terça-feira, 25 de junho de 2019

Crítica: Dor e Glória

Confissões de Almodóvar.

por Fernando Labanca

O próprio Pedro Almodóvar já havia revelado o quanto esse era o projeto mais pessoal de sua carreira. É nítido em cada situação e diálogo que há muito do cineasta no protagonista. Salvador Mallo, vivido por Antonio Banderas, é seu alter ego. Não apenas o corte de cabelo denuncia isso, como toda a trajetória do personagem e a metalinguagem que se faz sempre presente em sua trama. Longe de ser espalhafatoso ou exagerado, "Dor e Glória" é um filme pequeno, simples mas de discursos poderosos. É íntimo e soa como uma carta de amor do diretor ao cinema e às suas próprias memórias. 

Como vários recortes de uma vida, o roteiro vai se construindo e se reconstruindo aos poucos. São segredos, lembranças, períodos de uma jornada revelados sempre entre duas pessoas, limitadas pelo espaço de uma casa, de um teatro, de um hospital. Sem o caos e o barulho do mundo de fora, nos é mostrado a experiência de uma vida, os amores, a paixão pela profissão, os primeiros desejos. Há uma apelo nostálgico de relatos que estão sempre voltados para o passado, onde o futuro nunca parece um caminho possível. "Dor e Glória" é sobre o tempo, sobre saudade, sobre o que acontece depois do ápice. É como se todas as histórias do protagonista já foram vividas e agora precisam ser contadas. Os tempos de glória já se foram e agora só lhe resta viver o depois, com seu corpo em ruínas, vivendo das lembranças que os anos deixaram. Neste sentido, é até curioso como o filme vai nascendo, apenas navegamos em seus discursos sem nunca saber a direção exata que pretende chegar. Mas há lógica na sua desordem e paixão em cada elo que une suas inesperadas passagens.   


Salvador é um diretor de cinema que, muitos anos depois dos seus anos dourados, precisa revisitar sua obra-prima para um evento. É assim que ele retoma contato com histórias antigas e conflitos não resolvidos com o passado. No meio de tudo isso, sem ver sentido em sua existência por não mais filmar, encontra na sua infância a inspiração para um possível retorno. É o palco perfeito para Almodóvar se expressar e montar seu próprio confessionário. E é lindo como ele faz isso. Acaba sendo um presente poder se aventurar por suas histórias. É doce e sincero cada relato que apresenta na tela e somos preenchidos por sua sensibilidade. Admirável como ele fala, principalmente, sobre a homossexualidade. Não é sempre que o cinema coloca uma criança para protagonizar o tema e ele faz isso com coragem. Há ainda ousadia na cena que ele reencontra um grande amor de sua vida, já na fase adulta, e como é incrível assistir esse momento. A maneira como ele aplica a metalinguagem em cena também é admirável. É inteligente suas saídas, mesmo com tão poucos recursos. As cores vibrantes, as texturas e o texto afiado ainda estão ali, assim como a inteligência, delicadeza e a naturalidade de misturar drama e comédia em um único instante. 

"Dor e Glória" não é apenas o palco de Almodóvar, é o palco de Antonio Banderas também. É bonito este reencontro dos dois neste momento tão pessoal da carreira do diretor. O ator saiu vencedor de Cannes por sua atuação e surpreende por entregar tanta verdade. É um dos melhores momentos de sua filmografia. Muito bom, também, poder ver Penélope Cruz aqui, que mais uma vez não decepciona. A ausência de uma linha narrativa mais coesa torna o filme um pouco arrastado em alguns momentos, alguns plots nem tão interessantes ganham muito tempo em cena enquanto outros que mereciam mais destaque logo são finalizados. Ainda assim é fantástico toda sua construção e mesmo que não seja tão original, sua conclusão é brilhante. O novo filme de Almodóvar é sutil, íntimo e cheio de sentimento e honestidade. Um belíssimo retorno. Futuramente, merece uma revisita pois é algo que quanto mais eu penso nele, mais eu gosto. 

NOTA: 8


País de origem: Espanha
Título original: Dolor y Gloria
Ano: 2019
Duração: 103 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Nora Navas, Asier, Etxeandia, Leonardo Sbaraglia, Penélope Cruz



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