terça-feira, 10 de abril de 2018

Crítica: Pequena Grande Vida

Vendido como comédia e com cara de um cinema mais comercial, "Pequena Grande Vida" surpreende ao ser exatamente o que não parece ser: maduro,  reflexivo e profundamente humano. 

por Fernando Labanca

Alexander Payne, diretor de filmes como "Sideways" (2004) e "Nebraska" (2013), parece compreender tão bem os humanos. E mesmo identificando suas piores falhas, suas obras sempre me soaram como uma busca pelo o que há de melhor na humanidade. Há um olhar esperançoso em seus roteiros que se esforça em dizer, dentro de tantas críticas sociais, que há beleza em cada indivíduo. "Downsizing" talvez seja um convite. Um convite a olharmos os outros com pouco mais de cuidado. O problema começa quando, além disso, ele resolveu falar sobre muitas outras coisas. Alexander Payne tem boas intenções, mas são tantas que nem mesmo ele encontrou a linha certa a seguir, se perdendo em suas próprias ideias. 

O filme nos leva para um universo único, onde, no futuro, depois de longos experimentos foi detectado a possibilidade de diminuir os seres humanos a uma escala minúscula, visando salvar o Planeta de uma eminente catástrofe ecológica. Esta curiosa invenção ganha sequências brilhantes e nos convence desta bizarra brincadeira. Seu argumento é genial e muito bem desenvolvido, principalmente em sua primeira metade quando nos introduz a esta nova forma de vida. No entanto, inesperadamente, este não é foco, ainda que o trailer tenha nos vendido isso. Isso nada mais é que uma premissa de uma longa jornada vivida por seus personagens. Por um lado isso é ótimo porque nunca sabemos o rumo da obra. Jamais conseguimos prever o que está por vir e a cada virada nos dá a sensação de estarmos dentro de outra história. É inventivo, criativo e além de ser bastante original, segue sempre pelo caminho menos óbvio e mais difícil. O lado ruim disso é que não há foco. Quando nos damos conta, a genialidade do início se perde no meio de tanta ideia e tanto caminho percorrido. 


O protagonista Paul Safranek, vivido por Matt Damon, encontra neste encolhimento uma chance de felicidade. Uma chance de encontrar o sucesso e luxo que sua miserável vida jamais o permitiu ter. É um personagem interessante, que vive em eternos ciclos, que mesmo quando uma ruptura surge, inconscientemente, ele acaba voltando ao ponto em que estava. Seja quando sua mãe morre, ele repete sua rotina com sua esposa. Seja quando ele diminui e as possibilidades se expandem, ele no fim, procura o mesmo trabalho de antes. Seguindo este mesmo conceito, a sociedade encolhida, que vendia uma alternativa sustentável e uma visão utópica de felicidade, torna a ser cheia de falhas. O tédio de escritório, a futilidade dos que tem muito, a separação dos que tem pouco. A ciência evoluiu, mas a comunidade que se instala ali não está preparada para um novo passo. Os medos, dilemas e preconceitos serão sempre os mesmos dentro de cada um. Mais do que isso, dentro de uma sociedade sempre terá um lado excluído e explorado, não importa a escala da humanidade. E não importa nossa proporção diante do mundo, estaremos sempre perdidos, sempre a procura de uma razão, de um significado para nossa tão complicada existência.

No meio destes tão imprevisíveis trajetos que Payne constrói, ele acerta ao inserir, no meio de sua confusão, uma personagem milagrosa, que nasce na história de uma maneira impecável. Ngoc Lan é incrivelmente cativante e humana e a atuação de Hong Chau é tão fantástica que ela salva a obra e leva a trama a um outro nível. Uma brilhante coadjuvante. O roteiro erra, porém, ao criar um relação amorosa entre ela e Paul. Além de não haver química alguma entre Chau e Damon, é um plot desnecessário que não acrescenta em nada e só prejudica o crescimento individual dos dois. Há, também, algumas participações especiais curiosas como Kristen Wiig, Neil Patrick Harris e Laura Dern. Ainda temos como coadjuvante Christoph Waltz que insiste em ser insuportavelmente caricato. Matt Damon, sem surpresas, muito bem, mas nada que ele já não tenha feito antes. Vale ressaltar o ótimo de design de produção, que torna esta loucura fácil de acreditar e a excelente trilha sonora, assinada por Rolfe Kent. 

"Pequena Grande Vida", por fim, pode desagradar muita gente. É longo - mais de duas horas - e pode cansar o público facilmente. Não é a comédia que vendeu e nem o produto de fácil digestão que parecia ser. No entanto, o pior de seus pecados foi querer ser muita coisa ao mesmo tempo. De ficção científica à romance, de encolhimento à história do fim do mundo. Há muita invenção e reviravolta quando sua simples premissa já era surpreendente e interessante o suficiente para funcionar bem. A ideia da miniaturização celular é sensacional e por si só já vale nosso tempo, se perde um pouco depois, porém, estamos falando, ainda, de Alexander Payne e digo que respeito e admiro suas escolhas. Mesmo quando ele erra, ainda se mantém acima da média. A última imagem do filme, mesmo que soe aleatória diante de tudo, sintetiza bem suas belas intenções. O longa crítica este falso altruísmo de seus personagens quando, na verdade, todos lutam por si mesmos. Porém, não desmerece este poder de agirmos por nosso próprio bem e mais do que isso, revela que é possível olhar para de si enquanto se olha os outros. "Downsizing", então, apenas questiona se a segunda afirmação é realmente possível.

NOTA: 7,5





País de origem: EUA
Título original: Downsizing
Ano: 2017
Duração: 135 minutos
Distribuidor: Paramount Pictures
Diretor: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Jim Taylor
Elenco: Matt Damon, Hong Chau, Christoph Waltz, Jason Sudeikis, Rolf Lassgard, Kristen Wiig

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