. Este é apenas o início de uma trama bem elaborada, complexa, que envolve investigações do FBI, o choque inicial dos pais e a relação que estes tem com o acontecimento. Mas o que mais surpreende no desenvolvimento da história é a personagem Annie, que não aceita ter sido uma vítima, acredita que o ocorrido foi um gesto de amor. É este o detalhe que vai dando um novo rumo para o filme, o tornando mais complicado e também mais interessante e são esses conflitos imprevisíveis que fazem de “Confiar” um projeto tão ousado, tão arriscado, vai além do didatismo, da denúncia, consegue construir personagens complexos, com atitudes tão humanas, tão irracionais, que nos choca, nos perturba, e com seu realismo, nos sentimos angustiados, de certa forma, desacreditados na humanidade.

Acredito que “Confiar” seja um filme obrigatório. Mais do que uma obra para cinéfilos, a questão aqui é muito mais social do que artística. Há muito o que se analisar e este é o grande mérito do roteiro. Soube explorar muito bem a ideia, se aprofunda de forma densa a cada possibilidade, o tornando uma obra surpreendente e impactante. Por outro lado, David Schwimmer nos entrega um filme bastante convencional, cinematograficamente falando, não há nenhuma ousadia em sua direção, apesar de admirar sua sutiliza em relatar o drama da protagonista. É fato, também, sua boa condução dos atores. Clive Owen dá um belo show de interpretação e seu diálogo final é sincero e emocionante e Catherine Keener, como sempre, uma ótima coadjuvante. Destaque para a novata, vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Chicago, Liane Liberato, que surpreende, se entrega com força a esta difícil personagem. No elenco, ainda, temos os bons Jason Clarke, Viola Davis e Noah Emmerich.

Muitos criticam seu final ou a as atitudes tolas da protagonista. Discordo. A maneira como constroem a personagem é bastante verossímil. Claro que tudo poderia ter sido diferente, de certa forma, ela também cometeu seus erros, mas quem somos nós para julgá-la? Por mais absurdas que sejam suas atitudes, agiu condizente com aquilo que ela acreditava, errada ou não, seguiu sua verdade.  E quanto ao final, simplesmente belíssimo, deixou um vazio no peito. Não poderia ter terminado de forma melhor, seu silêncio incomoda, nos faz sentir o vazio que tudo aquilo deixou em Annie, seu trauma, sua vida que nunca mais será mesma. E assim, com sua sutileza, consegue chocar, pois nos faz refletir, pensar em nossa atual sociedade, pensar nos monstros que vivem a solta, pensar em quantos casos parecidos com este filme existiram. Emocionante, intenso, “Confiar” é acima de qualquer função social, um ótimo drama. Recomendo.

NOTA: 8,5 


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