Em 2001 chegou aos cinemas uma incrível obra chamada “Um
Grande Garoto”, comédia dramática bastante sensível e divertida que revelou o
diretor Paul Weitz, que até então tinha apenas se aventurado no primeiro filme
da saga “American Pie”, e ao longo desses anos ele realizou alguns trabalhos de
qualidade duvidosa, outros, até interessantes mas pouco conhecidos. Eis que
este ano me deparo com um filme que me recordou o porquê de eu admirar tanto o
trabalho deste cara, surge tão bom quanto em seu início de carreira, “A Família
Flynn”, drama com Paul Dano e Robert De Niro, que aqui no Brasil teve o azar de
ser lançado diretamente nas locadoras, o que é uma grande pena, pois se trata
de um filme poderoso, conflitante, surpreendentemente bom.
Por Fernando Labanca
Baseado no livro “Another Bullshit Night in Suck City”
escrito por Nick Flynn, o filme acompanha o embate entre duas vozes, a de
Jonathan Flynn (Robert de Niro) que narra sua incrível jornada sendo, segundo
ele mesmo, um mestre em contar histórias, um dos nomes mais importantes da
literatura norte-americana. Por outro lado, vemos sua própria história sendo
contada por seu filho, Nick Flynn (Paul Dano) que perdeu a mãe por suicídio e
que fora abandonado por ele, seu pai, que não o vê há dezoito anos. É então que Nick nos
revela o verdadeiro Jonathan, passou pela prisão por ações ilegais, perdeu a
casa e seu carro, no qual o usava para trabalhar como taxista, é um alcóolatra,
um indigente, perdido no mundo. Até que Nick, que é um aspirante escritor, que tão
transtornado pelos acontecimentos de sua vida, decide ajudar o próximo,
trabalhando em um centro comunitário, que ajuda moradores de rua, é onde,
depois de tantos anos, se reencontra com seu pai e se vê obrigado a resolver os
problemas e conflitos que os levaram até ali.
“A Família Flynn”, certamente, beira a genialidade com seu
mais que brilhante roteiro, também assinado por Paul Weitz, narrando a
trajetória destes dois personagens, e que personagens! É muito incrível e muito
sábio o uso da narração em off, permitindo que eles nos revelem quem são, o que
sentem, mesmo que Jonathan seja incapaz de afirmar sua verdadeira condição, é
onde entra Nick, que vê tudo, até mesmo o pai que nunca teve. É Nick quem dá
vida a seu pai, que se não fosse por suas palavras, talvez ele nem mesmo
existisse, ele dá um rosto ao nome, lhe entrega alma e uma chance de redenção.
É simplesmente belo este embate entre pai e filho, seus conflitos, suas crises,
o insistente dom que ambos tem em negar o que são, em aceitar suas fragilidades,
o sofrimento de Nick em compreender seu mundo altamente abstrato, de uma mãe
tão terna que o deixou, de um pai que lhe deu sua vocação, ser um escritor,
mesmo que ele nunca tenha sido um, mesmo que a “obra-prima” que Jonathan
dedicou sua vida inteira escrevendo nunca tenha realmente nascido. Jonathan,
aliás, é um personagem fantástico, é triste vê-lo ao fundo do poço enquanto ele
acredita ser um artista. A relação de ambos é conflituosa, tensa, digna de
cenas marcantes que ficarão na memória, com direito a diálogos extremamente
belos.
O grande acerto da obra foi na delicada construção dos
personagens, Jonathan e Nick são tão humanos que chocam, há uma complexidade
enorme em cena que faz da trama algo imprevisível, longe de ser facilmente
entendida, há muito sentimento em jogo, o transformando em um filme
extremamente tocante, belo, angustiante, sem deixar de ser carismático, gostoso
de ver. A grande ideia se torna ainda
mais interessante, quando colocam estes personagens em um cenário tão
fragilizado quanto eles, em constante degradação, jovens que se perdem nas
drogas e homens que batalham por um simples abrigo, em ter onde dormir nas
noites frias em que a história ocorre e são esses elementos que dão um toque
ainda maior de realismo ao filme.
Claro que nada disso teria dado certo sem os dois atores
selecionados. Paul Dano, que é tão jovem, mas que já realizou ótimos
personagens e já esteve em grandes filmes, realiza, mais uma vez, uma grande
interpretação, se entrega a Nick, lhe dá todo o sentimento e fúria que ele
necessitava. Ao seu lado, Robert De Niro em seu melhor momento em anos, se
muitos apontaram seu “bom retorno” com “O Lado Bom da Vida”, que lhe rendeu uma
indicação ao Oscar, digo que não é nada comparado a grandeza do que ele realiza
aqui, isto sim, uma grande atuação, fazendo jus a sua carreira. Paul Weitz dá a
chance que De Niro precisava e ele aproveita ao máximo, faz de Jonathan Flynn
um personagem único, memorável, o anti-herói que há tempos o cinema não nos
presenteava. E ambos juntos nos revelam um jogo de cena interessante, um show
de interpretação. No elenco, ainda vemos a sempre magnífica Julianne Moore e a
competente Olivia Thirlby.
O roteiro é belíssimo e muito bem arquitetado por Paul Weitz que também capricha na direção, nos entregando cenas incríveis, com uma edição bem pensada e cortes que provam a grande genialidade da obra. Quanto a trilha sonora, o diretor retorna a parceria que tanto deu certo em “Um Grande Garoto”, com o músico Badly Drawn Boy, compondo canções que engrandecem as cenas e complementam a beleza deste grande filme. "Being Flynn" é sobre estes dois seres tentando quebrar uma barreira para se conectarem, se conectarem como um pai e filho, onde nas cartas que durante anos os manteve ligados, nas palavras, na literatura, na ficção que aprenderam a apreciar, encontraram um lugar seguro para se sentirem maiores do que realmente são, mais penetráveis, e o que vemos é, na verdade, o momento em que eles precisam enfim encarar a realidade, pisar no chão e sentir de vez este mundo que eles tanto evitaram, perceber que eles tem alguém com quem contar. Em suma, mais uma obra-prima que passa despercebida pelos cinemas brasileiros e vão direto ao esquecimento, longe do grande público, sorte daquele que o achar, pois é, definitivamente, um filme maravilhoso, que me deixou sem palavras ao seu final, por sua inteligência, pela delicadeza ao compor personagens tão humanos que são interpretados por dois atores incríveis, Paul Dano e Robert De Niro. Poderoso, impactante, realista, um dos filmes mais sensíveis que vi (e senti) este ano.
NOTA: 9
País de origem: EUA
Duração: 102 minutos
Elenco: Paul Dano, Robert De Niro, Julianne Moore, Olivia Thirlby, Lili Taylor
Diretor: Paul Weitz
Roteiro: Paul Weitz
O filme é uma pérola, uma amarração em palavras. A mesma palavra que liberta, aprisiona na angústia de tentar se fazer representar...uma obra prima!
ResponderExcluirMUITO BOM, FIZ DIVIDIDO ENTRE OS DOIS PROTAGONISTAS,TENSO,ÓDIO, AMOR, AMRGURA, ENFIM FAMILIA
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