quarta-feira, 18 de março de 2020

Crítica: Um Lindo Dia na Vizinhança

Gostaria de ser meu vizinho? 

por Fernando Labanca

Em 2018 foi lançado o elogiado documentário sobre o apresentador norte-americano Fred Rogers, "Won't You Be My Neighbor?". Se trata de um filme sutilmente emotivo e que, no fim das contas, acaba revelando muito mais sobre nós do que sobre ele. É a história de um homem bom, uma divindade quase, que usa do seu poder de fala e sua influência na TV para ensinar às crianças questões sobre aceitação, medo e perdão. Diz sobre nós porque lá no fundo, tentamos buscar algo de podre dentro dele, algo que prove que essa santidade não passa de um personagem. A grande virada é justamente essa. Temos dificuldade em aceitar essa bondade genuína e sempre esperamos o pior na humanidade. É interessante, então, a decisão deste filme em tornar Fred um coadjuvante. Porque a história nunca foi sobre ele e sim sobre como a trajetória dele reflete em nós.

"Um Lindo Dia na Vizinhança" tem outro protagonista. Ele é o jornalista Lloyde Vogel (Matthew Rhys), que escreveu o artigo para a revista Esquire, no qual a obra é baseada. Um homem traumatizado por seus conflitos familiares e que tem uma reputação ruim enquanto profissional, logo que sua maior habilidade é encontrar o que há de pior sobre aqueles que escreve. Lloyde é convidado a falar sobre pessoas consideradas heroínas e Fred acaba sendo o único a aceitar ser entrevistado por ele. O filme, então, coloca esses dois seres completamente diferentes frente a frente. Enquanto Fred é o símbolo da bondade, Lloyde parece carregar o mundo em seus ombros, sempre amargurado, sempre indisposto. O papel do jornalista, curiosamente, passa a ser o nosso enquanto assistíamos aquele documentário. Ele cava a vida do apresentador para apagar essa imagem santa e encontrar algo de ruim que o torne parte desta sociedade podre na qual tanto acreditamos. 


O roteiro, sabiamente, transforma toda esta jornada em algo bem didático. Seria um grande erro em outro filme, mas aqui se encaixa quando estamos falando de um apresentador infantil. Chega a ser encantador em como eles fazem a vida caótica de Lloyde parecer um quadro do programa, onde até mesmo as vistas aéreas da cidade em que acontece são ilustradas por maquetes. É tudo lúdico e adoravelmente convidativo. O grande problema vem, porém, quando o protagonista soa estranhamente unilateral. Matthew Rhys é um bom ator, mas há pouco o que fazer com seu personagem tão limitado. Na tentativa de usar da imagem de Lloyde esta representação de uma vida amargurada, o texto ignora qualquer sentimento que saia deste campo. Ele está sempre cansado, triste, desiludido. Soa ainda mais forçado quando o roteiro abusa de clichês para falar sobre seus conflitos familiares. A infância difícil, o pai ausente, a doença terminal que os une. E nesta reciclagem de temas, acaba sendo difícil criar algum tipo de vínculo com o personagem ou se emocionar com este laço que ele cria com o apresentador e todas as lições de vida que ele acaba deixando pelo caminho. 

Em certo momento, Fred Rogers, enquanto conversa com o jornalista, pede para que ele dedique um minuto refletindo sobre as pessoas que ama e que moldaram sua personalidade de hoje. Curiosamente, a produção dedica exato um minuto em silêncio e Fred quebra a quarta parede e nos encara. É impossível, enquanto público, não pensar em alguém naquele momento. "Um Lindo Dia na Vizinhança" não é sobre Fred Rogers. É um convite para pensarmos sobre nós mesmos. O que nos molda e nossa capacidade em encarar nossos medos, nossa raiva, nosso poder em perdoar. Mais do que isso, nossa habilidade em aceitar a bondade que vem de fora e que custamos a acreditar. Ela existe e pode preencher um espaço que bloqueamos com muita facilidade. É, também, claro, um palco para Tom Hanks brilhar. Não haveria outro ator para estar aqui além dele. Um filme doce e que apresenta diversos momentos de reflexão, mas é pequeno perto do que poderia ser e decepciona ao ter em mãos um personagem tão intrigante quanto Rogers e desperdiçá-lo em um filme sobre um insosso e pouco original drama familiar. 

NOTA: 7


País de origem: EUA
Ano: 2019
Título original: A Beautiful Day in The Neighborhood
Duração: 107 minutos
Distribuidor: Sony Pictures
Diretor: Marielle Heller
Roteiro: Micah Fitzerman-Blue, Noah Harpster
Elenco: Matthew Rhys, Tom Hanks, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson




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