quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Crítica: Julieta (2016)

Retorno de Almodóvar aos dramas, "Julieta" foi o selecionado para representar a Espanha na disputa pela indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, além de ter sido indicado à Palma de Ouro no último Festival de Cannes. 

por Fernando Labanca

Baseado em contos de Alice Munro, é curioso notar que mesmo se apropriando de um material que não é seu, Pedro Almodóvar entrega a obra sua identidade, dialogando muito bem com sua filmografia. Da excelente condução do roteiro aos exageros visuais, com suas cores marcantes e texturas, o diretor faz de "Julieta" um trabalho seu, que pode até não figurar entre seus melhores, mas que o reergue novamente após o fiasco de "Amantes Passageiros" (2013). Um filme bem escrito, provocante e envolvente, que coloca, mais uma vez a mulher e todos os seus desejos e traumas como protagonista.

Conhecemos Julieta, uma mulher amargurada, que decide não seguir adiante com sua vida enquanto não resolver uma grande pendência de seu passado. Ao descobrir que sua filha, no qual não se comunica por longos anos, foi vista em Madrid, ela abandona tudo pela remota possibilidade de reencontrá-la. A partir deste instante, o filme busca nas lembranças desta mulher os eventos que as separaram, as razões por esta constante distância.


A maneira como a trama de "Julieta" vai sendo costurada é o que nos prende à obra. Com um delicioso tom de suspense, vamos adentrando ao passado da protagonista, descobrindo, aos poucos, o que ocorreu que a deixou tão devastada e o principal, quando foi a última vez que viu sua filha. Almodóvar é responsável por brilhantes roteiros e aqui não decepciona. Desde o desenvolvimento das personagens às interessantes reviravoltas, existe um grande cuidado e, por fim, o longa encanta, emociona e, surpreendentemente, diverte, com todos os seus exageros e diálogos. É muito bem feito esta transição entre os diferentes tempos da história - beirando a genialidade a cena em que as duas fases se encontram - e como suas tantas camadas vão sendo reveladas, sempre oferecendo uma nova informação, um novo detalhe importante.

Interpretada por duas atrizes, Adriana Ugarte e Emma Suárez, Julieta é mais uma daquelas fortes protagonistas de Almodóvar e ambas se entregam de forma admirável ao papel. Aliás, o diretor realiza um ótimo trabalho aqui, no entanto, não deixa de ser um projeto menor em sua carreira. Não há aquela tão esperada ousadia do cineasta, que parece mais contido, com receio em arriscar. Em sua reta final isto vai ficando mais claro quando sem muitas forças para sustentar sua boa trama, acaba entregando rápidas resoluções, distantes do brilhantismo no qual construíra toda a trama, oferecendo um fim morno e com tons exageradamente dramáticos e novelescos. Funciona, não há dúvidas, mas deixa a sensação de que a grande história relatada merecia uma conclusão melhor ou que fosse apresentada com o vigor de um antigo Almodóvar.

O diretor, aliás, tem grande consciência sobre a estética de sua obra, revelando, assim, um produto com um conceito visual muito bem apurado, que desenha através de seus objetos, cores e iluminação tudo aquilo que deseja expor sobre seus personagens e o estado emocional em que se encontram. Desta forma, a fotografia e o design de produção se destacam. Em suma, vi um filme não apenas muito bem realizado como um filme que traz uma reflexão interessante sobre o tempo e como ignoramos, com o passar dos anos, histórias e pessoas tão importantes para nós com tanta facilidade, como se tudo de mais incrível em nosso presente tivesse potencial para um futuro descarte. "Julieta" é sobre como o tempo transforma em lembrança até mesmo aquilo que nasceu para ser eterno.

NOTA: 8



País de origem: Espanha
Duração: 99 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Adriana Ugarte, Emma Suárez, Daniel Grao, Inma Cuesta, Rossy de Palma





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