quarta-feira, 1 de abril de 2020

Crítica: O Bebê de Rosemary

O medo causado pela incerteza.

por Fernando Labanca

Todo mundo tem aquele clássico do cinema que fica postergando para assistir e um dos meus sempre foi “O Bebê de Rosemary”. Por anos esteve na minha lista e só agora resolvi dedicar um tempo para ver. Lançado em 1968 e baseado no livro de Ira Levin, o filme é conhecido com um dos melhores títulos de terror da história, marcando época e servindo, até hoje, de referência para o gênero. Seu realizador, Roman Polanski, por sua vez, não conseguiu se manter nesse tempo e hoje tem seu nome sempre vinculado à polêmicas. No entanto, ele constrói aqui um cenário aterrorizante e devido suas escolhas conseguiu eternizar seu produto. É interessante perceber o quão precursor ele foi e como o terror psicológico foi trabalhado aqui, sem apostar em jump scare ou outros tantos recursos que poderiam prejudicar suas intenções. A grande sacada da obra são as dúvidas que o roteiro vai nos deixando, nos permitindo adentrar na história e ser tão paranoicos quanto sua forte protagonista. 

Ao início, somos apresentados a um casal que se muda para um apartamento em Nova York. Rosemary (Mia Farrow) é casada com Guy (John Cassavetes), um ator promissor, e juntos tentam um novo começo na cidade grande, local que decidem ter o primeiro filho. O clima de harmonia se altera quando os excêntricos vizinhos começam a invadir a vida deles, além das tantas histórias que passam a ouvir sobre o passado do mal assombrado edifício. Pouco tempo depois, após um terrível pesadelo, Rosemary descobre estar grávida e apesar da felicidade em conquistar o que queria, começa a adentrar em uma paranoia envolvendo o nascimento do bebê e as tantas situações incomuns que iniciam nesta sua nova rotina. 

Através de elementos do cotidiano, Polanski consegue construir uma atmosfera de extremo pavor. O medo nasce já pelo incômodo de assistirmos aquela frágil mulher tendo que enfrentar tamanha pressão. Seja pelo marido que nunca a apóia e apenas a pressiona pela forma como age ou até mesmo como corta seu cabelo. Seja pelo médico ou pelos novos vizinhos que controlam sua gravidez. É desconfortável vê-la tendo que lidar com tudo isso, ao mesmo tempo em que enfrenta um período tão delicado como dar vida a um filho. Por trás do terror desses eventos, a obra não deixa de ser um relato dessa pressão existente na vida da mulher, dela ter que se provar a todo instante enquanto precisa se encaixar perfeitamente ao que a sociedade espera dela enquanto mãe e esposa. Rosemary está sozinha em sua batalha e é desesperador enfrentar esta jornada ao seu lado. 


“O Bebê de Rosemary” coloca sua protagonista lidando com este estresse pós-parto e ao percebermos o quão desolada e vulnerável está, nos faz questionar se seus discursos fantasiosos não são apenas reflexo deste seu novo estado, de seu delírio. Rosemary, após receber um livro de bruxaria de um amigo próximo, passa a questionar a possibilidade de estar sendo vítima de algum pacto ou culto pagão. Há cada nova cena somos apresentados a uma nova pista que nos faz duvidar junto com ela. O medo da obra vem justamente desta incerteza, desta possibilidade de existir ou não um ritual macabro e de que os pesadelos que surgem na mente da protagonista podem não ser apenas alucinações. Os dois lados são possíveis e é brilhante como o filme consegue manter este suspense boa parte da trama. Sentimos a tensão porque não sabemos o que há do lado de fora daquele apartamento, porque não sabemos o que de ruim pode acontecer com aquela mulher ou com seu filho. 

Mia Farrow, em começo de carreira, surpreende como protagonista aqui. É incrível de assistir a transformação física e psicológica dela em cena, em como ela se transforma e torna tudo ainda mais convincente. Há garra mesmo na sua doçura, que nos faz torcer por ela, vibrar e se colocar em seu lugar a todo instante. Sua feição de espanto ao final é simplesmente memorável. Apesar da belíssima atuação, curiosamente, quem saiu vencedora do Oscar no mesmo ano foi a coadjuvante Ruth Gordon, que está ótima, mas nada que justifique tal prêmio. John Cassavetes surge carismático e cumpre bem o papel. 

Gosto de como a obra vai sendo construída aos poucos, como o roteiro vai revelando suas camadas e seus mistérios no tempo devido. Quando mal percebemos, estamos completamente imersos em seu universo e tudo isso se deve, não apenas ao excelente roteiro, mas a boa direção de Polanski que redefiniu aqui o terror, que desenhou uma nova forma ao medo. Os últimos minutos de filme são simplesmente hipnotizantes, eletrizantes e incrivelmente tensos. Apesar de não revelar tudo, revela o necessário, o suficiente para nos deixar atordoados muito tempo depois que termina. “O Bebê de Rosemary” é daquelas produções que ecoam na mente e nos deixam reflexivos, pensando sobre tudo o que nos foi mostrado. É a grande prova do quão longe o gênero pode ir, pode nos afetar. 50 anos nos separam mas, definitivamente, não envelheceu em nada.  

NOTA: 9,5


País de origem: EUA
Ano: 1968
Título original: Rosemary's Baby
Duração: 136 minutos
Distribuidor: Paramount Pictures
Diretor: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski
Elenco: Mia Farrow, John Cassavetes, Ruth Gordon

2 comentários:

  1. Revi em 2018 quando o filme comemorou os seus quarenta anos. Revendo, percebo que há uma possibilidade de que tudo que a gente viu no ato final da trama era na verdade a visão paranoica que a protagonista teve pós parto.

    https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2020/03/cine-dica-durante-quarentena-assista_31.html

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