Primeira resenha do ano, "O Primeiro Que Disse" é uma comédia italiana dirigida por Ferzan Ozpetek, que mostra situações inusitadas de uma família conservadora e cheia de segredos, por vezes inserindo humor escrachado, o roteiro também se mostra competente no drama, e surpreende.
por Fernando Labanca
A premissa do filme já é bastante interessante e divertida. Conhecemos a estranha família Cantone, recheada de segredos, costumes bizarros e preconceitos. Donos de uma grande empresa de pastifício, o pai, Vincenzo (Ennio Fantastichini) está prestes a passar para seus herdeiros, seus dois filhos, a responsabilidade de guiar este negócio. Tomasso (Riccardo Scamarcio) saira de casa para estudar Administração justamente para seguir no ramo do pai, e no jantar em que receberia oficialmente a empresa, decide revelar seus segredos, a de que abandonou seus estudos para estudar literatura e trabalha como escritor e...que é gay. Para sua grande surpresa, porém, seu irmão mais velho, Antonio (Alessandro Preziosi), no jantar do anunciamento, interrompe deu doloroso discursso para sua revelação, a de que é homossexual e que não pretendia seguir os negócios da família.
É então que os segredos de Tomasso perdem completamente a chance de serem revelados, até porque Vincenzo tem um ataque cardiáco ao ouvir as revelações de seu filho, e tentando não piorar a saúde do pai, se esconde mais ainda, e vendo que era o único ali que poderia naquele momento tão delicado dar continuidade ao trabalho na empresa, passa a fazer justamente o que não queria. É quando que a Companhia recebe novos sócios, que Tomasso começa a refletir sobre suas escolhas, principalmente porque os novos rumos da empresa tem a liderança da bela Alba (Nicole Grimaudo) que passa a guiá-lo e também passa a ser sua grande confidente, mexendo com seus sentimentos. E no meio de tudo isso, estava a avó da família (Ilaria Occhini), uma mulher que sofrera no passado por um amor impossível e tenta, no presente, salvar os caminhos daqueles que estão perdidos.
"O Primeiro Que Disse" possui lá seus clichês, principalmente na parte final que tenta dar aquela já tão usada mensagem de efeito, a de que a aquela pessoa que arrisca tem mais chances de errar, entretanto, mais chances de encontrar a felicidade. A mensagem é batida, mas ainda é válida, o filme acaba que tendo boas intenções. Por outro lado, vejo alguns elementos bastante ousados do roteiro, como colocar um grande galã do cinema italiano como protagonista homossexual, e por debater este assunto sem querer ser moralista, de forma leve, por vezes, até caricata, mas no geral, de forma bastante inteligente. Para nós, a discussão da homossexualidade já está virando banal, mas para o conservadorismo italiano, não. E inserir isto em oposição a este conservadorismo, de forma até a satirizá-lo, é ousado.
O filme é uma deliciosa comédia, com bom humor, que sabe divertir, como disse anteriormente, utilizando em algumas passagens o humor escrachado, como a sequência onde os amigos de Tomasso o fazem uma visita, no momento "gaiola das loucas" do longa, colocando em risco a maturidade com que trilhava a trama até aquele momento, mas por sorte, o filme permanece firme e termina brilhantemente bem. O longa de Ozpetek também consegue emocionar, com a delicadeza e sensibilidade de seus diálogos, e a maneira como o filme sabe trabalhar essas diversas nuances é incrível.
"Mine Vaganti", no original, nos faz refletir sobre como nos escondemos, como por vezes tentamos ser outra pessoa para agradar ou por medo de admitir ser quem somos, sobre como é admirável o ato de permitir que outros gostem de nossa personalidade tendo a ousadia de mostrar nossa verdadeira face. É interessante também a maneira como o roteiro explora as situações desta família, vemos pessoas que não falam, não conversam, não conseguem, por medo, por insegurança, incerteza das consequências, se abrir, deixar o coração falar, não a razão. E 'mine vaganti', a famosa bala perdida, aquele ato que não prevemos, aquele destino que aparentemente não era nosso, mas que surge de repente e salva nossas vidas, como se fugir da normalidade, escapar daquilo que parece ser predestinado, pode ser nossa salvação.
Boas reflexões, diálogos inspiradores, atores competentes, que interpretam personagens bastante interessantes e muito bem escritos. Ainda há cenas memoráveis como quando Antonio revela ser homossexual no jantar com a família, onde o pai tem o ataque cardíaco, genial. Dentre os atores, a veterana Ilaria Ochini se sai melhor e constrói com sua grande atuação, belíssimas cenas. Boas locações, boa trilha sonora, apesar da repetição insistente de algumas canções, mas no geral, a trilha instrumental acaba tendo papel fundamental tanto nas cenas cômicas quanto nas dramáticas. "O Primeiro Que Disse" é um filme adorável, uma das boas comédias do ano passado, mostrando a força do cinema italiano.
NOTA: 9
Realmente, filme muito bom.
ResponderExcluirEscreveu bem Fernando, falou tudo que o filme consegue passar!