terça-feira, 24 de julho de 2012

Crítica: Na Estrada (On The Road, 2012)

Um dos candidatos na categoria Melhor Filme no último Festival de Cannes, o novo longa do brasileiro Walter Salles traz para as telas uma obra que eu diria inadaptável, publicada em 1957, "Pé na Estrada", a obra do norte-americano Jack Kerouac é considerado a bíblia da "geração beat" e uma das obras literárias para importantes do século XX. Serviu como grande influência da juventude dos anos 60 e relata como um diário a vida dos jovens da contracultura, que se perdiam em meio de sexo, drogas e jazz, que amavam a arte, a poesia, a literatura, que viviam à margem dos acontecimentos da época. Mais do que uma adaptação quase que impecável, mais do que um grande respeito à obra original, o que vemos é um filme belo, inspirador, e o que parecia impossível, tão complexo e poético quanto o livro.

por Fernando Labanca

Jack Kerouac, autor de livros, após viver o momento de sua vida que ele denominou como "vida na estrada", resolveu escrever num rolo de quilômetros de papel toda sua incrível jornada, sem respeitar parágrafos nem capítulos, ele colocou no papel tudo o que recordava. Seu livro, então, foge completamente do padrão, não há começo, meio e fim, é tudo linear, sem deixar de ser interessante, não há clímax, mas ainda assim surpreende. E o filme de Walter Salles logo de início tinha já um grande obstáculo, adaptar o inadaptável. Mais do que contar a trajetória de Jack, sua obra vai muito além de uma história, é sobre sentimentos, sensações, sobre as relações que ele tinha com as pessoas que ele se deparava em seu caminho. Uma tarefa nada fácil, e com o brilhante roteiro de José Rivera (com quem Salles trabalhou junto em "Diários de Motocicleta") e com produção de ninguém mais que Francis Ford Coppola, a equipe desenvolveu algo admirável, que para muitos seria impossível, logo que durante anos tentaram adaptá-lo, mas não conseguiram. Um filme que faz jus a sua obra original.

Conhecemos Sal Paradise (Sam Riley), o alter ego de Jack Kerouac, que após a morte de seu pai, tenta se concentrar para terminar seu livro, sem grandes inspirações. Eis que conhece, junto com seus outros amigos hipsters, Dean Moriarty (Garrett Hedlund), casado com uma jovem menor de idade, Marylou (Kristen Stewart), ele acabara de sair da prisão e vive sua vida como um grande vigarista, mais do que isso, ele vive uma vida sem limites e é ao lado dele que Sal inicia sua jornada na estrada. E durante vários meses, Sal e Dean de perdem numa louca viagem, sem destino, sem razão, conhecem pessoas, se apaixonam, abandonam, curtem a música, a poesia, numa época pós-guerra, onde os jovens estavam a procura de novas descobertas, experimentações, como sexo e drogas. E no meio disso tudo, eles crescem, uma longa jornada de autoconhecimento.



"Na Estrada" é um filme complicado de analisar. Ele se assemelha e muito ao livro e devido a isso pode assustar grande parte do público. Ele já inicia contando uma história, sem a necessidade de introduzir aquele que assiste a trama ou aos personagens. Tudo ocorre muito rápido e muitos ficarão sem entender as razões pelo qual tudo acontece. Isso é ruim pois ele afasta aqueles que nada conhecem sobre a obra, entretanto, isso acaba que sendo seu maior triunfo, pois vai muito além do que o cinema costuma mostrar, pois vai além do que esperamos de um filme comum, ele consegue traspor para a tela todo um pensamento, todo o sentimento que a obra original tinha, aquela que um dia inspirou toda uma geração. É belo o que Walter Salles realiza aqui, pois o roteiro poderia muito bem ter caído no lugar comum, ter colocado inúmeros clichês para contar a mesma história, ter criado um clímax e um final chocante. Mas não, ele vai contra aos padrões e assim consegue manter toda a beleza e originalidade de Jack Kerouac, longe de ser pretensioso, sendo complexo e emocionante sem ter a intenção, onde mantêm a simplicidade das cenas e a poesia dos diálogos.

A partir da narração em off do personagem principal, entramos a fundo em sua viagem, o filme nos convida a viver durante aqueles minutos a verdade que tenta mostrar. De diversas cidades norte-americanas, conhecemos inúmeros personagens, cada um com sua peculiaridade, cada com seu drama, todos vivendo um só ideal, a liberdade, a vontade de viver. E todos são mostrados de forma bastante convincente, e em poucos minutos nos afeiçoamos aos rostos que surgem, pois é tudo muito real, muito humano. Nós somos Sal Paradise, perdidos naquele universo e querendo desfrutar de tudo um pouco, seguindo atrás daqueles loucos, querendo ser loucos como eles, e assim como Sal, criamos em nós uma certa devoção à Dean Moriarty, ele passa a ser nosso ídolo, nos apaixonamos por ele. Essa conexão acontece justamente pela maneira como cada ser ali dentro da trama é desenvolvido, onde não há como definir ou chegar a alguma conclusão sobre nenhum personagem, criamos em nós uma certa curiosidade sobre cada um, são tão humanos, e por isso, complexos, que oscilam a cada instante, que surpreendem por seus atos. Além de tudo isso, a trama acontece como uma verdadeira viagem, ao som de boa música, da belíssima trilha sonora de Gustavo Santaolalla, auxiliada pelas belas paisagens devido a fotografia que também merece destaque. A direção de Walter Salles é bastante segura, consegue extrair o melhor de cada ator, o melhor de cada situação, parece conhecer aquele cenário como ninguém e faz tudo isso se tornar real, a intensa viagem de Jack e seus sentimentos, sua paixão pela vida, sua devoção pelos loucos, pela poesia, pela liberdade.


E toda essa realidade se torna ainda mais forte com este grande elenco. Sam Riley trás muita emoção e muita alma em seus poéticos diálogos e se sai muito bem como Sal Paradise, mas acaba sendo ofuscado por seu parceiro, que definitivamente rouba a cena, Garrett Hedlund, que faz de Dean Moriarty um personagem memorável, realiza belíssimas cenas, tem uma atuação segura e ousada, consegue demonstrar todo espírito aventureiro, toda aquela sede de vida, toda deliciosa loucura de Dean. A surpresa do filme fica para Kristen Stewart, que deixa de lado toda sua falta de expressão e encara sua personagem, como se renascesse, atua de verdade como se pela primeira vez ela tivesse a intenção de fazer algo bom, se joga na pele de Marylou, se mostra muito mais a vontade frente as câmeras. Já os coadjuvantes que surgem rapidamente pela trama conseguem em poucos minutos o que muitos atores não conseguem durante um filme inteiro, todos surpreendem e esbanjam talento, como Amy Adams, irreconhecível ao lado do sempre ótimo Viggo Mortensen. Kirsten Dunst provando mais uma vez trilhar o caminho certo em sua carreira, se mostrando cada vez mais talentosa. Nos emocionamos também com o desconhecido jovem ator Tom Sturridge, na pele do poeta Carlo, ainda vemos Alice Braga, bem a vontade em cena, Terrence Howard, Elizabeth Moss e o veterano Steve Buscemi, mais ousado do que nunca.

"Na Estrada" provavelmente dividirá o público, entre aqueles que o odeiam e aqueles que o amam. Não é nada convencional, nada que se possa ver com os amigos num final de semana para se divertir. É uma proposta nova, diferente, ousada. Um filme que resgata um idealismo, que resgata toda uma geração, que vai na contramão daquele cinema que se vende e segue no caminho daquele cinema raro, que não procura um final óbvio, que não procura personagens óbvios, que não tenta encontrar soluções e nem razões para fazer o público se sentir mais confortável. Pois é justamente o que a viagem de Jack Kerouac significava, um momento de experimentação, de uma vida livre, que não procura definições, era uma jornada sem destino, e o que para muitos pode parecer uma obra sem foco, vejo de forma contrária, que aliás, se visto apenas com os olhos, "On The Road" não passará de um filme vazio, é preciso entrar nesta estrada, entender as razões daqueles jovens e o contexto em que eles estavam inseridos, é preciso entender que existem outras maneiras de se fazer cinema, de se trazer conteúdo. Um dos melhores momentos de Walter Salles, um marco neste ano. Um filme acima de tudo, inspirador.

NOTA: 9,5


4 comentários:

  1. A coisa mais linda do ano até o momento. Me apaixonei por tudo: pela história, pelos personagens (Dean...), e pelos rumos da estrada em si.

    http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/

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  2. Valeu pelo comentário, Rafael!
    E concordo com vc...esse filme foi uma das coisas mais belas q vi no cinema este ano, me apaixonei tbm!

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  3. O filme mostrou o lado bom do livro. Quem teve a oportunidade de lê-lo viu que lá as coisas são bem mais pesadas kkk
    Mas não deixa de ser um bom filme

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  4. ah, sim...isso eh vdd. No livro algumas passagens são mais pesadas. Por outro lado, achei q algumas cenas mostradas no filme, talvez pq agora estamos vendo, se tornam mais intensas do que no livro, já que muitas coisas passam correndo pela narrativa de Kerouac.

    Mas msm amenizando, ainda o vejo como uma belíssima adaptação.

    Valeu Dener, pelo comentário!

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