A catástrofe do fim já foi tema de diversos filmes, seja em ficções científicas com direito a explosões e muitos efeitos, seja nos dramas mais intimistas como "Melancolia" de Lars Von Trier ou o mais recente "O Abrigo". O gênero da vez a alcançar tal premissa é o cinema indie norte-americano, com personagens excêntricos, boa trilha sonora e referências a cultura pop, o fim do mundo nunca foi tão divertido e gostoso de se ver como nesta obra.
por Fernando Labanca
Acompanhamos as últimas semanas da Terra, logo que o asteroide Matilda está prestes a colidir com o planeta. É então, que cada grupo de pessoas reage de uma forma diferente. Há aqueles que surtam, botam fogo nas ruas e se suicidam e há aqueles que passam a ver cada dia como se fosse o último, aproveitando a vida como nunca. E há Dodge (Steve Carell) que não se encaixa em nenhum grupo, vive sua vidinha pacata como se nada fosse acontecer, acabara de ser abandonado por sua mulher e todos os dias vai vender seguros num escritório. Sua rotina muda quando Penny (Keira Knightley), uma vizinha até então desconhecida vai parar na sua porta, e ao descobrir que ela mantinha correspondências dele em seu apartamento, percebe que essa ironia do destino havia destruído sua vida, isso porque a pessoa que Dodge mais amava tentava se corresponder com ele, é então que a ficha cai, ele vai morrer sozinho, sem alguém para amar.
Decidida a arrumar seu grande erro, Penny o leva numa jornada para reencontrar a tal mulher do passado, e é nesta jornada que eles encontrarão com diversas pessoas, cada uma com seus medos e teorias e passam a usar deste tempo para refletir sobre suas próprias vidas, sobre o que perderam pelo caminho e ainda podem resgatar.
"Vocês ouvirão a contagem regressiva para o fim dos dias, junto com todos os seus clássicos favoritos do rock". É assim que o longa metragem escrito e dirigido por Lorene Scafaria se inicia, já deixando bem claro sua verdadeira intenção e é com esta mesma personalidade que o roteiro é guiado, do começo ao fim. Utilizando da ironia e estranheza daquele universo como base de seu humor, aproveitando desta situação tão inusitada para criar, aliás, recriar o fim do mundo, de uma forma jamais vista antes e que agrada pela originalidade e surpreende ao ser tão eficiente e tão equilibrado, o roteiro que transita de forma natural entre a comédia, romance e drama, parece não perder a linha em nenhum momento e se firma como uma das mais brilhantes e interessantes obras sobre o tema. Eficiente, por conseguir trabalhar todas as questões possíveis, os noticiários que nos informam sobre o ocorrido e todo o processo que aquela sociedade enfrenta, de forma clara e muito bem desenvolvida ao decorrer do filme, ainda deixando espaço para os conflitos vividos pelos protagonistas, que divertem e emocionam na medida certa. É válido citar outra grande qualidade do roteiro, como cada pequeno detalhe parece fazer diferença no resultado final, seja elementos simples, como o passado de Peny com a família, o fato dela dormir demais ou sua afeição pelos LP's, onde tudo parece muito bem pensado, arquitetado para seu gran finale.
É interessante como "Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo" consegue transmitir tantas ideias e tanto sentimento. Em uma das cenas mais brilhantes do filme, Dodge participa de uma festa no subúrbio, mais do que explorar a superficialidade dos norte-americanos, ele explora a superficialidade dos humanos, onde uma mulher se questiona sobre o porquê não poder sair da linha, viver a vida loucamente enquanto todos fazem o mesmo, mas ela precisa se segurar pois tem uma imagem a zelar. Acredito que seja sobre isso, sobre como nós, seres humanos, com medo do amanhã, com medo das consequências, medo do que podem falar, de como os outros nos veem, nos fechamos ao mundo, às possibilidades, como saber que existe o amanhã nos impede de ser quem realmente somos, seria mesmo necessário o fim do mundo para aprendermos a viver a vida como deve ser vivida? Longe da obviedade "viva como se fosse o último dia", o filme nos traz uma deliciosa sensação, a simplicidade das coisas, a nostalgia de um tempo onde as relações eram mais verdadeiras, e assim como os LP's da protagonista, onde a qualidade do som foi trocado pela praticidade da tecnologia, infelizmente, assim aconteceu com as relações humanas. E tudo isso é tratado com bastante delicadeza e humanismo.
No decorrer da história, vamos nos deparando com diversas participações especiais no elenco, como Melanie Lynskey, Adam Brody, Martin Sheen e todos se destacam. Mas é Steve Carell e Keira Knightley que dominam a tela, e com seu tom mais intimista, a trama tem a relação deste inusitado casal como seu principal foco. Carell parece confortável neste tipo de papel e se sai bem, assim como Keira, que apesar de mais uma vez surgir histérica, convence como a louca Penny e acaba surpreendendo em diversas passagens, como quando conversa com sua família pelo telefone ou na cena final, emociona de forma intensa e se mostra bastante competente.
Um filme original, divertido e extremamente comovente, que vai na contramão do que já foi feito sobre o caos universal, onde cada cena é uma surpresa, nunca sabemos qual os próximos passos dos personagens. O longa termina e fica em nossa mente suas reflexões, passamos a imaginar como seria viver num mundo como aquele retratado, onde somos realmente livres, onde todas as pessoas se igualam, o dinheiro e o status já não significam mais nada, onde a única coisa que nos resta são as relações, o amor, a amizade, e do que vale a vida sem essas coisas? E para fechar com chave de ouro, "Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo" nos apresenta, eu diria, um dos melhores finais que o cinema presenciou este ano. Surpreendentemente bom, acaba emocionando muito mais do que parece, de forma intensa e impactante. Uma experiência única e prazerosa, uma grata surpresa indie.
NOTA: 9,5
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