quarta-feira, 25 de julho de 2018

Crítica: Ilha dos Cachorros


Wes Anderson usa da simetria no mundo dos cachorros
para falar do desequilíbrio no mundo dos homens. 

Por Fernando Labanca

Vencedor do prêmio de Melhor Direção no último Festival de Berlim, "Ilha dos Cachorros" marca o retorno de um dos realizadores mais cultuados do cinema independente, Wes Anderson. Cores pastéis, movimentação rápida de câmera, closes em expressões, personagens deslocados e histórias de famílias rompidas. E claro, a semetria das composições estão lá, também, assim como o cinema irretocável e quase que artesanal de Anderson, que construiu ao longo desses anos, uma assinatura inigualável. Entretanto, acredito que ele nunca tenha sido tão atual como foi dessa vez. Sua obra que fala sobre questões sociopolíticas, aborda temas como xenofobia e intolerância, demonstrando uma maturidade em sua escrita e entregando um produto relevante nos tempos de hoje. 

Com uma estética que homenageia a cultura nipônica, somos levados para uma fictícia cidade japonesa, onde o cruel prefeito Kobayashi, que é muito fã de gatos, decide isolar todos os cachorros e levá-los para uma espécie de lixão depois que foram detectados com um vírus contagioso. O primeiro cachorro a partir foi Spots, o que desperta a ira de seu dono, o pequeno Atari, que também vive sob a tutela do prefeito. Ele consegue adentrar a ilha e junto com um grupo de cachorros que acaba encontrando por lá, parte nessa aventura para reencontrar seu fiel companheiro. Enquanto isso, na cidade, um grupo de estudantes liderados por Tracy Walker, decide descobrir os verdadeiros planos de Kobayashi por trás deste injusto abandono dos cães. 


Para os amantes do cinema de Wes Anderson, "Ilha dos Cachorros" é um prato cheio. E o filme não é só bom porque recupera essa identidade do cineasta, mas principalmente porque é bem escrito e incrivelmente bem filmado. É de espantar a qualidade técnica da obra, que através do stop motion, encontra saídas inovadoras, auxiliada por belos efeitos visuais práticos, iluminação, edição e uma marcante trilha sonora do premiado Alexandre Desplat. Anderson continua sendo um diretor caprichoso e assustadoramente atento aos pequenos detalhes. Apesar dos maneirismos, ele cresce e entrega um de seus melhores trabalhos. O roteiro, assinado por ele ao lado de Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura é bastante esperto e ágil, trazendo um humor afiadíssimo, divertindo em diversos momentos e, surpreendentemente, encantando em tantos outros. É uma trama emocionante sim, que toca com seus inesperados instantes de comoção. Um filme fofo, que aposta em nossa afeição aos cachorros, nessa ligação tão forte que temos com eles. Mais do que isso, nos identificamos com seus excêntricos personagens que estão sempre deslocados, a procura de um canto e alguém que seja seu. 

Me incomoda, porém, como o roteiro coloca os japoneses como seres raivosos incapazes de encontrar uma solução e acabam sendo dependentes dos americanos que surgem para salvar a pátria. A presença da intercambista Tracy é lamentável nesse contexto e piora quando paramos para pensar na pouca diversidade existente na filmografia de Anderson que sempre esteve aliado ao seu tão amado so-white-cast. Mas Ok, seguimos. Precisamos dizer, também, que seu elenco de dubladores é excelente e dão vida aos ótimos personagens. As vozes de astros como Bryan Cranston, Greta Gerwig, Jeff Goldblum, Bill Murray, Edward Norton e Scarlett Johansson se encaixam perfeitamente. 

"Ilha dos Cachorros" pode ter diferentes interpretações, mas de qualquer forma, funciona ainda mais nesse contexto em que norte-americanos precisam lidar com essas medidas anti-imigração de Donald Trump e questões como intolerância estão sempre em debate. É um roteiro criativo, que brinca com assuntos sérios e apesar de ser uma animação, definitivamente, os adultos farão maior proveito. Sensível, engraçado e inteligente, temos aqui uma trama que empolga do começo ao fim e prova que Wes Anderson consegue aperfeiçoar aquilo que ele tão bem já conhece. 

NOTA: 8,5



País de origem: EUA
Título original: Isle of Dogs
Ano: 2018
Duração: 107 minutos
Distribuidor: Fox Film do Brasil 
Diretor: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola, Jason Schwartzman, Kunichi Nomura
Elenco: Bryan Cranston, Liev Schreiber, Bill Murray, Jeff Goldblum, Edward Norton, Scarlett Johansson, Greta Gerwig, Frances McDormand, Tilda Swinton



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