O reencontro entre Jason Reitman e Diablo Cody, que vieram dessa vez falar sobre depressão pós-parto, é tão bom que nem sabíamos que precisávamos.
por Fernando Labanca

Mais uma vez eles tratam com humor um assunto difícil e delicado. É a tragédia da vida, que de tão dolorosa, é quase que impossível ver graça. Apesar da simplicidade da trama, há um choque grande aqui e nos atinge com força. Charlize Theron interpreta Marlo, uma mulher casada, com dois filhos pequenos e grávida de um terceiro. O filme se inicia quando ela ganha sua licença para desfrutar de sua gravidez, no entanto, este momento de paz nunca chega. Entre lidar com os problemas comportamentais de seu filho mais velho e as transformações do corpo, sua vida se transforma em um interminável caos. Até que seu irmão (Mark Duplass), preocupado com sua saúde mental, contrata uma babá noturna que lhe ajudará a ter novamente suas noites de sono. É então que entra em cena Tully (Mackenzie Davis), uma espécie de Mary Poppins 2.0, que mais do que ajudá-la com os afazeres de casa, a fará recuperar seu controle emocional e trazer de volta a inspiração que lhe faltava para ser mulher, esposa e mãe.

Charlize Theron surge fascinante em tela em uma de suas melhores performances dos últimos anos. Há uma enorme desconstrução da atriz que traz honestidade em cada instante, que nos faz sentir o peso que é estar em seu corpo, a dor que é viver sua rotina. Seu olhar diz tanta coisa, seu cansaço, sua postura. Fiquei realmente maravilhado com sua entrega. Muito bom, também, os momentos em que divide a tela com a jovem Mackenzie Davis, que ilumina a obra, Desde a primeira vez que vi Davis no cinema senti que havia algo a mais ali. E, de fato, há. Ela é cativante, radiante e estranhamente, nos hipnotiza quando está diante da câmera. É gostoso demais ver as duas atrizes contracenando. As discussões que passam a ter sobre passado, desejos até às conversas mais corriqueiras como música ou programas de TV. O texto é tão natural, flui de forma leve e despretensiosa e como consequência, nos afeiçoamos a esses momentos tão bem interpretados.


Espero que esta parceria entre Diablo Cody e Jason Reitman volte a acontecer, Enquanto eu assistia "Tully" eu senti que fazia tempo que não via um filme como esse. Gosto de ver essas tragicomédias, mas infelizmente, não é sempre que surgem umas boas como esta. Que diverte, encanta, mas ao mesmo tempo, traz uma reflexão profunda sobre os assuntos que aborda. O final ainda reserva um inesperado plot twist, que prova a eficiência da escrita de Cody, que retorna da maneira como começou sua carreira, com um texto maduro, original e inteligente. Em uma das últimas cenas do filme, senti minhas lágrimas e compreendi, enfim, o poder desta história. Em um ritual diário e sem muita explicação para acontecer, Marlo escova o corpo de seu filho, fechando um curioso ciclo iniciado na primeira cena da obra. Podia ser só mais uma simples sequência, mas há uma analogia interessante sobre família ali. Uma repetição de atos que muitas vezes não fazem sentido para acontecer, que entendia, que cansa e temos inúmeras razões para pararmos, no entanto, em um esforço diário, encontramos força para fazer. E a única razão porque não desistimos é porque amamos com que fazemos, simples assim.
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