Baseado no livro de
Boris Vian, importante obra da literatura francesa escrita no final
da década de quarenta, “A Espuma dos Dias” conta com a direção
de Michel Gondry (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) que
abusa do surrealismo, construindo algo bizarro, estranhamente
encantador, uma espécie de fábula adulta onde tudo é possível.
Simplesmente incapaz de ser comparado a qualquer outro filme já
feito.
Por Fernando Labanca
Colin (Romain Duris) é
um bom vivant, um homem que não trabalha e passa seu tempo com
invenções futurísticas, como as mesas ondulares, um
piano que produz bebidas de acordo com suas notas musicais, sapatos
com vida própria, entre outras coisas. Divide sua casa com um antigo
amigo e cozinheiro Nicolas (Omar Sy) e um pequeno rato que age como
um humano. Recebe sempre a visita de outro amigo, Chick, que é
obcecado pelos pensamentos de Jean Sol Partre e costuma gastar todo
seu dinheiro em seus livros. Até que, percebendo que tanto Chick
quanto Nicolas estavam se relacionando com uma mulher, Colin decide
fazer o mesmo, é então que conhece Chloe (Audrey Tatou), uma bela e
encantadora moça que fará ele se apaixonar perdidamente. Eles se
casam com o pouco dinheiro que lhes restavam, eis que não demora
muito até que Chloe descobre que sofre de uma doença rara, um
nenúfar está crescendo em seus pulmões. Para salvá-la, Colin
abandona seu modo de vida e se entrega aos mais absurdos trabalhos a
fim de sustentar o caro tratamento, mesmo ela não indicando nenhuma
melhora.
Desde a primeira cena,
o filme já nos alerta, estamos diante de algo extremamente inovador,
diferente de tudo que estamos acostumados a ver, um universo onde
tudo é possível, onde não há lógica, pessoas voam para chegar
mais rápido nos lugares, sombras e comida possuem vida, casais
precisam correr de carrinho de brinquedo para conseguir se casarem,
um mundo onde limusines são transparentes e existem carros em
formato de nuvem. Esqueça o que você conhece sobre a realidade,
Michel Gondry desconstrói a lógica do cinema, a lógica da própria
vida e mesmo levando tudo isso consideração, “A Espuma dos Dias”
pode ainda não ser compreendido, porque de fato, nada faz muito
sentido, muitos até se esforçarão para encontrar alguma metáfora,
mas talvez a graça seja realmente essa, não encontrar o sentido.
Essa fuga de paradigmas e conceitos passa a ser uma experiência
muito única e só por esta experiência, o filme já vale muito a
pena.
Por um lado, essas
inovações mirabolantes de Michel Gondry são admiráveis, a cada
nova cena, milhares de novos artefatos, engenhosidades de extrema
criatividade, raros no cinema, é de chocar se pararmos para pensar
todo o trabalho da produção. Entretanto, infelizmente Gondry não é
capaz de dar a essas criações um motivo para estarem ali, não
alteram a narrativa, não interferem em nada, por fim, acabam sendo
meros objetos de cena, mas que erroneamente possuem um destaque muito
grande na trama. Tenho a sensação que o diretor se perdeu em sua
própria grandeza, deu tanta importância a essas engenhosidades que
esqueceu os próprios personagens, havia uma bela história a ser
contada, mas ela sempre acaba ficando em segundo plano.
“São as coisas que
mudam, não as pessoas”. Esta frase é fundamental para toda a
construção e compreensão deste universo. Enquanto Colin tenta
sempre ver o copo meio cheio, jamais enxergando
suas incapacidades, jamais pensando que poderá perder aquela mulher
que mais ama, aquele universo em que ele mesmo criou
vai perdendo a vida aos poucos, curiosamente sua casa vai diminuindo,
e a fotografia, tão genial, expõe, visualmente, os sentimentos dos
personagens, que perdem a cor ao decorrer da trama. Se ao início, o
filme explodia em detalhes e cores, terminamos assistindo a uma obra
em preto e branco. A fotografia, por sua vez, é bastante crua,
deixando tudo muito real, por mais que haja este universo fantasioso, ele é muito crível, isso ocorre também, devido a maneira como são
usados os efeitos especiais, com uma plasticidade retrô, apesar de
futurístico, me lembrando, por vezes, programas infantis da década
de noventa, é tudo bastante nostálgico. “A Espuma dos Dias”
também apela para o humor, bem peculiar, mas que funciona, diverte,
mas aos poucos, assim como suas cores, o humor e aquele romance
delicado e gostoso de ver dá espaço para o pessimismo, a angústia,
é, por fim, uma obra melancólica.
“A Espuma dos Dias” é muito diferente daquilo que vendeu nos trailers, pode ser um choque para muitos, principalmente aqueles que desconhecem a obra de Michel Gondry. Faz diferença também conhecer um pouco do autor do livro, Boris Vian, que aliás, eu desconhecia, estudou engenharia, é um apreciador do Jazz e de Jean Paul Sartre, são apenas detalhes, mas que trás um pouco mais de sentido à história, pois são, nitidamente, a base para a construção da obra. Confesso que achei tudo muito interessante, mas ainda assim, este interesse causado pela criatividade de cada sequência não foi capaz de prender tanto a atenção, não se mantém num bom ritmo, chegando a ser tedioso, por algumas vezes. Ainda assim, é belo, a presença de Romain Duris e Audrey Tatou ajudam e muito, são extremamente incríveis e funcionam perfeitamente bem juntos, o que acaba sendo uma pena o roteiro e a direção não ter percebido a força deles, a força da história do casal principal, os conflitos, os dramas, sempre se distancia de tudo isso, focando em personagens sem o mesmo carisma e importância, focando nas criações de Michel Gondry que nada interferem na história. É bom, é inovador, encantador, mas faltou alma, faltou sentimento, teria sido perfeito se Gondry percebesse que esses elementos ele encontraria nos personagens e não em seu cenário. Gostei, apesar dos inúmeros e nítidos defeitos, só não superou minhas expectativas, não é tão bom quanto eu esperava e queria, mas ainda assim, recomendo.
País de origem: França
Duração: 125 minutos
Elenco: Romain Duris, Audrey Tautou, Omar Sy, Gad Elmaleh
Diretor: Michel Gondry
Roteiro: Luc Bossi, Michel Gondry
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