quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Crítica: Parasita

O organismo que se apropria do outro. 

por Fernando Labanca

A trajetória de "Parasita" é bastante curiosa. Grande vencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, o longa foi ganhando fama no boca a boca, aqui no Brasil, muito antes de ser lançado no cinema. Infelizmente, por meios ilegais, o burburinho foi ganhando cada vez mais força. Não é sempre que isso acontece, mas de tempos em tempos surgem estas obras capazes de mobilizar esta propaganda involuntária. Digno de tudo isso, temos aqui um produto inovador, fascinante e que dá ao diretor Bong Joon-ho (Okja, Expresso do Amanhã) o status que há anos vem merecendo: visionário. 

Toda a construção da obra é genial, por isso digo que é interessante saber pouco ou quase nada do que se trata. Foi o que fiz e foi uma experiência maravilhosa, me permitindo surpreender com cada pequena reviravolta que o brilhante roteiro oferece. Seus personagens são difíceis de decifrar, o que torna os passos dados por todos eles um caminho sempre imprevisível. Somos apresentados a família Kim, composta por membros desempregados e que se esforçam diariamente para roubar a senha wifi do vizinho ou ganhar um dinheiro fácil. A vida parece ganhar esperança quando a família Park, que vive na riqueza de Nova Seul, cruza com o destino deles. O filho que, ao falsificar documentos, se passa de tutor e professor de inglês para a filha mais velha dos milionários, logo decide criar falsas funções para que seu pai, mãe e irmã passem a infiltrar lá também. Com novas identidades e uma mentira que vai ganhando cada vez maiores proporções, a família Kim se torna parasita, se apropriando de uma realidade que não é deles, dentro de uma mansão que não os pertence.


Por mais errado que tudo seja, é impossível não se encontrar vibrando pelas vitórias das falcatruas da família Kim. É um plano bizarro traçado por eles e torcemos para que tudo dê certo no fim. Somos facilmente cativados pela luta deles, por esta ambição de ter aquilo que ele jamais teriam. É cômico dentro de sua tragédia e isso jamais diminui seu impacto, pelo contrário. Apesar do bom humor, o roteiro sabe a força de suas palavras e entrega um produto potente, agressivo e deliciosamente sádico. Bong Joon-ho desenha essa luta de classes e trilha por diversos gêneros - oscilando de forma harmoniosa entre o pastelão e o thriller - tornando seu filme ainda mais empolgante e saboroso. Além da comédia, existe uma tensão sempre presente, colocando seus personagens em situações extremas, vivendo no limite da barbárie. Com um texto provocativo e crítico, o filme parece sempre caminhar no ápice - onde decai um pouco pelos exageros do final - mas jamais perde sua genialidade e seu poder em dialogar com o público. 

O cinema sul-coreano tem ganhado força nos últimos anos e "Parasita" tem muito a agregar nessa expansão. Quase nunca um filme de lá teve tanto impacto aqui e é fantástico como isso tem acontecido. A grande questão é que sua trama traz algo com que nos identificamos, um drama universal que diz muito sobre nossa realidade. Dentro de suas excentricidades, vemos uma dura crítica as disparidades socioeconômicas existente dentro de um único país e a esses efeitos gerados pelo capitalismo. Em certo momento, uma das personagens se sente abençoada pela chuva e é doloroso quando vemos que algo tão positivo para um lado, pode ser destruidor para o outro. A mesma chuva que ajudou uma festa de aniversário dos ricos, deixou diversas famílias desabrigadas. O filme lida, o tempo todo, com essas diferenças assustadoras e aproveita para debater meritocracia e as injustiças sociais que nos rodeiam. Estar no topo não é uma questão de merecimento. 

É assim que "Parasita" se firma como um dos melhores filmes que tivemos o prazer de conhecer em 2019. É insano, divertido e de boas intenções. Seu final traz um certo amargo, uma dor que reflete em nossa sociedade e nos faz pensar mesmo um tempo depois que acaba. Bong Joo-ho é um cineasta brilhante e merece este reconhecimento que finalmente veio. Este é seu melhor trabalho, deixando marca e impacto com uma obra que poderá ser revisitada e analisada daqui muitos anos.

NOTA: 9,5


País de origem: Coreia do Sul
Título Original: 기생충 / Parasite
Ano: 2019
Duração: 132 minutos
Distribuidor: Pandora Filmes
Diretor: Bong Joo-ho
Roteiro: Bong Joo-ho
Elenco: Choi Woo Shik, Song Kang-ho, Jo Yeo Jung, Park So Dam


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