por Fernando Labanca
Assim como em outros trabalhos do diretor, "Melancolia" também é dividido em capítulos, mas neste caso, em apenas dois: Justine e Claire. Um é uma continuação do outro, mas são bem distintos em suas idéias. Na primeira parte, vemos o passar de uma só noite, o casamento de Justine (Kirsten Dunst), já no segundo, o roteiro nos apresenta a aproximação de um outro planeta, o que poderia ocasionar uma colisão com a Terra, logo, o fim do mundo.
Na noite de seu casamento, Justine aparenta estar feliz com o grande acontecimento, até que tem uma série de atitudes estranhas e inesperadas e aos poucos vai se mostrando um tanto quanto depressiva, e todo aquele evento passa a ser um mar de superficialidade, ela fingindo que está feliz e os convidados fingindo se divertirem. Tudo fora um presente de sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) e seu cunhado, o arrogante John (Kiefer Sutherland). Justine não se encontrava ali, estava infeliz e a grande noite passa a ser um evento de decepções para todos, logo que suas atitudes acabam que tendo consequências.

Na segunda parte, conhecemos Claire e sua rotina, com seu marido e seu pequeno filho. John é um cientista e soube da notícia da aproximação de Melancolia, um planeta que estava se aproximando, e sua colisão com a Terra poderia ter terríveis consequências, mas sabia que havia uma pequena probabilidade disto acontecer. Até que ela recebe em sua casa, sua irmã, Justine, agora, de forma abatida, depressiva ao extremo, sem mais fé na vida, ela já não se importa com seu fim, diferente de Claire, que tem esperança de uma salvação, mas quando percebe que tudo está indo para o caos, acaba perdendo seu controle e equilíbrio emocional que sempre provou ter.

"Melancolia" começa com uma série de imagens um tanto quanto estranhas, uma espécie de prelúdio nos antecipando de alguns eventos futuros, ao som de música clássica, von Trier nos apresenta seu filme mais completo, visualmente falando, é tudo hipnotizante, é belo, suas cores, a fotografia é fantástica, mesmo não fazendo sentido algum de imediato. Toda trilha é instrumental e forte, conversa bem com as cenas, e consegue transmitir as emoções de forma correta, mas seu visual é o que realmente mais chama a atenção. É diferente, parecem quadros de pinturas reais, nos remete um pouco uma mistura de pré-rafaelismo com surrealismo.

O roteiro é lento, tudo acontece de forma gradual. No primeiro capítulo, ele nos mostra a superficialidade daquela noite de Justine e como ela se encontrava num estado profundo da depressão, já na segunda, vemos a transformação gradual de Claire para este estado de choque. Isto é o que vemos de imediato, como primeira parte de uma interpretação, já na segunda parte desta interpretação, assim como todo trabalho de Lars von Trier, é uma obra bem pessoal, subjetivista, como consequência, cada público enxerga os eventos de maneira particular também, o filme deixa isto em aberto, não há como chegar numa conclusão concreta. O que vejo, na verdade, é a Melancolia aparecendo como duas formas distintas, uma emocional e uma mais física. Como forma de sentimento, a melancolia toma conta das personagens, em Justine ela já fazia parte e vamos assistindo ela indo ao fundo poço, diferente de Claire que vai se degradando, aparentemente era o pilar da família, forte e equilibrada, mas quando a vida é questionada e ela se depara com o caos, ela perde o controle, é onde realmente conhecemos ela, quando enxergamos sua fraqueza, ainda há uma terceira oposição, que seria John, aquele elemento na história que parece suportar tudo, mas compreendemos que isto era apenas uma casca que ele vestia, e acaba que tendo a mais surpreendente atitude dentre todos. E melancolia, em forma física, a peça que vai guiando os acontecimentos e graçás a sua presença, conhecemos os verdadeiros limites de cada personagem.

Lars von Trier também questiona a vida, existe realmente algum motivo para querermos viver? Vemos isso em Justine, que abatida não mais enxerga o porque de torcer contra o choque com Melancolia, e não possui palavras para fortalecer sua irmã, só consegue dizer que existe infelicidade, nem sempre as coisas são boas com a gente. É interessante analisar também o relacionamento com Justine com seu pequeno sobrinho, onde ele passa o filme inteiro tentando criar uma conexão maior com ela sem perceber o estado crítico em que ela se encontrava, é quando que no final, ela lhe oferece a única coisa que ela podia ali naquele momento, mesmo que não acreditasse, a esperança, era somente isso que ele precisava e somente ela percebera. "Melancolia" também nos prova o quão pequenos nós somos diante do universo e o quão sózinhos estamos neste grande planeta, e quando vemos ao filme temos este sentimento de solidão, parece não haver mais nada na Terra, somente aquela mansão onde vive a família. Esta é a ficção científica de von Trier, ele não perde tempo mostrando o quanto a colisão poderia afetar o mundo, mas sim, aquelas quatro pessoas.

Kirsten Dunst está realmente fantástica, não haveria como compreender Justine somente com o texto, precisávamos de uma grande atriz para transmitir toda a bagunça que há na mente da personagem, todas as suas oscilações, do humor ao tédio, da felicidade à forte depressão, da superficialidade de seu sorriso, do vazio do seu olhar, da esperança inexistente, do cansaço de seu andar, enfim, personificação incrível. Charlotte Gainsbourg também faz bonito, já havia trabalhado com Lars von Trier em "Anticristo" e prova aqui mais uma vez seu grande talento. Kiefer Sutherland até que me surpreendeu, não vi ali na tela um Jack Bauer, vi um ator competente. De resto do elenco, ótimos atores, personagens inúteis que nada alteram o resultado final, despediçando nosso tempo com seus diálogos.
Como citei acima, há um certo desperdício de tempo em "Melancolia", poderia ter sido resumido, sem sombra de dúvida, é um filme longo, por sua monotonia, parece ser mais longo ainda. Na primeira parte, no casamento, há ótimas sequências, mas quando percebemos que mais da metade delas poderiam ter sido cortadas pois nada explicam o que já era difícil e não fazem diferença alguma na conclusão final, digamos, dá uma certa raiva. Personagens entram e saem de cena e perguntamos, o que foi isso? Era realmente necessário? Falo disso, principalmente quando penso na presença do ótimo Stellan Skarsgard que faz o chefe de Justine, é simplesmente inútil sua passagem e o pior que há inúmeras delas, além de vários outros personagens que não fazem o menor sentido. Na segunda parte, há vários diálogos e cenas desnecessárias, é tudo muito parado, já havíamos percebido o quando Justine estava mal, mas parece que Lars von Trier não queria deixar dúvidas nessa parte, assim como as inúmeras verificações da aproximação de Melancolia, são chatas, não precisava.

E este foi o maior erro do filme, se extender por pouco, toda esta extensão não facilita sua compreensão, é tudo muito aberto, subjetivista, a reflexão maior acontece em nossa mente e não na tela, pelo contrário, parece ser algo vazio, cenas bizarras saídas da mente de Lars von Trier, o filme em si, é pouco reflexivo, é ousado somente no visual, suas idéias parecem pequenas, não há diálogos marcantes, é longe de ser criativo e intenso quanto "Dogville" ou polêmico quanto "Anticristo", é uma obra pequena perto de sua grande carreira, não que eu esperasse um filme prontinho, com conclusão dada de mão beijada, mas acredito que seja possível se fazer obras subjetivistas, com aberturas para reflexões mais profundas. No fundo, "Melancolia" não vai muito além de uma sequência de imagens nonsenses, feitas por um diretor superestimado. Vale conferir, mas não espere muita coisa, confesso que tinha grandes expectativas, e no final, senti uma grande decepção.