segunda-feira, 24 de abril de 2017

Crítica: Fragmentado (Split, 2017)





A cada retorno de M.Night Shyamalan, os críticos e fãs do diretor se questionam sempre se ele enfim irá entregar um produto a altura de sua obra-prima,"O Sexto Sentido", e quando assistimos a um filme como "Fragmentado" não resta dúvidas de que esta é uma das perguntas mais injustas e patéticas do cinema. Sim, seu novo trabalho é incrível. E não, ele não tem a obrigação de provar nada para ninguém.

por Fernando Labanca

Gosto sempre de deixar claro quando sou suspeito para falar sobre algo e quando se trata de M.Night Shyamalan sou bem suspeito. Desde sempre acompanho a carreira dele e admiro muito suas escolhas até mesmo as mais duvidosas. Ainda assim, confesso, seus últimos trabalhos não me agradaram tanto, porém, de certa forma, sempre gostei do caminho que traçou e como ele sempre se recusou a fazer o que o público e os críticos esperavam dele. Há dois atrás quando lançou "A Visita", longe dos grandes estúdios, provou não ter perdido a forma e agora com "Fragmentado", o diretor volta a fazer o seu melhor. Creio que a obra seja a melhor de Shyamalan desde "A Vila" (2004) e olhando para os últimos anos, este é, sem dúvidas, seu projeto mais relevante e mais surpreendente de todos.


Com "Split", o diretor conseguiu fazer algo que tem se perdido em outros produtos do gênero. Não perde tempo com introduções desnecessárias e cenas que não acrescentam nada. Nos primeiros dez minutos de filme, o brilhante roteiro já havia entregado suas cartas e todas as suas intenções. Aqui não há enrolação e tudo acontece de forma rápida, sem nunca perder o ritmo e sem nunca parecer apressado ou confuso demais. É incrível como cada cena há uma nova razão para prestarmos mais atenção, mais uma razão para querermos adentrar àquele conturbado universo. A todo instante alguma informação importante surge e como consequência, ficamos cada vez mais fascinados por aquele jogo, por aquela situação e por seus ótimos personagens. Na trama, James McAvoy é Kevin, um psicopata que sofre de múltipla personalidade, guardando dentro de si 23 identidades completamente distintas, onde consegue alterná-las com a força de seu pensamento. Até o momento em que sequestra três jovens garotas e as aprisiona em uma espécie de porão. Entre elas está Casey (Anya Taylor-Joy) que reconhece seu distúrbio e passa a encontrar maneiras de usar esta descoberta a seu favor, manipulando as estranhas personalidades daquele homem misterioso, que vai desde uma criança de nove anos à uma elegante mulher.

É nítido que a proposta não teria dado certo sem o imenso talento de James McAvoy. Tudo o que o ator realiza em cena nos deixa boquiabertos e espantados com a destreza dele em dar vida a tantos personagens dentro de um só. É chocante certos momentos como quando uma personalidade precisa imitar a outra ou quando, no mesmo instante, sem corte algum, diferentes identidades ganham ação e McAvoy trilha com facilidade por todas elas. Um trabalho irreparável. Sorte a dele é, além de ter um texto brilhante e corajoso em mãos, poder contracenar com uma atriz como Anya Taylor-Joy. Descoberta recentemente no terror "A Bruxa", ela prova ter sido a escolha certa para protagonizar a trama. Dona de um olhar expressivo, Anya também tem a difícil missão de agir de formas diferentes ao longo do filme, sempre se alterando de acordo com que McAvoy apresenta diante dela. O diretor compreende a grandeza dessas atuações e deixa, por vários instantes, sua câmera estática e extremamente próxima a seus rostos e expressões. Betty Buckley também realiza um bom trabalho e sua personagem é peça crucial para a trama, logo que como sendo uma psicóloga ali, Shyamalan a usa para tornar seu universo mais compreensivo, se aprofundando no tema - o transtorno dissociativo de identidade - de forma convincente, às vezes, didático em excesso, mas sempre de maneira inteligente, sempre provando ter um embasamento muito grande sobre o que fala, o que torna tudo ainda mais instigante e mais interessante de assistir. Claro que como roteirista, ele não esconde seu fascínio pelo sobrenatural, dando tons fantasiosos à história, no entanto, por fim, acaba criando um debate válido sobre a doença e sobre a força do pensamento, em como a mente tem este poder de nos transformar, até mesmo fisicamente.

"Fragmentado" tem a habilidade de nos tirar o fôlego, de nos deixar assustados pelo inesperado desenvolver da trama e curiosos sobre como tudo pode acabar. De fato, o material que Shyamalan constrói não é nada fácil e mesmo com tantas dificuldades a serem resolvidas, ele consegue finalizar seu produto de forma mais que satisfatória. É brilhante todas as saídas que encontra e as boas surpresas que revela mantendo sempre a audiência atenta e mesmo que desta vez não aposte em um plot twist, ele não deixa de entregar um final surpreendente. M.Night Shyamalan prova que ele ainda é capaz de realizar um cinema de alta qualidade e quando soube que ele bancou este filme do próprio bolso, deixou ainda mais claro o quanto o que vemos na tela era o que ele queria e por ser seu fã, me sinto, estranhamente, orgulhoso de seu sucesso. E mesmo voltando no gênero que o consagrou, o diretor não deixa de inovar, de ainda percorrer caminhos ainda não percorridos e de trazer, diferente de muito outros filmes, um tom de humanidade e daquela sensibilidade já existente em sua filmografia. Encontro isso em seus diálogos e na complexidade e riqueza existente em cada personagem. Uma obra fantástica, incrivelmente bem escrita e dirigida. Me deixou extasiado, maravilhado, etc.

NOTA: 9





País de origem: EUA
Duração: 117 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: M.Night Shyamalan
Roteiro: M.Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula





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