
por Fernando Labanca
Nome por trás de obras como "Clube da Luta" e "Seven", David Fincher tem trilhado um caminho admirável em Hollywood, e nos últimos anos tem se especializado no suspense investigativo, onde o diretor parece ter se "encontrado" no gênero. E seguindo quase como uma fórmula, o diretor resgata boas ideias da literatura e as adapta de uma forma muito única na tela. Ainda que suas obras sejam muito distintas, todas parecem seguir o mesmo intuito. "Zodíaco", "A Rede Social", "Millennium" e agora este, "Garota Exemplar", todos tem uma investigação como premissa, seja do paradeiro de um serial killer, seja a investigação por trás do sucesso - ou fracasso pessoal - do criador do facebook. Cada um, a sua maneira, Fincher usa da investigação, do suspense, do mistério, para revelar a complexidade da mente humana, ele nem sempre está interessado nos eventos ou consequências, seu interesse maior está naquele que age, no suspeito, na vitima, seja na mente por trás de um crime, seja na mente por trás de uma criação.
É assim que "Garota Exemplar" começa. O marido, enquanto acaricia sua amada esposa, se pergunta o que há em sua mente e se mostra disposto a fazer de tudo para compreender o que há naquele olhar e no silêncio que nada revela. Amy Dunne, interpretada por Rosamund Pike, é uma das personagens mais enigmáticas que Fincher já trouxe para os cinemas e o mistério do que há por trás desta mulher é o que guia a trama, é o que nos prende neste ótimo suspense, longo, mas que provavelmente você não sentirá os minutos passarem.
Amy, quando criança, tivera sua infância exposta pelos pais que escreviam livros sobre seu comportamento, sobre sua vida. Adulta e também escritora, ela acaba conhecendo em uma festa Nick (Ben Affleck), homem bem-humorado e inteligente que a faz viver aquele romance digno de ser visto na TV. Os anos passaram e no aniversário de cinco anos de casados, quando Nick retorna para casa, percebe que Amy está desaparecida, onde vestígios deixados na sala deixam claro que antes, ela fora violentada. O caso, porém, acaba tendo uma repercussão estrondosa, os vizinhos passam a ajudar na procura, policiais se esforçam para compreender o que houve e a mídia transforma o ocorrido na sensação do momento. Tudo piora com o comportamento estranho de Nick diante dos holofotes, é então que ele passa a ser o suspeito número um pelo desaparecimento de sua própria esposa.


"Garota Exemplar", por trás do suspense, faz uma crítica bem sarcásticas sobre a mídia, sobre como pequenos casos como este surgem nos canais de comunicação e se tornam assuntos do dia pra noite, se tornam temas de debates e colocam as "vítimas" como sendo personagens qualquer de uma novela diária, são livres para fazer especulações e fazer da desgraça alheia seu mais lucrativo propósito. Me admira e muito a maneira como isso foi pautado no filme, a importância que a mídia tem sobre a resolução do caso do desaparecimento. Passa a ser, surpreendentemente, até engraçado, as entrevistas, os programas, o exagero, a falsidade, é bem pertinente a maneira como é inserido o humor nos diálogos, como o roteiro tem o dom de fazer piada de tudo isso, como ele mesmo compreende o quão bizarro é todo este circo que é armado.

Apesar das notáveis falhas, "Garota Exemplar" já entra para a lista dos filmes imperdíveis de 2014, onde sua história irá permanecer ainda por muito tempo na mente depois da sessão, ficamos remoendo e tentando digerir tudo o que nos foi mostrado. É interessante o jogo proposto pela obra, parece estar a todo instante desafiando seu público, nos manipulando, nos enganando, sem jamais se render aos clichês. Além de satirizar os meios de comunicação, vemos aqui também uma inteligente sátira ao casamento e suas nuances, suas dificuldades, de pessoas que se limitam a ser aquilo que o outro deseja. "Gone Girl" é principalmente sobre ter a vida exposta, muito mais do que o sensacionalismo que a mídia expõe, é sobre esta exposição voluntária, desta nova sociedade que se vende, que se dispõe como um modelo a ser seguido, seres exemplares, que sabem como viver, se divertir e obter sucesso na vida, é sobre esta falsidade de uma rotina que jamais existiu, até porque a vida que vendemos nunca é como a que realmente temos. Impactante, tenso e surpreendentemente divertido, que não é tão espetacular como tem se falado, mas que é, ainda assim, um filme poderoso. Recomendo.
NOTA: 8
Duração: 148 minutos
Distribuidor: Fox Filmes
Elenco: Ben Affleck, Rosamund Pike, Carrie Coon, Neil Patrick Harris, Kim Dickens, Tyler Perry, Missi Pyle
Diretor: David Fincher
Roteiro: Gillian Flynn
Interpretar este drama parece fácil nem é. Para começar, deixe-me dissipar qualquer dúvida sobre Ben Affleck aqui é excelente. Você deve ser sóbrio quando sutil e pode resumir em um gesto seus pensamentos mais íntimos. E o que dizer Rosamund Pike, uma atriz sem maneirismos, rotunda, que resolve cenas vertiginosas com facilidade e então alguns.
ResponderExcluir