quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Crítica: Bacurau

Ninguém solta a mão de ninguém.

por Fernando Labanca

"Bacurau" marca o aguardado retorno do cineasta Kleber Mendonça Filho, depois de lançar duas obras marcantes no cinema nacional recente: "O Som ao Redor" e "Aquarius". E já vem de uma trajetória premiada, logo que seu novo filme conquistou algo histórico: o almejado Prêmio do Júri no Festival de Cannes. É assim que ele se firma como a voz mais relevante da produção brasileira e seu novo longa vem para fazer barulho. É audacioso. É grande. Uma obra potente de quem tem muito a dizer e que tem potencial para ser lembrada daqui muitos anos. 

Cidade pequena do sertão pernambucano, "Bacurau" também é o nome dado para uma ave de hábitos noturnos. Ali vivem pessoas humildes em uma região afastada de tudo e de poucos recursos. Eis que eventos incomuns os fazem acreditar que estão sendo atacados. É neste momento em que todos os moradores se unem, não apenas para desvendar o que está acontecendo, mas também para revidar com a mesma crueldade aqueles que os exterminam. É desta forma que Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles constroem um inusitado e revigorante filme de terror. No entanto, diferente do que vimos nos trailers, nada fica muito na sugestão ou mistério. Seu produto é direto e logo nos apresenta seus reais vilões, o que em momento algum diminui seu poder de surpreender. É tenso, instiga por cada passo dado e nos faz vibrar por suas ótimas viradas do final. Inclusive, a experiência de ver no cinema é ótima porque as pessoas, inevitavelmente, reagem com fervor suas saídas tão explosivas. 


O que torna esta experiência ainda mais gratificante é a brilhante ambientação do filme e como o roteiro, tão bem desenhado, nos insere naquele universo e nos faz sentir como parte de Bacurau e de toda sua violenta vingança. É bem construído, desde o mistério até a forma como cada personagem é revelado. A rotina pacata daquelas pessoas, o tiozinho do violão, a senhora sentada do lado de fora de casa, as crianças brincando quando tudo parece tão errado. Existe vida em cada cenário, em cada rosto, em cada virada de câmera. Existe alma nos abraços, na luta e em cada vitória. Quem mora em Bacurau é gente. Somos todos nós. 

Bacurau é resistência, é aquela história de não soltar a mão de ninguém, porque nosso inimigo tem rosto. Mendonça e Dornelles ilustram o Brasil do futuro pós-Bolsonaro ou o país que projetamos diante de nosso medo reflexo de tantos discursos de ódio. É o país onde a execução se tornou pública. Assusta porque dentro de sua ficção traz muitas verdades. O texto crítico ainda aproveita para trazer de forma cômica uma bem-vinda sátira sobre as separações que existem em nossos estados e em como algumas regiões se sentem superiores a outras. Ao revelar seus vilões sanguinários, também se vê a xenofobia e como nós, latinos, somos vistos como puramente selvagens pelos norte-americanos. Aliás, os estrangeiros são tratados de forma bem caricata aqui. Diverte, mas a mudança de tom ao conduzir as sequências desses inimigos é um pouco desconfortável e de uma qualidade às vezes questionáveis. 

A obra ainda revela grandes atuações de seu potente elenco, com destaque para Thomas Aquino, Silvero Pereira e Sônia Braga. É interessante a dinâmica que existe entre todos os personagens e como o roteiro os permite trilhar por diversos gêneros, passando pela comédia, o terror e pela ação hollywoodiana. Aquele produto que está sempre criando uma saída nova, se ressignificando, ganhando novas camadas. É muita coisa dentro de um único filme e tudo funciona incrivelmente bem. Poucas vezes, nos últimos anos, o cinema nacional foi tão corajoso e grandioso como aqui. "Bacurau" entra para aquele seleto grupo de longas que sobrevivem ao tempo, que viram referência, que se tornam clássicos. Temos aqui uma obra grandiosa, impactante, que nos faz vibrar e sair da sala com o coração preenchido, com um puta orgulho da produção nacional. 

NOTA: 9,5



País de origem: Brasil, França
Ano: 2019
Duração: 131 minutos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Diretor: Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles
Roteiro: Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles
Elenco: Barbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Sônia Braga, Udo Kier, Karine Teles


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