quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Crítica: Dois Lados do Amor (The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, 2014)


Arriscaria dizer que "Dois Lados do Amor" é uma das experiências mais inovadoras que o cinema nos trouxe este ano. Não se deixe enganar pelo título nacional, se trata de um projeto único, uma grande ideia, realizada pelo cineasta Ned Benson, e que resultou em um belíssimo filme, ou melhor, em três belíssimos filmes.

por Fernando Labanca

No original. "The Disappearance of Eleanor Rigby" conta a história de um casal em crise. Poderia até ser algo comum, se não fosse pelo fato de terem feito dois filmes para contar a trama. A versão do homem, interpretado por James McAvoy em "The Disappearance of Eleanor Rigby: Him", e a versão da mulher, interpretada por Jessica Chastain em "The Disappearance of Eleanor Rigby: Her". Dois lados da mesma história. As duas obras foram lançadas em 2013 do Festival de Toronto, no entanto, para que seu trabalho conseguisse ser comercializado, Ned Benson, os editou, construindo dessa forma, o "Them", lançado na Mostra Um Certo Olhar de Cannes 2014. É esta versão editada que chegou aos cinemas, intitulada de "Dois Lados do Amor", aqui no Brasil.

"The Disappearance of Eleanor Rigby: Them" é fantástico. No entanto, depois de ter visto as versões separadas de cada personagem, digo que vale muito a pena assistir "Him" e "Her", até porque nem tudo o que acontece nos dois primeiros longas-metragens volta a acontecer no terceiro. Indico vê-los não só pela curiosidade, mas pela experiência cinematográfica, querendo ou não, a versão editada quebra com este inovador projeto, desconstrói seu próprio conceito. Portanto, o que escrevo aqui, é um pouco do que vi e senti diante das três versões.



The Disappearance of Eleanor Rigby: Him (2013)

Conor  (James McAvoy) trabalha em um bar ao lado de seu amigo Stu (Bill Hader) e juntos enfrentam o inevitável fato de que estão prestes a falir. Se sua vida profissional não vai bem, sua vida amorosa vai pior ainda. Casado com Eleanor (Jessica Chastain), ele não consegue lidar com suas crises, até o dia em que chega em seu apartamento e não a encontra mais lá. Não demora muito até receber a ligação de um hospital, no qual ela está internada devido a um incidente, e neste último encontro, é quando Eleanor revela que precisa desaparecer, recomeçar do zero, dar um tempo ao relacionamento e descobrir se consegue se reerguer novamente. Sem saber como agir diante disso, Conor se desmorona, sem nunca desistir de reencontrá-la.

O grande mistério da trama é o que de fato aconteceu com o casal, o que ocorreu em suas vidas para que ficassem tão distantes, tão destruídos. Por isso, seu começo é bastante confuso, seus enigmas vão sendo revelados aos poucos e é aos poucos que vamos compreendendo os personagens, suas reais motivações. É muito interessante como isso vai sendo mostrado, parece que dessa forma vamos caminhando junto com Conor e Eleanor e ficamos devastados quando a verdade nos alcança. Se trata de um romance melancólico, cruel, duro, onde existe apenas um momento feliz entre o casal, a primeira cena. Triste ver a foma como Conor reage diante de tudo isso, sabendo do quanto foram felizes no passado. Sua fúria diante dos outros casais apaixonados e sua luta por levar as lembranças que o entristece para longe de si, sua dor por não conseguir nem ao menos conversar com as pessoas próximas e a confusão que elas sentem por nunca saberem quais as palavras certas para o confortar.

"Antes de você, eu não tinha ideia quem eu era. Então nós estávamos juntos, 
eu pensei que tinha entendido tudo. Agora eu voltei a me questionar novamente."

O maior problema de "Him" são os personagens secundários. Até entendo a importância que eles tem na vida do protagonista, mas por fim, elas acabam sendo irrelevantes para a história como um todo. Prova disso é o fato de grande parte de suas cenas terem sido excluídas na versão "Them". Stu e todo o núcleo do bar surge como um alívio cômico, mas não funcionam muito bem, assim como o pai de Conor, interpretado por Ciarán Hinds, suas sequências são cansativas e não causam interesse, tirando seu último e belo discurso com o filho. O grande acerto, porém, é a presença marcante de James McAvoy, fantástico na pele do protagonista. e quando ele divide a cena com a sempre incrível Jessica Chastain algo acontece, algo mágico eu diria. Faltam palavras para descrever a força deste casal, é surreal, belo e hipnotizante os momentos em que estão juntos.


Duração: 89 minutos




The Disappearance of Eleanor Rigby: Her (2013)

Acredito que só me dei conta da complexidade dessa ideia quando me deparei com esta segunda versão. É muito instigante perceber como tudo foi pensado, calculado e filmado. Acompanhamos a trajetória de Eleanor Rigby e sabemos, em nossa mente, exatamente os passos que Conor está dando, agora, longe da nossa visão. É genial se pararmos para pensar em todo este conceito. Ver a mesma história pela segunda vez, através de uma outra perspectiva, que antes desconhecíamos, é quando tudo se encaixa, e como consequência, tudo se torna ainda mais belo, mais profundo, mais grandioso.

"Her" já inicia de forma impactante. Eleanor (Chastain) se atira de uma ponte, logo é resgatada e levada para um hospital. De lá, resolve não mais voltar para o apartamento de seu marido, Conor, é então que é acolhida, novamente, na casa dos pais (interpretados por William Hurt e Isabelle Huppert), que não sabem como lidar com o passado trágico que ela teve. Buscando se reerguer em uma nova rotina, Eleanor - que tem seu nome inspirado em uma famosa canção dos Beatles - começa a frequentar uma faculdade, e entre discussões com sua família, passa a enxergar as coisas com outros olhos, tentando reencontrar o laço que perdeu com aquele que tanto ama.

"Tragédia é um país estrangeiro. Nós não sabemos como falar com os nativos."

Esta versão é ainda mais interessante, parte por ter coadjuvantes melhores e que causam mais empatia e parte porque a trajetória de Eleanor me pareceu ainda mais angustiante, mais complexa e mais intensa. William Hurt, Isabelle Huppert e Viola Davis fazem diferença e ajudam a compor este belíssimo capítulo. Os diálogos dos personagens são ótimos e a boa direção de Ned Benson se faz presente, construindo excelentes sequências. como quando o casal dança de frente para o carro, ou quando Eleanor invade o apartamento e finalmente diz o que sente para Conor, um momento belíssimo e devastador. Enfim, repleto de boas cenas, que divertem e emocionam. O longa alcança seus melhores instantes quando as histórias se chocam, quando encontramos com a versão de "Him", é então que podemos ver suas diferenças.

Nunca é o bastante elogiar Jessica Chastain e é incrível como ela sempre se supera. Que personagem! Que entrega! Sua atuação é admirável, ela nos carrega para o fundo do poço quando precisa e ilumina a cena quando abre um sorriso. Estonteante, ela é, com certeza, uma das maiores atrizes do cinema atual. Mais uma vez, também é muito bom vê-la contracenando com McAvoy, acreditamos em tudo o que dizem, o que vivenciam. Fazia tempo em que o cinema não nos revelava um casal tão incrível como eles.


Duração: 100 minutos




 Diferenças entre "Him" e "Her"



[SPOILERS] O que torna este projeto ainda mais curioso e inteligente é o fato de que as duas versões não só se completam, como mostram um novo olhar sobre uma mesma situação. Por isso digo que é muito válido assistir os dois, porque um mesmo evento ocorre de maneira diferente em cada filme. É muito interessante perceber essas diferenças e acho muito válido esta intenção do roteiro. De certa forma, as versões revelam a visão de cada um sobre a mesma história e diante disso, chegamos a conclusão de que o que se altera não é o momento em que viveram, mas sim a maneira como cada um revive esta mesma lembrança.

Em uma conversa que o casal tem em um momento de quase reconciliação dentro de um carro, em "Him", Conor revela que dormiu com alguém, já em "Her", é Eleanor quem faz a confissão. Na cena em que ela invade o apartamento e eles começam a se abrir um com o outro é quando as diferenças se tornam ainda mais gritantes. E essas diferenças são interessantíssimas pois mostram muito a forma como cada um encarou esta jornada. Em "Him", Conor se desculpa e no final diz "eu te amo", já em "Her", é Eleanor que se desculpa por desaparecer e é ela quem diz "eu te amo".

Surpreendentemente, o final de cada versão também se difere. Para a versão final e editada "Them", eles optaram pelo término de "Him", que é mais aberto e mais subjetivo. Particularmente, prefiro o fim de "Her", que é bem simples, mas enche o coração com tanto sentimento, me senti mais aliviado quando terminou.






Dois Lados do Amor (The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, 2014)

A versão que chegou aos cinemas, "Dois Lados do Amor" é, na verdade, um copilado de "Him" e "Her", ou seja, nem todos as cenas presentes nas partes anteriores retornam aqui. O que é uma pena, pois seria interessante ver, mesmo em que em um único filme, a versão de cada um sobre os mesmos acontecimentos. Com a edição, Ned Benson desconstrói o conceito que ele mesmo criou, ainda que eu não sei até que ponto o diretor foi responsável por isso. Por fim, o roteiro de "Them" opta por um único caminho, escolhe qual a perspectiva quer seguir em cada situação, se a visão dela ou dele. Reparei que grande parte do tempo, o longa opta pela versão de Conor, inclusive na cena final, no entanto, por outro lado, visto que a trajetória de Eleanor é mais complexa e possui momentos mais interessantes, a transformam na protagonista, ainda que eles não tenham esta intenção, é Jessica Chastain quem domina a cena.

Apesar de ser contra a edição que fizeram, simplesmente não consegui não gostar deste filme. O casal esta lá, a grande história também. Ainda é uma obra poderosa, milagrosa, de uma profundidade e beleza pouco vista este ano nos cinemas. Nem sempre o gênero romance oferece este tipo de experiência, desta que nos afeiçoamos ao casal principal e sofremos pelos caminhos que seguem e torcemos para que tudo dê certo no final. Desta que nos destrói a cada lágrima que derramam e nos encanta e nos enche de felicidade a cada instante em que celebram a alegria de estarem juntos. Como já disse, é mágico o que Jessica Chastain e James McAvoy realizam aqui, como é hipnotizante vê-los em cena, desde a primeira e vibrante sequência em que fogem de um restaurante por não terem dinheiro para pagar, ao som de "Don't Wake the Dead" da banda Guards, já estamos fisgados. Estamos apaixonados e esta sensação que preenche toda a obra e é isto o que sentimos até o instante final.


"Tem apenas um coração neste corpo, tenha piedade de mim."

"Dois Lados do Amor" é uma montanha-russa de sentimentos. Ao mesmo em que vemos uma trama leve e gostosa de ver, aquele romance bonito e cativante, vemos também uma trama pesada, densa, melancólica. Assim como na canção "Eleanor Rigby" dos Beatles, onde questionam de onde vêm e ao que pertencem as pessoas solitárias, o filme de Ned Benson também se mostra interessado nesses seres, que caminham distantes, quase que sem rumo, que possuem um lugar para chamar de lar e alguém para dizer que ama, mas ainda assim se isolam, se auto destoem. De fato, não é um filme romântico, é muito mais sobre a dor que o casal enfrenta e da força que a presença de um tem na vida do outro. É sobre o peso que a memória exerce na trajetória de cada um e como até mesmo as boas lembranças são um fardo a se carregar. É cruel, é duro e extremamente honesto em cada relato que faz. Um romance raro e que merece ser descoberto.


Recheado de bons momentos, Ned Benson surpreende na direção, principalmente por este ser seu primeiro longa-metragem. A trilha sonora composta pelo jovem músico Son Lux eleva a qualidade da obra, assim como a fotografia, muito bem trabalhada, onde suas cores tem o poder de diferenciar cada passagem, tons mais frios para Conor e tons mais vibrantes para Eleanor. Quanto ao elenco, é sempre muito bom ver William Hurt e Isabelle Huppert, excelentes como pais da protagonista, assim como o carismático Bill Hader e a belíssima Jess Weixler. No entanto, é Viola Davis o grande destaque entre os coadjuvantes. Seus diálogos são bons e é bastante interessante esta relação que vai sendo desenvolvida entre sua personagem e Eleanor.

Fiquei apaixonado por Jessica Chastain e James McAvoy neste filme, Esta é a palavra. Se não fosse pelo enorme talento dos dois, este ousado projeto não teria funcionado tanto. É muito delicado a história do casal e tudo flui tão bem, diante de cenas tão incríveis de se ver. Como disse, indico ver todas as versões, pela experiência muito única que é oferecida, entretanto, "Dois Lados do Amor", isoladamente, funciona muito bem também, de certa forma, é um filme completo. Muito bom encontrar essas obras que se arriscam, que saem da zona de conforto, que entregam ao público algo novo e algo a ser lembrado. Genial, brilhante, fantástico. Recomendo.

NOTA: 9,5




País de origem: EUA
Duração: 123 minutos
Distribuidor: California Filmes
Diretor: Ned Benson 
Roteiro: Ned Benson 
Elenco: Jessica Chastain, James McAvoy, Viola Davis, William Hurt, Jess Weixler, Isabelle Huppert, Bill Hader, Ciarán Hinds






10 comentários:

  1. Um dos meus preferidos esse ano!
    Sensibilidade pura :) Quero ver Him e Her ainda!!

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    1. Sim! Achei muito sensível mesmo, me tocou profundamente! Um dos meus preferidos de 2015 tbm

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  2. Gostei da resenha!
    Nos instiga a assistir, e o melhor, sem spoiler!

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    1. Obrigado Luciane! Que bom que curtiu a resenha, espero que curta o filme também!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olha, Rafael...não faço ideia do que poderia acontecer...
      mas fico na torcida para que os dois fiquem juntos!

      Eu encontrei as outras versões do Popcorn Time

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  4. Nossa sòmente assisti Dois lados do Amor e me tocou demais! Onde posso achar Him e Her? abraços

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    1. Celia, obrigado pelos comentários aqui no blog!!
      Então, eu achei Him e Her no Popcorn Time (não sei se conhece), mas estão lá e em boa qualidade!

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  5. Até agora não entendi o que aconteceu com o filho deles, alguém aki sabe?

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    1. Também não consegui entender como a tragédia aconteceu

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