segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Crítica: O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home For Peculiar Children, 2016)

Uma história peculiar. Um diretor peculiar. Um filme nem tão peculiar assim. 

por Fernando Labanca

Baseado no best-seller de Ransom Riggs, "O Lar das Crianças Peculiares" parecia o projeto perfeito para o retorno do sempre excêntrico Tim Burton. Confesso que após ter ido à exposição que teve sobre sua obra em São Paulo, no começo deste ano, mudei meus conceitos sobre ele. Deixei de encará-lo apenas como um cineasta que entrega uma identidade visual forte à seus trabalhos e passei a vê-lo como um completo artista, muito além do cara que fica atrás da câmera. É uma pena, porém, que Burton, ao longo dos últimos anos, perdeu a mão no cinema, que deixou de ser a arte que ele tanto dominava. Triste e estranho pensar que desde "Sweeney Todd" (2007), ele não nos apresenta um produto marcante. Seu novo filme é a prova do quanto está distante de seus momentos mais notáveis, voltando a entregar uma obra vazia, sem alma, mesmo quando se baseia em um livro que tinha tanto o que dizer, que tanto se assemelha aos temas que ele um dia já debateu.


Na trama, acompanhamos a jornada de Jacob (Asa Butterfiled), um jovem de 15 anos que não teve muitas experiências e que precisa lidar com a recente e misteriosa morte de seu avô (Terence Stamp), aquele que durante anos lhe contou as histórias mais absurdas. Decidido a enfrentar o luto, ele resolve partir em uma viagem afim de descobrir até que ponto as fantasias ditas por seu lunático avô eram verdadeiras. E seguindo algumas instruções que ele lhe deixou antes de morrer, Jacob pretende encontrar a Srta. Peregrine (Eva Green), no entanto, ao se deparar com o local em que ela viveria, vê uma mansão em ruínas, destruída na Segunda Guerra Mundial. Até que ele descobre uma fenda temporal, retornando ao ano de 1943, onde ela ainda vive e abriga em seu Lar, crianças com poderes especiais.

Para aqueles que já pegaram o livro de Riggs em mãos, há uma frase em sua quarta capa que nos chama a atenção. Palavras escritas pelo próprio Tim Burton:

“Vocês têm certeza de que não fui eu quem escreveu esse livro? 
Parece algo que eu teria feito...”

Sim. De fato, "O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares" é a cara do diretor. Não haveria outra pessoa para adaptá-lo. Justamente por isso é tão decepcionante chegar ao cinema e perceber o quão enganosa esta frase é, logo que é muito claro que Tim Burton não gostou muito do que leu e resolveu fazer outra coisa em cima. Claro que o livro de Riggs possui lá seus defeitos, mas não esperava um filme tão abaixo e tão ordinário quanto este. O longa desconstrói a própria atmosfera da história, seu clima obscuro tão bem ilustrado pelas fotografias do produto impresso, dão lugar à muitas cores e personagens divertidos, entregando assim, uma fantasia alegre, bem humorada, mastigada para toda a família assistir e esquecer segundos depois. Ainda é, no entanto, perceptível sua mão em algumas sequências, como o interessante e macabro stop-motion inserido, além do concept art de seus personagens. Aliás, não existe um público muito definido a qual o diretor tenta flertar. Os monstros possuem um visual assustador e tem tudo para chocar os mais pequenos - valendo ressaltar o belo trabalho da maquiagem e dos efeitos especiais aqui - no entanto, é tudo muito infantil, seguindo sempre uma vibe "sessão da tarde", aquela aventura insossa, onde nada parece muito perigoso ou digno de algum tipo de tensão. Logo, dificilmente os adultos serão atraídos. Para piorar, o diretor que nunca se mostrou muito forte nas cenas de ação, peca ao tornar este o grande atrativo de seu ato final. São momentos ruins, que servem apenas para mostrar os "poderes" dos peculiares. E mesmo quando, aparentemente, parece ter sido inventivo, como quando insere um exército de esqueletos, nada surte efeito ou algum tipo de consequência mais drástica.

Enquanto o diretor refaz tudo aquilo que ele aparentemente tinha admirado, o roteiro, por sua vez, se desponta como o grande vilão aqui. Assinado por Jane Goldman, mais conhecida pelas parcerias com o diretor Matthew Vaughn (Kick Ass, Kingsman), ela constrói uma trama confusa, que perde tanto tempo sendo didática, onde a todo instante algo precisa ser explicado, que nada flui bem, nada convence. É tão curto para suas tantas ideias que fica nítido que Goldman não conseguiu administrá-las muito bem. Tudo soa corrido e sem emoção. Em um momento o avô do protagonista morre, alguns minutos depois ele já está viajando para descobrir a verdade, não demorando muito até que ela seja encontrada e desta forma, toda a trama parece ter acontecido em menos de uma semana. Sua grande falha, porém, foi na construção dos personagens. Se os vilões são caricatos - colocando Samuel L.Jackson em momentos constrangedores -, as crianças peculiares, que dão título ao filme, são meros enfeites de cena, que dão humor e leveza à tudo, mas perdem a complexidade. O protagonista, vivido por um apático Asa Butterfield, não nos convida à sua inusitada jornada. É bizarro como Jacob não reage a nada, como todas as transformações acontecem de uma hora para outra em sua vida e ele segue normalmente, como se nada de muito diferente tivesse ocorrido. Não existem dilemas a serem questionados nem reflexões a serem feitas. Percebe-se que o longa apostou todas as suas fichas na aventura e esqueceu dos seres que a compõe, das histórias que os trouxeram até ali, das motivações que os fizeram seguir, dos laços afetivos que nasceram. Tudo morre em prol de um filme pobre de ideias, ordinário em todos os sentidos.

Entendo que adaptações não são cópias, mas é triste perceber o potencial que o livro tinha nos cinemas e nas mãos do, até então, diretor certo para comandá-lo, e ver que não funcionou como poderia ter funcionado. Existem, claro, alguns instantes prazerosos. Os peculiares encantam e o filme, por raras vezes, encontra a sensibilidade, como o delicado sonho revelado de Horace, a tradição dos pequenos em avistar os bombardeios da Guerra ou como quando Jacob conversa com seu avô do passado. São sequências simples, mas que se valorizadas poderiam ter rendido mais. Eva Green continua estranhamente sedutora e espero que esta sua parceria com o diretor continue e Ella Purnell, mesmo que pouco aproveitada, chama a atenção com sua Emma. "O Lar das Crianças Peculiares", por fim, além de ser um sinal de que Tim Burton não está seguindo por um bom caminho, é mais um resultado frustrante, nascido da ganância dos grandes estúdios, que já não mais entregam uma fantasia decente ao público, que ainda acreditam que o que queremos ver é uma ação ininterrupta, com muitos efeitos especiais com direito a um 3D desnecessário e uma trama mastigada, com personagens rasos e resoluções fáceis. Visualmente belo e interessante, mas vazio, sem o coração que o livro tinha. 

NOTA: 5,5




País de origem: EUA
Duração: 127 minutos
Distribuidor: Fox Film
Diretor: Tim Burton
Roteiro: Jane Goldman
Elenco: Asa Butterfield, Ella Purnell, Eva Green, Samuel L.Jackson, Finlay MacMillan, Chris O'Dowd, Terence Stamp, Allison Janney, Judi Dench, Kim Dickens, 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe um comentário #NuncaTePediNada

Outras notícias