Dirigido por José Eduardo Belmonte, "Se Nada Mais Der Certo" é mais um daqueles dramas nacionais que passam despercebidos pelo público, que se o acharem, acredito eu...terão uma grata surpresa. Um filme brilhante, extremamente bem conduzido, que choca por suas ideias e seus diálogos e encanta por sua poesia, pela natural beleza que consegue extrair de cada cena.
por Fernando Labanca
No caos de São Paulo, vivem esses seres, perambulando pelas ruas, vivendo uma rotina banal, sem rumo, Léo (Cauã Reymond) é um jornalista que tem sérios problemas financeiros e para piorar, divide seu apartamento com uma amiga, a depressiva Ângela (Luiza Mariani) e seu pequeno filho de seis anos. Até que certa noite, em uma badalada casa noturna, Léo conhece Marcin (Caroline Abras), que apesar de se vestir como homem e agir como mulher, prefere não definir seu sexo. Não demora muito até que Marcin lhe apresente um antigo amigo, o taxista Wilson (João Miguel), que acredita ter problemas mentais. Juntos, Léo, Marcin e Wilson começam a trocar experiências, revelam seus medos e a vulnerabilidade que sentem ao viver neste sistema sem lógica do país, é então que decidem fazer algo, por dinheiro, por uma chance de terem uma vida mais digna, começam a planejar alguns golpes, sem jamais imaginarem que esta ligação que nasceria entre eles seria tão profunda e tão afetuosa.
"A gente é educado pra não roubar mas a gente não é educado pra não ser roubado."
"Se Nada Mais Der Certo" é um filme muito bem estruturado, onde talvez, apenas ao seu final, ao refletirmos sobre tudo o que vimos, vamos juntar as peças e compreender o quão grande foi tudo aquilo. Nada do que surge em cena é pura coincidência, existe uma razão, e esta é a prova de como cada uma das escolhas que tiverem ao compor o filme foram de extrema inteligência. O longa vai além daquilo que estamos acostumados com os dramas nacionais, àquela crítica da política e corrupção que tanto já ouvimos, ele é crítico sim, porém consegue encontrar saídas mais interessantes para isso, mais impactantes até, talvez por conseguir construir personagens tão bem, por mostrar este lado das vítimas, seres como nós. É até irônico o instante quando intercala a ação de seus protagonistas com um debate político entre Lula e Alckmin e como suas palavras e promessas parecem não ter efeito nenhum sobre a sociedade, Outra saída bem sábia e que acaba causando um forte e interessante contraste foi colocar em sua trilha a canção "Todos Juntos" que Chico Buarque adaptou para o musical infantil "Os Saltimbancos" na década de 70, época em que os brasileiros enfrentavam a ditadura militar. A obra, ainda que feita para crianças, possuía em suas letras um ode a revolução, onde quatro animais fogem da opressão que sofriam de seus donos e vão em busca de liberdade. "Um bicho só é só um bicho. Agora, todos juntos...somos fortes!". A trama é um pouco sobre isso também, sobre a união desses amigos, desses "bichos" que lutam para fugir de um sistema que jamais os beneficia.
"Os nossos medos de assumir os riscos nos deixam viciados no depois."
O roteiro, assinado também por Belmonte ao lado de Luís Carlos Pacca, é bem esperto e acerta e muito ao compor seus personagens. Acredito que seja isso o que mais envolve no filme, mais o torna fascinante. Desde a maneira como nos são introduzidos, até o desenvolver de cada um, todos são bem peculiares e de uma complexidade única, e claro, se tornam fortes em cena ao serem interpretados por atores tão competentes. Cauã Reymond é um ator incrível e talvez quem o acompanhe apenas na TV perca a chance de vê-lo assim, tão entregue, tão intenso. João Miguel é uma das grandes surpresas do nosso cinema e aqui marca mais um bom momento dele, que consegue expressar toda a tristeza e confusão que é Wilson. Luiza Mariani, Milhem Cortaz e Adriana Lodi brilham em cena, mas é Caroline Abras quem acaba chamando mais atenção, que atuação magnífica! A atriz surpreende, devora sua personagem e nos entrega algumas sequências memoráveis.
José Eduardo Belmonte já tinha em mãos tudo para um excelente projeto, uma grande ideia e excelentes atores, mas ele resolveu fazer mais, a maneira como ele conduz a obra é simplesmente hipnotizante, sua câmera trêmula, que parece ir fundo na alma de seus personagens, os cortes, as cores, tudo é feito com um admirável cuidado, e assim, ele consegue extrair a beleza de cada cena, que ganha ainda mais força com sua emotiva e fantástica trilha sonora. É tudo muito poético, sensível e de certa forma, encantador. "Se Nada Mais Der Certo" é um recorte de uma sociedade desestimulada, sem rumo, que flagra seus personagens em situações-limites, no ápice do desespero, é um filme cruel, melancólico, que choca, onde cada diálogo, recheado de frases de efeito, causam em nós, uma incomodação, um sentimento de revolta, por simplesmente nos fazer pensar, refletir, cada frase dita por seus personagens parecem um soco na cara. E é incrível quando um filme tem este poder. Um dos melhores filmes nacionais que tive o prazer de ver. Recomendo.
"E se não existe milagre, existe sempre alguma coisa que nos traz de volta à vida.
É isso que eu vou guardar comigo se nada mais der certo."
País de origem: Brasil
Duração: 120 minutos
Elenco: Cauã Reymond, Caroline Abras, João Miguel, Luiza Mariani, Milhem Cortaz, Adriana Lodi, Murilo Grossi, Leandra Leal
Diretor: José Eduardo Belmonte, Luís Carlos Pacca
Roteiro: José Eduardo Belmonte
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