quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Crítica: Um Amor a Cada Esquina (She's Funny That Way, 2014)

Sabe quando você escolhe um filme aleatório só para passar alguns minutos vendo qualquer coisa? Encontrei "Um Amor a Cada Esquina" dessa forma, título genérico, comédia com elenco famosinho...por que não? É fantástico quando isso acontece, quando você espera absolutamente nada de um filme e de repente se vê diante de algo tão bom, tão incrível, que renova não só o gênero, como renova, mesmo se utilizando de uma beleza e um formato retrô, o próprio cinema.

por Fernando Labanca

E quando sobem os créditos finais, me deparo com a grande surpresa: o longa fora produzido por ninguém mais que Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste) e Noah Baumbach (Frances Ha). O que fez aumentar ainda mais a admiração que já tinha do filme. A obra também marca o retorno do diretor veterano Peter Bogdanovich, que esteve longe das câmeras por cerca de doze anos e ao assinar o roteiro, ao lado de Louise Stratten, traz como grande referência as comédias da década de 30, as conhecidas screwball comedies, com suas histórias malucas e situações inesperadas. E a partir disso, é o cinema de Woody Allen que nos vem mais a cabeça, com seus inteligentes e rápidos diálogos e com sua história simples, concisa e divertida. Vemos uma comédia leve, sem altas pretensões e um tanto quanto refinada. O cenário também nos remete aos trabalhos de Allen, aqueles personagens vivendo da arte em uma Nova York bela e aconchegante, em uma trama onde realidade e ficção se misturam.

Na trama, somos apresentados ao diretor de teatro Arnold Albertson (Owen Wilson), que vai à cidade para selecionar o elenco de seu mais recente trabalho. Entretanto, apesar de casado, ele não resiste aos encantos do local e como de costume, entra em contato com uma agência de prostitutas, é assim que conhece Izzy (Imogem Poots), com quem passa a noite. Jovem e bela, o sonho da garota, por sua vez, é ser atriz e justamente por isso, logo no dia seguinte, ela vai a uma audição para conseguir um papel em uma peça de teatro, onde, inesperadamente, se reencontra com Arnold. O grande problema é que Izzy precisa contracenar com a esposa do diretor, Delta (Kathryn Hahn), que acredita no talento da moça e insiste para que ela tenha uma chance em cima dos palcos, sem jamais imaginar a traição de seu marido. Apesar da grande confusão, o circo se arma completamente quando entram em cena outros personagens, como a psicanalista Jane (Jennifer Aniston), seu namorado Josh (Will Forte), um detetive (George Morfogen), um juiz apaixonado (Austin Pendleton) e um outro ator (Rhys Ifans), que assiste de camarote todos os problemas causados por um simples incidente.


É preciso ressaltar antes de qualquer análise: que delícia de filme! Fiquei simplesmente encantado do começo ao fim, feliz por ter encontrado, em pleno 2015, uma comédia tão original, que remete, com toda sua ingenuidade, às obras mais antigas. Justamente por isso, talvez este novo trabalho de Bogdanovich não seja tão compreendido nos tempos de hoje, é um texto e uma dinâmica que não dialoga com nossa geração, sorte, claro, daquele que se deixar levar. Entre tantas referências citadas, deste roteiro apaixonado por cinema, "Bonequinha de Luxo" vem a calhar, quando sua protagonista muito me lembrou a personagem interpretada por Audrey Hepburn e assim como sua profissão, a de Izzy jamais é citada, aqui ela é apenas a "musa", que acompanha os homens e os inspira. Ela também tem uma visão otimista da vida, sonha em ser alguém, em se apaixonar e desfrutar um pouco daquela felicidade vendida pelos filmes. Aliás, é fascinante este encontro entre realidade e ficção que acontece, como quando a jovem precisa interpretar o papel de sua própria vida para conseguir um papel no teatro.

Fiquei fascinado também por seu brilhante roteiro. Fazia muito tempo em que não via uma comédia tão bem escrita. Apesar de trazer uma trama simples e sem profundidade, a intenção é nitidamente outra, é brincar com essas comédias forçadas onde tudo pode acontecer da forma mais bizarra possível, onde coincidências absurdas ocorrem o tempo todo, como o fato de que numa cidade enorme, os personagens insistem em aparecer nos mesmos lugares. É desses encontros improváveis e apelativos que surge o humor e a piada passa a ser um item constante, o que é ótimo. É genial como uma pequena ideia lançada no início passa a desencadear uma sucessão de erros e desencontros, é genial porque as grandes sacadas não param, da primeira à última cena, o roteiro entrega soluções extremamente bem encaixadas, sempre a um nível acima, sem jamais subestimar a inteligência do público.

Apesar de todo o elenco ser ótimo, dois nomes se sobressaem. Imogen Poots já vem se destacando a um tempo no cinema e acredito que este foi seu grande momento, não só porque finalmente foi protagonista, mas porque ela agarra essa chance e entrega o seu melhor. Há um brilho nela, que cativa, que instiga. Uma grande atuação de uma promissora e talentosíssima atriz. O outro nome que cito é, com certeza, Kathyn Hahn. Ás vezes me pergunto se somente eu percebo o quanto essa mulher é incrível. Uma coadjuvante de peso e que rouba as cenas em que participa. Owen Wilson faz o de sempre, assim como Will Forte, apesar de carismáticos e funcionarem bem neste tipo de comédia. Jennifer Aniston também se destaca com sua Jane, bem como o canastrão Rhys Ifans. Enfim, muito bom ver esses nomes reunidos, melhor ainda é quando existe um texto a altura de todos eles, o que tem sido raro para o gênero, que parece pensar na piada antes de uma boa ideia.

"Um Amor a Cada Esquina" é mais um daqueles filmes fantásticos que perderão público, não só pela pouca divulgação, mas principalmente por seu título sugerir outra coisa muito menor. Tem nomes de Wes Anderson e Noah Baumbach por trás do projeto e ainda uma participação de estourar os miolos de Quentin Tarantino. É sim, uma comédia como poucas, única, divertida, de extrema originalidade, que nos faz lembrar dos bons trabalhos de Woody Allen. Não sei dizer qual será o futuro de Peter Bogdanovich no cinema, logo que ele demorou muito tempo para realizar esta obra. Espero que ele fique, dessa forma, Allen terá, finalmente, uma concorrência digna.

NOTA: 8,5




País de origem: EUA
Duração: 93 minutos
Distribuidor: Mares Filmes
Diretor: Peter Bogdanovich
Roteiro: Peter Bogdanovich, Louise Stratten
Elenco: Imogen Poots, Owen Wilson, Kathryn Hahn, Illeana Douglas, Will Forte, Jennifer Aniston, Austin Pedleton, Rhys Ifans, George Morfogen, Debi Mazar, Jennifer Esposito, Lucy Punch, Michael Shannon, Quentin Tarantino


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