quinta-feira, 28 de julho de 2016

Crítica: O Lagosta (The Lobster, 2015)

Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2015, "The Lobster" marca o primeiro longa-metragem em língua inglesa do diretor grego Yorgos Lanthimos. Uma requintada comédia, que abusa do humor negro para uma interessante análise de nossa sociedade atual.

por Fernando Labanca

A premissa do filme é bastante curiosa, nos jogando para dentro de um universo distópico onde é inadmissível alguém permanecer solteiro. Para aqueles que não encontraram a alma gêmea, são hospedados em um luxuoso hotel, onde serão obrigados a se apaixonar dentro de 45 dias. Caso isso não aconteça, a pessoa será transformada em um animal de sua preferência e abandonada em uma floresta, local onde também se encontra um grupo de rebeldes liderados por uma rígida mulher (Léa Seydoux). Conhecemos, então, David (Colin Farrell), que se cadastra no programa assim que se separa de sua esposa, acompanhado de seu cachorro, que fora um dia seu irmão solitário. O problema começa quando ele percebe que seus dias estão acabando e ainda não conseguiu ninguém e a única certeza que o futuro lhe aguarda é ser transformado em uma lagosta.


"The Lobster" é um filme raro e não é exagero afirmar que ele seja uma das obras mais originais que tivemos a chance de conhecer nos últimos anos. É surpreendente como não há sequer um pensamento fora do lugar, um diálogo ou uma situação mal elaborada, não há sequer um elemento desconexo ou que simplesmente pareça perdido. Se trata de um roteiro engenhoso, inteligente, que espanta pela qualidade, que nos faz questionar quando havia sido a última vez que havíamos visto algo tão louco, tão fascinante quanto bizarro. De fato, a primeira metade é bem mais empolgante, quando somos inseridos ao universo e nossa mente é invadida por diversas questões (e que não são respondidas facilmente). No entanto, apesar de perder um pouco a força na reta final, tudo é, ainda, muito condizente, o nível se mantém e o mais importante, nossa curiosidade sobre como tudo vai acabar também.

Guiado por personagens completamente apáticos, que não expressam nenhum tipo de sentimento, é fantástico como todos os atores compreendem sua estranha proposta e realizam um belo trabalho. Colin Farrell é um ator extremamente versátil e esta é a grande prova de seu talento subestimado. É possível dizer que este seja um dos melhores momentos de sua carreira. Todos os coadjuvantes estão excelentes, destacando Rachel Weisz, Ben Whishaw e Léa Seydoux. Filmado praticamente com luz natural, a fotografia é um espetáculo, enaltecendo o belíssimo trabalho de direção, que constrói na tela, sequências impecáveis, causando, sempre, fortes sensações naquele que assiste. A trilha sonora é outro elemento que funciona, com ar clássico, é ela que nos deixa ainda mais fisgados ao seu decorrer.

Apesar do bom humor (sim, é possível rir em diversos momentos), o longa traz algo melancólico também. Me senti angustiado, inquieto e sufocado durante todo o filme. É claustrofóbico enxergar aquele universo através de seres tão manipuláveis, que aceitam com tanta naturalidade leis e uma cultura tão absurda, tão controladora. É uma prisão, uma vida sem saída, sem escolhas. Vi em "The Lobster" nossa sociedade, em como somos programados desde que nascemos a cumprir certas ordens, em enxergar o que é comum como uma verdade única. Que irônico quando os hóspedes solitários são ensinados como a vida ao lado de alguém é mais justa, mais feliz e mais segura. Vivemos em um mundo que confunde o ato de estar sozinho como uma triste representação do descarte, que menospreza aquele que come sem alguém do outro lado da mesa. Vivemos, ainda, sob a pressão de se encontrar a alma gêmea, de procurar aquela pessoa que divida conosco as mesmas características marcantes. Vivemos sob os olhos julgadores que encaram auto suficiência como fracasso. Este condicionamento cultural nos confunde, crescemos sem saber distinguir se o que procuramos é reflexo de nossos próprios desejos ou se aprendemos a tê-los. Repleto de significados, o filme permite diversas interpretações e poderá dizer algo novo em uma futura revisita. É algo feito de muitas camadas e quanto mais fundo cavarmos mais haverá o que descobrir, o que absorver. Em seu final, um silêncio perturbador, que nos esmaga, que nos deixa atordoados por cada reflexão. Única, bizarra, uma obra obrigatória.

NOTA: 9


País de origem: Grécia, Reino Unido, Irlanda
Duração: 118 minutos
Diretor: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou
Elenco: Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Ben Whishaw, Olivia Colman, John C.Reilly, Ariane Labed




7 comentários:

  1. Mas fiquei com uma dúvida no final. O Lagosto torna igual ao personagem de Rachel Weisz?

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    1. Olha...o fim é bem aberto, por isso é difícil chegar a uma conclusão. Acredito que cada um acaba tendo uma visão diferente da cena final.

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    2. Sim, [spoiler] o personagem fica cego, como dá pra ver na capa do filme, que ele está abraçando a mulher mas não consegue ver ela.

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  2. E a primeira cena da mulher matando o cavalo?

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  3. (Spoilers) O final é claro, pelo menos no meu ponto de vista, rs: como demonstrado outras vezes durante o filme, só lembrar do casal de velhos na cama onde o marido diz amar a mulher e pega uma arma para matá-la, não existe amor verdadeiro, logo, o personagem não volta do banheiro, pois desiste de ficar cego e vai embora. Ele faria isso por amor, mas como esse amor não existe, o filme termina com ela sozinha na mesa. Claro, isso é opinião do diretor/roteirista. Só ler algumas biografias de santos católicos e você verá que sim, existe amor perfeito e sem interesse, o que é puro reflexo de Deus.

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