sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Crítica: Minha Nova Vida (How I Live Now, 2013)

Baseado no premiado livro de Meg Rosoff, "Minha Nova Vida" conta com a direção de Kevin Macdonald (O Último Rei da Escócia, 2006). O filme nos mostra, através de cenas marcantes, a jornada e as transformações de uma jovem enquanto seu país vive um caótico início de Guerra. Forte e cruel, o longa surpreende por sua coragem e por encontrar poesia e beleza onde não há.

por Fernando Labanca

O filme inicia quando a protagonista Daisy (interpretada por Saoirse Ronan) - com seu visual rebelde - chega à Inglaterra, onde fica hospedada na casa de seus primos distantes, pessoas com quem não tem nenhum tipo de contato, os pequenos Isaac (Tom Holland) e Piper (Harley Bird) e o mais velho de todos, Edmond (George MacKay) que logo lhe desperta o interesse. O país vive num momento tenso e cheio de incertezas, controlados por militares, os cidadãos vivem aterrorizados por uma iminente Terceira Guerra Mundial. Distantes de todo esse sofrimento, numa casa de campo, os jovens tentam manter sua segurança e liberdade naquele pequeno pedaço de terra, entretanto, logo são obrigados à partirem, separando os membros da família e dando uma única certeza para Daisy, escapar da Guerra e reencontrar aqueles que aprendeu a amar.


O escocês Kevin Macdonald é um diretor extremamente talentoso e o olhar que ele trouxe sobre esta trama a tornou melhor do que provavelmente teria sido. Há algo de muito curioso e instigante em "How I Live Now", méritos do bom roteiro também, que vai deixando inúmeras lacunas em seu desenvolvimento, principalmente sobre a Guerra que ocorre além dos muros onde vivem os personagens centrais. A preocupação maior do filme está em mostrar como aqueles jovens viveram naquele período caótico, resumindo explicações sobre os conflitos na Inglaterra à rápidas aparições em televisores ou rádio, deixando sempre um suspense sobre o que exatamente acontecia ou como havia começado. Em nenhum momento tais informações fazem falta, os obstáculos e as transformações ocorrem em seus personagens, é sobre essas crianças que vivem neste mundo incerto, como se o que acontecesse do lado de fora não importasse, com tanto que sobrevivessem, com tanto que permanecessem ao lado daqueles que amam. Há um constante choque entre a inocência dos protagonistas com o cenário sujo em que são submetidos a caminhar, vivendo o fardo dos erros que não cometeram, da humanidade que aparentemente desconheciam. E este embate entre a felicidade quase que fantasiosa com à realidade crua e chocante é o que torna o longa tão impactante, tão doloroso, e ao mesmo tempo, tão único.

O filme é praticamente dividido em duas parte, e visualmente são completamente distintas. Até certo ponto, acompanhamos Daisy se adaptando a um lugar que desconhece, convivendo com seus primos e vivendo um breve romance com Eddie. O segundo momento ocorre quando todos eles são obrigados a sair da casa em que moram e passam a encarar a Guerra de frente. O diretor acerta e muito nesta divisão e suas escolhas visuais provam isso. Seu começo é belo e poético, há cenas realmente incríveis e inspiradoras, mas que logo se transformam, tudo se torna obscuro, realista, chocante, onde Macdonald acaba por revelar uma coragem assustadora para o gênero, nos surpreendendo com sequências fortes e inesperadas. Por trás dessas qualidades, o longa se torna mais arrastado na segunda parte, os instantes em que Daisy está a procura de sua família chega a ser um pouco entediante, ainda que tudo volte ao eixo em seu ótimo e comovente final. Outro erro que acaba incomodando é o fato de que não fica muito claro essa relação da protagonista com os demais, é tudo muito rápido e pouco convence sobre o afeto que sente, item que teria dado mais força à todo o resto da trama.

"Mas e se conseguirmos passar por isso e houver vida do outro lado?
Se houver...quero estar aqui, com você. É assim que quero viver."


Saoirse Ronan é, com certeza, uma das atrizes mais brilhantes de sua geração, que continua surpreendendo a cada nova interpretação que apresenta. Surge aqui com uma personagem difícil, que tem pouco tempo e espaço para suas breves transformações, que são drásticas, da jovem alienada e ríspida, se torna naquela que protege, que se preocupa, que ama. E ela deixa essa evolução evidente, e demonstra uma força, coragem e versatilidade muito rara. O elenco de apoio não decepciona e revelam uma deliciosa harmonia, causando uma empatia fácil no público, como os jovens talentosos Harley Bird e Tom Holland. O casal apaixonado também funciona, graças a boa química entre Ronan e o ótimo George MacKay.

"Minha Nova Vida" merece uma chance, tem lá seus erros, no entanto, vale a conferida, pela história que acaba surpreendendo, pelos atores e pela belíssima direção de Kevin Macdonald, que transforma cada pequeno gesto num grande espetáculo. A fotografia também se destaca, principalmente por diferenciar cada momento do filme, conseguindo dialogar seu visual com aquilo que os personagens vivem em cada fase, exteriorizando seus sentimentos e a maneira como encaram cada instante. A trilha musical encaixada na trama é das boas, enaltecendo este espírito jovem e revigorante que o longa tem, da empolgação eletrizante de Amanda Palmer às mais calmas de Nick Drake e Daughter. Gostei desta dualidade que o filme cria, deste constante embate entre inocência e crueldade, beleza e caos, deste mundo controlado por homens sob o ponto de vista dos menores. destes que burlam as regras, que procuram um escape, que almejam a liberdade, que lutam por viver no mundo em que eles mesmos criaram. Recomendo.

NOTA: 8,5



País de origem: Reino Unido
Duração: 101 minutos
Elenco: Saoirse Ronan, George MacKay, Harley Bird, Tom Holland
Diretor: Kevin Macdonald
Roteiro: Jeremy Brock, Penelope Skinner, Tony Grisoni





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