sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood, 2014)

"Boyhood" foi um dos filmes que mais esperei nesses últimos doze meses e é com ele que concluo mais um ano aqui no blog. Mais do que uma das melhores obras de 2014, o longa dirigido por Richard Linklater, pode ser citado como uma das obras mais ambiciosas dos últimos tempos. Filmado durante 12 anos, a sensação que temos ao assistí-lo e ver seu elenco envelhecendo, ali na tela, é uma experiência nova, única, de uma coragem e genialidade que há muito tempo a sétima arte não presenciava. O cinema precisava disso. "Boyhood" representa muita coisa, é um marco, uma inovação. Nasce aqui uma obra-prima, em sua mais genuína forma.

por Fernando Labanca

Ao longo de 12 anos, o diretor Richard Linklater reuniu sua equipe para rodar seu filme, uma vez a cada ano, para mostrar a jornada e o crescimento de seus personagens. Ellar Coltrane, que interpreta o protagonista Mason, inicia as filmagens aos 6 anos e termina aos 18. Não haveria forma melhor para Linklater, que também assina o roteiro, relatar sobre o que pretendia, o tempo. E assim, acompanhamos todo seu elenco, que conta ainda com Patricia Arquette e Ethan Hawke como os pais de Mason e Samantha, interpretada por Lorelei Linklater. É muito curioso pensar como tudo isso foi feito, parece aquelas ideias malucas que alguém para e pensa: "e se gravarmos um filme durante vários anos? Como seria o resultado?". Penso que foi preciso muita coragem, disposição em fazer o melhor, dedicação em se doar a um único projeto, não só do diretor, mas de todos os envolvidos. É fascinante pensar nisso, para quem ama cinema, quem ama ver de perto essas histórias sendo contadas, é incrível poder ver algo assim, tão grandioso, tão genial, dando certo, quebrando qualquer padrão ou qualquer lógica. O resultado é mágico, muito mais do que ver os atores envelhecendo no mesmo filme, é ver e poder sentir as intenções que a obra teve, deste milagre em nos transportar ao passado, reviver uma vida que não foi a nossa, mas que poderia muito bem ter sido.


"Boyhood" é sobre a vida, sobre a rotina, sobre momentos. Por isso, não encontramos reviravoltas, surpresas, lições de moral, muito menos um clímax ao seu final. Acompanhamos de perto a jornada de Mason, um pequeno garoto que vive com sua irmã mais velha e sua mãe (Arquette), que é separada do pai (Hawke), que os vê esporadicamente. Os anos vão passando, e Mason vai atravessando alguns estágios da vida, a preguiça, a diversão e a liberdade da infância, a adolescência e suas crises, o colégio, a primeira namorada, a primeira depressão, os primeiros questionamentos, o primeiro trabalho, a faculdade.

É impossível não adentrar à trajetória de Mason. Vemos na tela partes da nossa própria vida, as brincadeiras, os vícios, os gostos musicais e principalmente os questionamentos do protagonista, pelo menos algum instante ou algum diálogo é sobre nós, sobre o que vimos e presenciamos. E por isso é tão bom assistí-lo, cada sequência é como voltar no tempo, é sentir aquele sorriso bobo saltando em nosso rosto ao relembrar detalhes tão banais da nossa antiga rotina, como aquela satisfação imensa em irritar o irmão ou a concentração máxima diante de um video-game. Muito mais do que nos dar essa chance de reviver, Richard Linklater consegue, com toda sua maestria, fazer o mais honesto e mais brilhante relato de uma geração, mais precisamente, a geração dos anos 2000, mostrando seus gostos e suas excentricidades, apostando na memória e no repertório cultural daqueles que viveram aqueles anos. Como foi bom começar o filme ouvindo "Yellow" do Coldplay e terminando ao som de Arcade Fire, e sua trilha musical, assim como tudo no longa, parece respeitar todos as preferências, sem julgamentos e sem níveis de importância, tudo é apontado como partes de uma história, de Britney Spears à Foo Fighters, de Lady Gaga à The Black Keys. Além das tantas citações da cultura pop, situando sempre a trama à época em que acontecia, como Dragon Ball, Harry Potter, Star Wars e Cavaleiro das Trevas, entre tantas outros.

É muito curioso essa experiência de ver como os personagens estão em cada ano, e isso é mostrado no longa de forma muito natural, às vezes mal percebemos o quanto Mason ou Samantha haviam crescido, não há choque, o tempo apenas flui diante de nossos olhos e mal nos damos conta do quanto todos estão envelhecendo, é tudo tão rápido, quase que imperceptível. Acredito que seja por isso que o filme consiga emocionar tão fácil, por vezes, sem a intenção, é doloroso sentir e ver a vida passando, ver o quanto não temos controle sobre o tempo, é cruel ver tudo o que deixamos para trás, como num piscar de olhos, tudo é passado, tudo é lembrança. Se na trilogia do "Amanhecer", Linklater havia inovado ao falar sobre o tempo, em "Boyhood" ele leva essa máxima a outro nível. É muito louco ver Ellar Coltrane em cena, ver o ator criança e depois de duas horas e pouco vê-lo se tornando um adulto, sem maquiagem ou qualquer efeito, é ele, apenas ele, suas próprias mudanças, sua própria evolução. E como ator, Coltrane não decepciona, constrói um Mason nada marcante, apenas um garoto, um ser humano qualquer, e isso foi bom. Por outro lado, Samantha, interpretada por Lorelei - filha do diretor - perde a força ao decorrer do filme, some e se torna descartável, quando na verdade, poderia ter sido uma personagem de maior importância. Ethan Hawke, sempre muito correto e Patricia Arquette, que surge inacreditavelmente boa, sua atuação é, de fato, o grande destaque do longa, emociona e passa muita verdade com seus diálogos. 

Em certo momento, o protagonista discute sobre sua ida a faculdade e sobre não achar que este seja o grande passo da sua vida. Dentre tantas coisas que "Boyhood" diz, a mais marcante acredito que seja exatamente esta, esta visão de que tudo o que nós vivenciamos é apenas um passo, a vida não é como um filme repleta de reviravoltas e provações, é apenas um passo de um caminho que seguimos às cegas, sem jamais saber para onde vamos ou que iremos fazer. E não importa o que façamos, estaremos sempre perdidos. O filme ainda debate sobre esta "padronização" da vida, o fato de nos identificarmos com a vida de Mason é porque todos nós somos levados a realizar as mesmas coisas, o colégio, a faculdade, o trabalho, é tudo como o personagem diz, é apenas um "espaço pré-determinado" reservados para nós, e nada disso definirá o que somos ou nos libertará da confusão que é a nossa mente. E que talvez passado e futuro não importam, nada adianta refletir sobre o que aproveitamos ou que aproveitaremos, os momentos são o agora, as chances estão no presente. É válido dizer, porém, "Boyhood" pode representar algo diferente para cada pessoa, cada um mergulhará nas histórias a sua maneira e retirará o melhor para si. Assista "Boyhood" e faça bom proveito. O filme obrigatório do ano. Genial parece pouco para descrever o que vi, uma experiência única, dolorosa, mas ao mesmo tempo, tão doce, tão delicada, tão honesta. Uma obra-prima. 

NOTA: 10



País de origem: EUA
Duração: 165 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater
Diretor: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater



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